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quarta-feira, 13 de março de 2024

A Esquerda acabou em Portugal. O último a sair, apague a luz.

 Dia 10 deste mês ocorreu a eleição em Portugal de deputados para Assembleia da República e, consequentemente, a escolha do novo primeiro-ministro. 
António Costa, do Partido Socialista, que está no cargo há 8 anos, e que havia sido reeleito para um novo mandato de quatro anos, em 2022, renunciou em setembro do ano passado, alegando que não poderia permanecer no cargo pesando sobre ele a acusação de corrupção. Por conta disto, o presidente Marcelo Sousa convocou nova eleição, com dois anos de antecedência.
Eu sempre gostei de tirar informações dos números do resultado de uma eleição. Venho fazendo isso há algum tempo no Brasil. Estando eu cá, além-mar, vou tentar fazer o mesmo.
O primeiro número que chamou a minha atenção foi o número de eleitores aptos a votarem ou registados9.271.479. Considerando o último censo, em 2021, a população de Portugal era 10.344.802. Se considerarmos que o número de eleitores é atual e o número da população está defasado em dois anos, os eleitores são 90% da população. Um número elevado. Como a idade mínima para votar é de 18 anos, isso significa que somente 10% da população tem menos de 18 anos.
  Para efeito de comparação, em 2022, ano da última eleição no Brasil, a população brasileira era de 203 milhões e o número de eleitores passava de 156 milhões; isso significa que 77% da população é eleitor e 23% tem menos de 18 anos. Na realidade, esse percentual pode ser maior, pois, no Brasil, aqueles que desejarem, podem votar a partir dos 16 anos.
 O partido majoritário, em tese, tem direito de indicar o primeiro-ministro. E o vencedor foi a coligação de centro-direita “Aliança Democrática”, AD - composta pelos seguintes partidos: Partido Social-Democrata (PPD/PSD), Partido Popular (CDS–PP) e Partido Popular Monárquico (PPM) - que obteve 1.811.027 votos, ou 29,49% dos votos válidos ou 19,53% dos eleitores aptos a votarem. Qual a representatividade disto? É menos de um terço dos votos válidos. Vai ser necessário  compor com outros partidos ? 
Se Luís Montenegro, líder do PSD, tornar-se o novo primeiro-ministro, ele terá batido o recorde negativo de Cavaco Silva, também do PSD, que se tornou primeiro-ministro com apenas 29,87% dos votos, em 1985.
   O derrotado foi o Partido Socialista, PS, que está há oito anos no poder. Contudo, ele quase empatou com a AD, tendo 1.759.998 ou 28,66% dos votos válidos ou 18,98% dos eleitores. Eu diria que foi, razoavelmente, um bom resultado para o PS. A Aliança Democrática elegeu 79 deputados, apenas dois a mais do que tem hoje; e o PS elegeu 77. Tendo uma redução de 43 deputados com relação aos eleitos em 2022, quando obteve maioria absoluta.
  Eu acreditava que o PS teria menos deputados, considerando que nos últimos meses os noticiários exibiam diariamente as greves dos policiais, dos médicos e dos professores. Isso serviu como propaganda negativa contra o governo. Somando-se a isso, a oposição batendo direto, é possível que, como Fernando Haddad, do PT, em 2018, a esquerda portuguesa tenha descoberto o seu limite mínimo de eleitores fiéis. 
 Indubitavelmente, o grande vencedor foi o Partido Chega de extrema-direita, que quadruplicou a sua bancada de 12 para 48 deputados; obtendo 18,06% dos votos válidos.
  Considerando a não redução do número de deputados da Aliança Democrática, podemos dizer que o Chega tomou votos do PS ? Isso é possível, mas chamo a atenção do leitor que em toda parte do mundo, quem vota na esquerda ou na extrema-direita não troca de camisola: são votos ideológicos. O eleitor votava no Partido Socialista e mudou o voto para um partido de ultradireita ? Está meio estranho isso.
  O que parece é que o Chega recebeu votos de protestos. Fato muito parecido com a eleição de Bolsonaro em 2018. Só saberemos se isso realmente aconteceu, quando a política em Portugal – sem greves e campanhas negativas – voltar a situação normal de temperatura e pressão.
  Na realidade, é muito mais fácil ser oposição do que ser governo. A oposição, seja ela de direita ou esquerda, tem solução ótima para tudo. Ela sempre pode pagar salários melhores para os grevistas, etc., etc.
  Nesta eleição o Chega inovou: elegeu o primeiro deputado brasileiro para a Assembleia da República, Marcus Vinicius Teixeira Soares dos Santos. Isso parece ser uma novidade em terras lusas. Nós tivemos uma deputada portuguesa, Ruth Escobar, também atriz, nascida aqui perto, em Campanhã, Porto. Já tivemos inúmeros filhos de estrangeiros na política. Outra portuguesa muito ativa na política brasileira e economista respeitada é Maria Conceição Tavares, de Aveiro, professora titular da Unicamp e emérita da UFRJ. Foi deputada federal pelo PT.
Isso é muito comum em países que recebem imigrantes. Na Inglaterra, o primeiro-ministro é indiano. Portugal é um país de emigrantes que agora experimenta a chegada de estrangeiros que vieram para ficar.
Em Portugal, em 2022, Lula teve 23.256 (64%) votos e o Bolsonaro 13.081 (36%). Não vai demorar para a esquerda brasileira ter o seu deputado aqui. Lembro que a comunidade brasileira é muito maior que isso.
Isso vai dar certo? Teremos de esperar. Estou pagando para ver como vai reagir André Ventura quando foi contestado por um deputado estrangeiro. 

  Chega pra lá.

 O Chega quer ser governo. Já se ofereceu para isso. André Ventura, líder do partido, está ameaçando não votar no orçamento se não fizer parte do futuro governo. Aqui, impasse na votação do orçamento, que eles chamam de chumbo, pode levar a convocação de novas eleições.
Ele alega que quer enfrentar o inimigo comum: o PS. O Chega não quer ser simples apoiador, quer ministérios, quer governar junto com o PSD. Mas Luís Montenegro, provável novo primeiro-ministro, não quer acordo com o Chega.
  Desconheço o motivo pelo qual o PSD não quer ser governo com o Chega. Mas tenho os meus palpites. Não obstante ao fato de que, aparentemente, o Chega roubou votos do PS e não do PSD, volto a repetir que foram votos de protestos. Quem vota no PS, não vota no Chega e vice-versa. O Chega é concorrente do PSD e não do PS. O Chega e PSD concorrem pelo mesmo tipo de eleitor: o da direita. Como no Brasil, aqui o eleitor de extrema-direita votava nos candidatos da direita porque não tinha opção. No Brasil, até aparecer o Bolsonaro, a extrema-direita votavam nos candidatos do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) por ser o principal adversário do PT. Com o advento do bolsonarismo, o PSDB praticamente acabou. Seus eleitores foram para a esquerda ou para a direita. E Luís Montenegro não vai querer criar cobra, para ser mais tarde mordido por ela. Além do que, há uma máxima que diz: não empregue quem você não possa demitir.
  A união do Chega com o PSD seria muito bom para o PS. Ambos tornar-se-iam governo. Sendo governo somente o PSD, o Chega poderá apontar soluções maravilhosas para tudo, dando-lhe oportunidade de cair nas graças da população.
 Portugal tem problemas estruturais, não conjunturais, sérios: falta de moradias (e caras) e baixos salários estão entre os mais preocupantes; e não serão resolvidos no período de um ou dois governos.
   A qualidade do ensino, em todos os níveis, em Portugal subiu bastante. Reconhecida e certificada pela Comunidade Europeia. Como eles costumam dizer: “Temos a melhor capacitação de sempre”. Meus filhos que estudaram aqui, comentavam que não raro, empresas estrangeiras fazem workshops dentro das universidades, convidando os alunos a se mudarem para os seus países/empresas quando graduarem.
  Um dos ataques que o PS sofre, é devido a essa fuga de cérebros para outros países por causa dos baixos salários em Portugal. Mas isso é um problema muito antigo. Os cinquenta anos de salazarismo atrasaram muito Portugal. Isso não será resolvido nem a médio prazo. Há muitas décadas os portugueses emigram; e agora que se tornaram mais capacitados, Portugal sofre concorrência de todos os países da União Europeia.
  Sobre isso abordaremos em outro texto. Será um texto sobre economia. Uma coisa já posso adiantar: não é possível elevar os nível geral de salários em curto prazo de tempo. Nem PSD, nem Chega conseguirão fazer isso.
 Portugal teve um crescimento espetacular, de mais de dez vezes, do seu Produto Interno Bruto, a partir de 1986, quando entrou na União Europeia, até a crise financeira mundial em 2008. Portugal tem de formular uma política de desenvolvimento, uma meta a ser perseguida no médio e longo prazo, e trabalhar para sua implementação como fizeram a República da Irlanda e Singapura. Hoje esses países têm per capitas astronômicos.

 Chega de Infantilidades.

  O líder do Chega, André Ventura, disse que caso viesse a se tornar primeiro-ministro, como resultado da eleições do dia 10, e se Lula desejasse participar da cerimônia dos 50 anos da Revolução dos Cravos, ele não permitiria a entrada do presidente brasileiro em Portugal: “Eu garanto que se eu for primeiro-ministro, o senhor Lula da Silva ficará no aeroporto e, se insistir, vai para uma cadeia”.
 Também disse que restringiria a entrada do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, do Partido Socialista Operário Espanhol.
  Mas por qual motivo o líder do Chega disse isto ? O que de tão grave fizeram esses senhores ? Nada. A resposta é que a cabeça dele, funciona exatamente como funciona a cabeça da extrema-direita em todo mundo: agressão gratuita física e verbal é a principal característica deles. Eles odeiam a todos que não pensam igual a eles. Eles não contra-argumentam ideias opostas; partem para o argumentum ad hominem, isto é, agridem o interlocutor.  Observe todas as pessoas de ultradireita que você conhece. Assim são os bolsominions no Brasil e os trumpistas na América.
 É um comportamento agressivo. Feito para estimular o ódio entre os seus seguidores. Mesmo comportamento, em relação ao Lula, tem o presidente da Argentina, Javier Milei. Todos os dias faz ataques ao Lula. Esse senhor aumentou o próprio salário em 48%, em meio ao enorme fardo que impôs a população argentina, mas teve de voltar atrás devido a protestos. Infelizmente, a Argentina, por três meses seguidos, tem a maior inflação do mundo.
É muita dor de cotovelo. Lula deve causar muita inveja a esse povo.
  O Lula deve ser o mais influente líder da esquerda no mundo neste momento. Até dezembro ele é presidente do G20, grupo dos vinte maiores economias do mundo. Os seus dois primeiros mandatos foram um grande sucesso. Ao sair da presidência, com 82% de aprovação popular, deixou o Brasil entre as seis maiores economias do mundo. No atual mandato recebeu o Brasil na décima segunda posição, um ano depois já está na nona posição. Tirou 30 milhões de brasileiros da miséria; e de devedor do FMI, o Brasil passou para posição de credor. Não foi à toa que Barack Obama disse que “Lula era o gajo!”
 Lula é pragmático. A Argentina é o segundo maior país do Mercosul e importante parceiro comercial. Ele não perde tempo com as idiotices desse tipo. Mas como eu não sou o Lula, vou lembrar para o André Ventura somente uma coisa: "O Brasil foi o melhor investimento que a TAP fez em 50 anos", defendeu o ex-administrador Diogo Lacerda Machado, esta terça-feira, na audição parlamentar de Economia, afirmando categoricamente que "o hub de Lisboa [hoje uma mais-valia] não existia sem o Brasil".
  O Brasil é a maior fonte de receita da TAP, companhia aérea estatal portuguesa. Bastaria que Lula suspendesse os voos para o Brasil para causar enormes prejuízos a companhia. Felizmente, ninguém confunde o comportamento infantil de uma pessoa, principalmente, ela querendo ser o que não é, com o bom relacionamento entre os dois países.
 
   Seis por meia dúzia.
 
  Como dizemos no Brasil, a situação política de Portugal foi trocada de seis por meia dúzia. O presidente dissolveu o parlamento em nome da estabilidade política. Mas situação atual está longe de ser estável. Na Inglaterra, o ex-primeiro-ministro Boris Johnson, do Partido Conservador, caiu por participar de uma festa na época do lockdown e foi substituído por Liz Truss do seu partido. Ela ficou no cargo apenas 49 dias. Não deu certo; foi substituída por outro membro do partido, Rishi Sunak. Em Portugal, um governo que teve maioria absoluta, não poderia ter o primeiro-ministro substituído, tinha de se dissolver o parlamento.
 Queira Deus que essa instabilidade termine e um novo governo seja estabelecido.
  E por que esse título dizendo que a esquerda acabou ? Primeiro, para gerar curiosidade no leitor sobre o texto. E depois, lembrei-me de um texto de Stephen Kanitz, “A Esquerda Acabou. Saiba o por quê”, escrito quando o Fernando Haddad perdeu a eleição presidencial para Bolsonaro em 2018. O gajo confundiu desejo com realidade. Ainda teremos esquerda e direita por muito tempo, na política lá e cá.
 
Cláudio Nogueira
 
 
 
PS1. Lula 'é o cara', diz Obama durante reunião do G20, em Londres. Presidentes se encontraram durante almoço de líderes. Para Obama, Lula é o 'político mais popular do mundo'. Disponível em:
https://g1.globo.com/noticias/economia_negocios/0,,mul1070378-9356,00-lula+e+o+cara+diz+obama+durante+reuniao+do+g+em+londres.html

PS2. Por mais de dois séculos a Irlanda era um dos países mais pobres da Europa, até os anos de rápida entre 1995 a 2007, nesse período a economia irlandesa cresceu a uma taxa média anual de 9,4%. A história de Singapura é igualmente extraordinária.

PS3. O resultado final da eleição, após a contagem dos votos do exterior, para os três primeiros colocados ficou assim: AD com 80 deputados, Partido Socialista com 78 e Chega com 50.

PS4. Finlândia encontra em Portugal <<excelente centro>> de profissionais qualificadosDisponível em: 
https://hrportugal.sapo.pt/finlandia-encontra-em-portugal-excelente-centro-de-profissionais-qualificados/

domingo, 14 de janeiro de 2024

Turismo no Brasil. Estamos perdendo dinheiro.

   Li recentemente que o Brasil vai passar a exigir visto dos americanos para entrarem no Brasil. Acredito que essa medida não seja uma medida muito favorável a economia brasileira. A extinção da exigência de visto ao turista americano foi a única atitude inteligência, a única coisa decente, o único ato do Bolsonaro que beneficiou o Brasil. Embora a sua decisão tenha sido motivada para bajular os americanos, ela deverá trazer benefícios a economia brasileira.

    Por que vistos são exigidos de alguns países ?

    Via de regra um país exige visto de turistas de alguns países e não de outros pelo seguinte motivo: quando há registro de que milhares de turistas de determinada nacionalidade entraram no país (sendo turistas têm a permanência permitida por tempo determinado), mas não saíram. Nesse caso, essas pessoas, geralmente, vivem neste país de forma irregular ou ilegal. Há outros motivos sim, como de ordem ideológica ou a entrada de estrangeiros pode concorrer com a mão de obra nativa.

    Muitos brasileiros viajam aos Estados Unidos; a emissão de visto é uma excelente fonte de receita para os americanos. Em 2011 escrevi um texto sobre esse assunto que continua atual, onde faço uns cálculos do valor dessa receita. É alguns milhões. Para entender porque continuará sendo exigido visto aos turistas  brasileiros dê uma olhada no seguinte texto "Visto americano nunca mais".[1]

   O governo americano tem motivo sim de exigir visto aos brasileiros, considerando a quantidade pessoas que entram como turistas e lá fixam residências. Em algumas localidades a quantidade enorme de brasileiros é notória; nomeadamente nos Estados da Flórida, Nova Jersey e Massachussets. Eu já tive a oportunidade de visitar algumas comunidades nesses estados. Algumas delas ocupam várias ruas ou um bairro inteiro; parece que você está no Brasil. Só se fala português e as informações nas lojas são em português.

 “Segundo dados do Itamaraty existem mais de 4 milhões de brasileiros morando no exterior, estima-se que cerca de 1,4 milhão destes vivem nos Estados Unidos.[2] 

   Por estado: Massachusetts (23%) ocupa o primeiro lugar, seguido pela Flórida (20%),  New Jersey (10,4%), Califórnia (8,7%) e Nova York (7,1%).

1.      Boston, Massachusetts – 53 mil brasileiros;[3]

2.      New York City, New York – 50 mil brasileiros;

3.      Miami, Flórida – 49 mil brasileiros;

4.      Orlando, Flórida – 17 mil brasileiros;

5.      Los Angeles, California – 16 mil brasileiros.” 

         Não estou bem lembrado, mas acredito, que baseado na reciprocidade, o presidente Itamar Franco, por um período, determinou que o Brasil exigisse visto dos americanos. Temos de ser pragmáticos e pensar no que é melhor para o Brasil. Mesmo com as sanções impostas a Rússia, pelos Estados Unidos e União Europeia, devido à guerra da Ucrânia, nem os europeus deixaram de comprar o petróleo russo, nem russos deixaram de vendê-lo. É verdade que houve uma redução, mas não pararam totalmente. Cada um pensou nos interesses de seu país.

 

   O Brasil está perdendo bilhões de dólares tão necessários na redução da pobreza.

 

    O Brasil pelo seu tamanho, suas belezas naturais e potencial é, proporcionalmente, um dos países que menos receber turistas no mundo. Podemos alegar que isso deve-se ao fato da insegurança que temos nas nossas cidades. Isso é meia verdade. O México, que tem os mesmo problemas que nós ou ainda piores, recebeu ano passado, 35 milhões de turistas. Sua posição no rankings dos países que mais recebem turistas tem variado entre a sexta e a oitava posição.

    Os 10 países mais visitados do mundo em 2023[4]:

    1.França – 82,6 milhões;  2. Estados Unidos - 75,6 milhões;   3. Espanha - 75,6 milhões;   4. China – 59,3 milhões;  5. Itália - 52,4 milhões; 6. Reino Unido - 35,8 milhões;  7. Alemanha - 35,6 milhões; 8. México – 35,0 milhões; 9. Tailândia – 32,6 milhões;  10. Turquia – 30 milhões.

     E o Brasil ?

   “As chegadas internacionais também estão batendo recordes este ano.  Mais de 4 milhões de turistas estrangeiros visitaram o Brasil nos primeiros oito meses deste ano, mais do dobro do número de 2022. A previsão para 2023 é atualmente de 6,7 milhões, um terço a mais que 2022”.[5]

    Compare com o México. Isso é simplesmente ridículo; mas pode ficar mais vergonhoso ainda. Poderia, também, mencionar Portugal, onde eu vivo. País pequeno que recebe cinco vezes mais turistas que o Brasil. Mas poderia ser alegado que ele está na Europa. Nesse caso, vou mencionar Cuba. Ela sofreu uma redução enorme de visitantes depois da pandemia; mas nos anos de 2018 e 2019, Cuba recebeu mais de 4 milhões de turista.

   Na América do Sul perdemos para a Argentina, que recebeu mais de 7 milhões de visitantes; Peru e Chile receberam quase a mesma quantidade que nós. Há algo de errado na República do Brasil.

     Onde estamos errando ?

     Seria a falta de uma política adequada ou a ausência de política para o setor ? A indústria do turismo é uma das que mais emprega pessoas com baixa escolaridade. Ela pode ser uma grande aliada na redução da pobreza e da distribuição de renda.Aqui está uma lista de atividades de baixa escolaridade que são indispensáveis à indústria do turismo:

1. Limpeza e Manutenção: Responsáveis pela higiene e conservação de hotéis, restaurantes, locais turísticos, etc.

2. Atendimento ao Cliente: Profissionais que trabalham em recepções de hotéis, guichês de informações turísticas, caixas de restaurantes e similares.

3. Auxiliares de Cozinha: Ajudam no preparo e organização das refeições em estabelecimentos gastronômicos.

4. Motoristas de Transporte Turístico: Conduzem ônibus, vans e outros veículos destinados ao transporte de turistas.

5. Guias de Turismo Local: Oferecem tours e informações sobre pontos turísticos, geralmente sem a necessidade de educação formal avançada.

6. Segurança: Garantem a segurança em hotéis, pontos turísticos e eventos.

7. Jardinagem e Paisagismo: Cuidam dos espaços verdes em resorts, parques e outras áreas turísticas.

8. Camareira(o) de Hotel: Responsáveis pela arrumação, limpeza e organização dos quartos de hotéis.

9. Barmen e Garçons: Servem bebidas e alimentos em bares e restaurantes.

10. Operadores de Atrações Turísticas: Gerenciam e operam equipamentos em parques temáticos e outras atrações.

Isso é apenas um dos benefícios. Há vários outros; sem mencionar a entrada de dólares e euros. Igualando-se a receitas de exportações.


Qual é a solução ?


Uma política séria, um planejamento estratégico, com um objetivo definido. Por exemplo: aumentar para 10 milhões de visitantes nos próximos cinco anos. Não vamos encontrar uma solução sem um estudo aprofundo, sem uma política específica, apenas administrando o que temos.

Creio que temos profissionais competentes para encontrar as medidas adequadas para incrementar a entrada de turistas no Brasil. Temos de fazer um análise crítica da nossa infraestrutura em algumas regiões.

Cancún, México, em 1978
















Quem conhece Porto de Galinhas, em Pernambuco, sai de lá encantado. O seu potencial turístico é enorme, mas a infraestrutura não ajuda a atrair um número maior de turistas, tanto nacionais quanto estrangeiros.  O nordeste tem muitos lugares lindos assim. Na realidade, o município de Ipojuca, onde fica Porto de Galinhas, tem várias outras praias com um potencial muito grande. O Brasil tem muitos lugares lindos assim. Lindos com uma infraestrutura precária e um potencial enorme. Bonito, cidade no Mato Grosso do Sul, é espetacular. Porto Belo, Bombas e Bombinhas na Costa Esmeralda de Santa Catarina são locais pequenos com grande potencial; só para citar alguns exemplos.

Estamos, também, subutilizando em termos do seu potencial turístico, a Amazônia, marca mundialmente conhecida. Em 2023, o jornal New York Times listou 52 cidades no mundo que valiam a pena serem visitadas e uma delas era Manaus.[6] Para este ano quem recomendou a visita a capital do Amazonas foi o respeitado site de viagens Lonely Planet.[7] O mais conhecido hotel de selva da região, Ariaú Amazon Towers, fechou suas portas em 2015.

Em Fernando de Noronha estamos sentados em um pote de ouro. Desenvolveu-se a ideia que tem de mantê-lo intocável, com pequenas pousadas para preservar a natureza. Bobagem. Um hotel ou hotéis cinco estrela lá, não significa que a natureza seria destruída. O Caribe está creio de ilhas desse tamanho, com uma população muitíssimo maior, preservadas, que receberem milhares e milhares turistas e navios de cruzeiros.

Dubai tem 34km2 e quase 3,5 milhões de habitantes. Fernando de Noronha tem 26m2 e pouco mais de 3mil habitantes. Mônaco tem 2 km2 e 10 mil residentes; Cancun no México tem 8km2 e uma população de quase 900 mil. Observe bem esses números. Conclusão: pode utilizar-se uma parte de Fernando de Noronha e ainda deixar uma boa parte como um santuário ecológico. Enquadre os habitantes locais, melhores significativamente as rendas deles, e pergunte a eles se querem ser parceiros, melhorarem o padrão de vida das suas famílias, um futuro melhor para seus filhos ou ficarem adorando a natureza. Na realidade, as duas coisas são plenamente possíveis e compatíveis.


Cancún, México

Permita-me dar uma sugestão, que não é  a única possível, nem engloba todos problemas, mas é apenas um contribuição para aumentar a infraestrutura em algumas regiões.

Proponho que se faça isenção total de impostos de empreendimentos nas áreas selecionadas. A cidade de Bangalore, um dos maiores e mais bem sucedidos centros tecnológicos da Índia, adotou essa política. Lá as empresas recebem isenção fiscal por tempo determinado. O mesmo proponho para essas localidades de grande potencial turístico. Uma torre ou empreendimento hoteleiro horizontal, resort, parque temático, zoológico, aquário ou museu receberia uma isenção fiscal por dez anos, não renovável.  Se a empresa deseja receber mais incentivos fiscais, teria de fazer outro empreendimento. Como é exigido na Zona Franca de Manaus, teria de ser aberto uma nova empresa no local.

Obviamente que os governos, nos três níveis, teriam de fazer a sua parte. Cancún era um pântano na península de Yucatan; onde está localizada, não tinha absolutamente nada. O México procurou um local onde pudesse construir um complexo turístico que alavancasse o setor. Os pouquíssimos moradores sobreviviam da pesca e da venda de cocos. Em abril de 1970 banqueiros e investidores internacionais iniciaram a construção de hotéis e da infraestrutura. Em 1978, onde não tinha absolutamente nada, foi construído um complexo hoteleiro do Club Med. Hoje, numa faixa de terra de 21 km de extensão e 400 metros de largura, vivem quase 900 mil pessoas.

Há vários outros exemplos a serem seguidos/estudados. Tudo pode ser uma questão de vontade política. Aqueles que tiveram a coragem de criar uma infraestrutura para suas localidades com potencial, estão hoje colhendo os frutos. Que o Brasil também tenha uma política específica para a indústria do turismo e saiba utilizar o seu enorme potencial turístico para gerar renda e diminuir a pobreza. Sem mencionar que as classes mais privilegiadas também se beneficiarão enormemente. 


Cláudio Nogueira


[1] Visto nunca mais. Disponível em: 
https://nogueiraclaudio.blogspot.com/2011/07/visto-americano-nunca-mais.html
[2] As maiores comunidades brasileiras nos EUA. Disponível em: https://brzinsurance.com/pt-br/comunidades-brasileiras-nos-eua/
[3] Brazilians in Massachussets. A quantidade de brasileiros vivendo em Boston, Massachusetts, varia conforme diferentes fontes. Uma fonte sugere que em Massachusetts, o qual possui a segunda maior população brasileira nos Estados Unidos, há aproximadamente 84.214 brasileiros, sendo Boston a cidade com a maior concentração desses imigrantes no estado. Framingham, Everett, Lowell e Marlborough também têm um número significativo de imigrantes brasileiros. Disponível em:  https://live959.com/brazilians-immigration-massachusetts/
Latinos in Massachusetts: Brazilians. Por outro lado, outras fontes indicam que a população brasileira em Massachusetts era estimada em cerca de 350.000 pela Embaixada do Brasil em Boston em 2015, mas dados do American Community Survey (ACS) de 2017 estimam aproximadamente 109.786 brasileiros no estado. Essa diferença pode ser devida ao fato de muitos brasileiros terem um status legal precário nos Estados Unidos, o que pode levar a uma subestimação da população brasileira nas pesquisas oficiais. 
Disponível em: https://www.immigrationresearch.org/node/3003
[4] The 30 Most Visited Countries in the World (in 2023). Disponível em:
 https://onestep4ward.com/most-visited-countries-in-the-world
[5] Tourism in Brazil enjoys record-breaking August. Disponível em: https://bric-group.com/article/tourism-in-brazil-enjoys-record-breaking-august
[6] 52 Places to Go in 2023. Disponível em: https://www.nytimes.com/interactive/2023/travel/52-places-travel-2023.html.  Ou em português: Cidade brasileira entra na lista dos melhores destinos turísticos de 2024.  Disponível em: https://www.melhoresdestinos.com.br/lista-nyt-melhores-destinos-turisticos-2024.html
[7] Best Places to Travel in 2024. Disponível em:  https://www.lonelyplanet.com/best-in-travel

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Quando é que a Venezuela vai invadir a Guiana ?

O presidente “vitalício” da Venezuela, Nicolás Maduro, patrocinou no domingo, 3 de dezembro de 2023, um referendo para a população se posicionar sobre o seu desejo de anexar 74% do território da vizinha República da Guiana.

Mas por que Maduro quer tomar um pedaço tão grande da Guiana? A resposta está aqui: em 2015 a empresa petrolífera americana ExxonMobil descobriu petróleo na Guiana; uma jazida estimada em 11 bilhões de barris. Em 2019 começou a exploração comercialmente. Essa exploração tem produzido resultados fantásticos na economia da Guiana.  Algo nunca visto antes. Persistindo a situação dos últimos anos, muito em breve, devido ao tamanho de sua população, o per capita dos guianenses atingirá o nível dos países ricos.

Segundo projeções do Banco Mundial o PIB da Guiana crescerá 29% este ano. De acordo com a mesma fonte, em 2020 o crescimento foi de 43,5%; 20,1% em 2021 e 63,4% em 2022.  Isso é um recorde mundial. Maduro tem ou não tem motivos para ter inveja e invadir o país vizinho?

Tem não. Se eu disse que esse é o motivo pelo qual Maduro quer tomar parte de Guiana, eu errei. Se ele disse que sim; ele mentiu. Do resultado econômico ele deve estar morrendo de inveja sim, mas da descoberta de petróleo, não. De repente até pode estar. É mais um concorrente (bem-sucedido) para disputar o mercado com ele.

A Venezuela tem a maior reserva de petróleo do mundo: 300 bilhões de barris. Ela tem mais de 18% da reserva mundial. O que a Venezuela não tem é produção, comprador e juízo. Ela obteve o seu recorde de produção em dezembro de 1997, quando produziu 3,453 milhões barris por dia e o seu nível mais baixo foi em julho de 2020, quando sua produção diária foi de 392 mil barris. A produção em outubro 2023 foi de 762 barris diários. Para efeito de comparação, o Brasil, com uma reserva de pouco mais de 14 bilhões, é o sexto maior produtor do mundo, tendo batido o seu recorde em junho deste ano quando produziu 4,32 milhões de óleo e gás natural equivalente por dia. A Venezuela em outubro de 2023 foi o décimo nono maior produtor do mundo. Essa queda na produção dá-se,  segundo as boas línguas, devido ao boicote americano que começou em janeiro de 2019, no governo de Donald Trump; quando o político da oposição Juan Guaidó se autoproclamou presidente do país, dando início a uma crise política. Em agosto daquele ano as sanções aumentaram, com a possível  punição as empresas que negociassem com a estatal petrolífera venezuelana, PDVSA, Petróleo de Venezuela S.A. Para evitar problemas com americanos, até chineses e indianos procuraram outras fontes de petróleo cru.

No governo de Joe Biden as sanções contra a Venezuela foram praticamente levantadas. “As exportações da Venezuela aos EUA no primeiro semestre de 2023 cresceram 555% em comparação com o mesmo período de 2022... Durante os seis primeiros meses do ano, as vendas da Venezuela aos EUA alcançaram o total de 1,396 bilhão de dólares e cerca de 1,2 bilhão foram exportações petroleiras. Já no mesmo período de 2022, a cifra havia sido de 213 milhões de dólares. [1]

 

Nicolás Maduro comemorando o resultado do referendo

Sobre a consulta popular  o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, disse neste domingo (3/12) que o referendo que está sendo realizado na Venezuela sobre a região conhecida como Essequibo, na divisa entre a Venezuela e a Guiana,‘obviamente vai dar ao Maduro o que ele quer’[2].

A profecia de Lula se confirmou. Segundo Maduro, 95% eleitores deram-lhe o que ele queria. O que afirmo, o Lula e torcida do Flamengo já sabiam: o referendo foi realizado  para Maduro receber apoio da população a sua pessoa. Mais do que querer realmente anexar o território vizinho, Maduro quer criar uma situação. Quer se tornar, no mínimo até o dia da eleição, o líder de uma grande causa nacional.

Nós e a torcida do Corinthians sabemos que ano que vem o Maduro vai concorrer a uma eleição muito difícil, caso ele não consiga “dentro da lei” impedir que tenha adversários. Primeiro, porque, com tantos países e organizações querendo observar de perto o pleito venezuelano, esta será, possivelmente, a eleição mais honesta que ele participa. Ele precisa criar um motivo de união nacional em torno si. Nestes dez anos, o maior feito do seu governo foi o êxodo de milhões de venezuelanos, que se espalharam pela América do Sul, principalmente, e por outros países.

O que Maduro usa como meio para obter o que deseja é a reivindicação para a Venezuela da área conhecida como Essequibo ou Guiana Essequiba. Essa questão é mais de um século antiga e já estava pacificada. Semana passada a Corte Internacional de Justiça, órgão judiciário da ONU, em Haia, na Holanda, decidiu  que a Venezuela não pode tomar medidas para anexar o território pretendido. Sobre isso a decisão existente, Lula falou: “Ele não acata um acordo que o Brasil já acatou. Não só a decisão de 1887 como a de 1965 — em que houve um acordo que o Brasil aceitou. E eles agora estão dizendo que não aceitam. Vamos ver no que vai dar.”[3]

Se o mais importante apoiador do presidente venezuelano na região diz isso, Maduro pode ficar falando sozinho.

Maduro não reconheceu a decisão e resolveu fazer o seu referendo que consta com cinco perguntas:

 1. Você concorda em rejeitar, por todos os meios, conforme a lei, a linha imposta de forma fraudulenta pela sentença arbitral de Paris de 1899, que visa nos privar de nossa Guiana Essequiba?

2. Você apoia o Acordo de Genebra de 1966 como o único instrumento jurídico válido para alcançar uma solução prática e satisfatória para a Venezuela e a Guiana em relação à controvérsia sobre o território da Guiana Essequiba?

3. Você concorda com a posição histórica da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça para resolver a controvérsia territorial sobre a Guiana Essequiba?

4. Você concorda em se opor, por todos os meios, conforme a lei, à reivindicação da Guiana de dispor unilateralmente de um mar pendente de delimitação, ilegal e em violação do direito internacional?

5. Você concorda com a criação do Estado Guiana Essequiba e com o desenvolvimento de um plano acelerado de atenção integral à população atual e futura desse território, que inclua, entre outros, a concessão de cidadania e carteira de identidade venezuelana, conforme o Acordo de Genebra e o Direito Internacional, incorporando consequentemente esse Estado no mapa do território venezuelano? 

Plano acelerado de atenção integral à população atual e futura desse território...” É ótimo! Fala sério. Isso parece piada. A Venezuela não tem onde cair morta; vai ter condições de fazer um plano acelerado para desenvolver uma região? Tudo  isso só é possível no papel, porque tudo isso é fake. Foi feito para venezuelano ver.

Essas perguntas lembraram-me as perguntas que recebia do cartão de crédito Credicad quando aparecia na fatura uma compra por mim contestada e não realizada. Todas as perguntas levam a seguinte situação: “Comprei e  desisti da comprar”. Nenhuma pergunta levava a denunciar a fraude.

A vontade de Maduro era acrescentar mais essa pergunta: Você concorda que não tenha eleição presidencial e eu fique, no mínimo, mais dez anos no poder?


Venezuelanos caminhando para a Colômbia

A Venezuela tinha tudo para ter um dos maiores PIB da América do Sul. O problema é que sempre (vários governos, esquerda e direita) viveu da importação de produtos e do bem-estar que os seus petrodólares lhe proporcionava. Importava muito supérfluos e nunca se esforçou em construir indústrias que fortalecessem a sua economia. Com o agravante que a PDVSA ser um saco sem fundo, onde os diversos governos venezuelanos meteram a mão. Há décadas é uma das estatais mais corruptas do mundo. Isso vem bem antes de Maduro e continua até hoje.[4] Descapitalizada, altamente endividada, não tem condições financeiras para fazer o investimento necessário para aumentar a produção e repor maquinário obsoleto. A Venezuela não necessita do petróleo achado na Guiana. Isso ela tem muito. Ela precisa é de dinheiro para investir.


Mapa da  Venezuela expandida com a região de Essequibo adicionada. 

O resultado do referendo foi o que Nicolás Maduro esperava. O interessante é que, em toda parte do mundo, esse tipo de plebiscito é feito pelo povo de uma região que vota se quer ou não ser anexada por outro país. Seguindo o modelo venezuelano, proponho fazermos, no Brasil, uma consulta popular se anexamos ou não o Uruguai. Ele se separou do Brasil em 1825. Vamos pegar de volta o que era nosso.

Considerando o resultado e a quinta pergunta do referendo, as guianenses que vivem na região já podem tirar a carteira de identidade, pedir passaporte e cidadania venezuelana?

Para tomar posse da região, Maduro  terá de invadir a Guiana. Nisso pode estar o maior vexame que ele vai passar. Ele tem condições de invadir a selva de Essequibo ? O Brasil mandou tropas adicionais para a região brasileira, onde a Venezuela, para contornar a selva, teria de passar.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, pediu ajuda aos Estados Unidos e recebeu como resposta a presença de generais americanos da 1ª Brigada de Assistência às Forças de Segurança. Estes reuniram-se com autoridades da Força de Defesa da Guiana (GDF) na segunda-feira, 27, e terça-feira, 28 de novembro. A embaixada americana divulgou a seguinte nota:

“As forças de defesa dos EUA e da Guiana discutiram os próximos compromissos para incluir sessões e processos de planejamento estratégico para melhorar a prontidão militar e as capacidades de ambos os países para responder às ameaças à segurança.”[5]

Glossário: “Prontidão militar” : como na Ucrânia, se necessário for, vocês entram com soldados e nós com os equipamentos. “Melhorar Capacidade” : vamos treinar os vossos soldados para saberem usar os nossos equipamentos.

No dia do referendo o presidente da Guiana disse ao seu povo: “Não há nada a temer[6] e que já recebeu apoio dos Estados Unidos, Canadá e França.

Agora vamos ter de esperar para ver o que Maduro vai fazer. A vez é dele. Creio que blefou. Faz ameaças que não pode cumprir. Vai passar um grande vexame se realmente for pelo caminho de um confronto militar.

A única coisa verdadeira nesse ato de Maduro é a inveja do sucesso econômico da Guiana. Ele um incompetente a toda prova. O real objetivo é criar um nacionalismo tendo-o como o líder. O referendo domingo foi uma festa, com direito a jaqueta colorida, para levantar o moral dos venezuelanos. Foi um golpe de mestre. Se a oposição se posicionar contra a expansão do território nacional, serão vistos como opositores, não de Maduro, mas do povo e do próprio país.

O que Nicolás Maduro vai fazer é cozinhar essa “invasão” em banho-maria até a eleição. Vai usar a situação para criar um ufanismo nacional causado pelo aumento “virtual” do território  venezuelano. Em breve nos livros de geografia e história da Venezuela constará o aumento territorial. “Viva a Venezuela! Nicolás Maduro é o cara !”

Variação do PIB no governo de Nicolás Maduro. Um desastre.

Esse assunto deverá ser notícia constante todos os dias nos próximos meses. Mas quando é que a Venezuela vai invadir a Guiana ? Resposta: Dia de São Nunca logo ao amanhecer. Desta vez Maduro estará sozinho. Não poderá contar, como em março e junho de 2019, com os aviões militares e soldados de Putin para impressionar possíveis adversários. No momento Putin não tem tempo, nem aviões sobrando para essas coisas. 

Na realidade, eu não apostaria metade da minhas fichas que não tem o dedo de Putin por trás disso. O timing desses atos está meio suspeito.A guerra Israel-Hamas obrigou aos americanos a desfocarem um pouco da guerra na Europa. Políticos republicanos começam a pensar em não mais liberar recursos para ajudar a Ucrânia. Um envolvimento dos Estados Unidos em uma possível defesa da Guiana pode encontrar resistência interna. Obviamente, como disse no post " Israel está preparado para conviver com um Estado Palestino? " abaixo, eu não sou o único a perceber que as forças americanas não são onipresentes. 

Maduro está fazendo uma aposta muito alta. Seja como for, a vez de jogar é dele. Vamos esperar para ver. Acredito que quanto a uma invasão da Guiana é uma bravata. Se for reeleito vai partir para o diálogo. Já teria alcançado seu objetivo: devagar e sempre ser o presidente perpétuo da Venezuela. Quanto guerra ele está blefando.


  Cláudio Nogueira

PS1. Em tempo: o êxodo venezuelano começou bem antes do boicote imposto pelo Trump. É óbvio que a redução na exportação de petróleo agravou mais ainda a situação da Venezuela. Mas esse boicote não foi a causa da enorme crise. Em 2016 a economia decresceu 18,6% e a inflação atingiu 800% ao ano. “De acordo com as Nações Unidas, mais de 2,3 milhões de venezuelanos deixaram seu país desde 2014 [Maduro assumiu em 2013] , além de muitos outros que deixaram o país, mas cujos casos não foram registrados pelas autoridades.Carta da Human Rights Watch sobre a crise migratória Venezuela em 4 de setembro de 2018. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/report/2018/09/03/322039

Segundo a ONU, março de 2023, mais de 7 milhões de pessoas deixaram a Venezuela. ONU News. Disponível em:
https://news.un.org/pt/story/2023/03/1811472#:~:text=At%C3%A9%20o%20momento%2C%20mais%20de,deixaram%20ou%20fugiram%20do%20pa%C3%ADs.

PS2. Três dias após a referendo e dois após a publicação desse post: Maduro divulga novo mapa da Venezuela com parte da Guiana. Disponível em: https://www.poder360.com.br/internacional/maduro-divulga-novo-mapa-da-venezuela-com-parte-da-guiana/

PS3. É ou não é para deixar o Maduro com inveja ?




[1] Puxado pelo petróleo, comércio entre Venezuela e EUA cresce 555% no 1º semestre. Disponível em: Brasil de Fato: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/14/puxado-pelo-petroleo-comercio-entre-venezuela-e-eua-cresce-555-no-1-semestre

 [2] Lula sobre tensão Venezuela-Guiana: “Referendo obviamente vai dar ao Maduro o que ele quer.” Disponível em BBC News Brasil : https://www.bbc.com/portuguese/articles/c102yqg55meo

[3] Idem.

[4]  O que se sabe sobre a investigação de corrupção na estatal petroleira da Venezuela. Disponível em Brasil de Fato: https://www.brasildefato.com.br/2023/03/22/o-que-se-sabe-sobre-a-investigacao-de-corrupcao-na-estatal-petroleira-da-venezuela

[5] Militares dos EUA e da Guiana estreitam parceria em momento tenso: “O Comando Sul pretende estabelecer uma base militar no território contestado". Disponível em: Revista Sociedade Militar:  https://www.sociedademilitar.com.br/2023/12/militares-dos-eua-e-da-guiana-estreitam-parceria-em-momento-tenso-o-comando-sul-pretende-estabelecer-uma-base-militar-no-territorio-contestado.html

[6] 'Não há o que temer', diz presidente da Guiana sobre referendo na Venezuela. Disponível em: UOL: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2023/12/03/nao-ha-o-que-temer-diz-presidente-da-guiana-sobre-referendo-na-venezuela.htm

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Israel está preparado para conviver com um Estado Palestino?

A história tem contradições interessantes. Alemanha e Japão foram os dois maiores perdedores da Segunda Guerra Mundial. O Japão foi por muitos anos o segundo país mais rico do mundo e a Alemanha o terceiro, e o mais rico da Europa. Situação melhor do que a da Inglaterra e a da França, que ganharam a guerra. Alemães e japoneses fizeram as suas partes, mas isso só foi possível devido aos bilhões de dólares investidos na reconstrução da Europa por meio do Plano Marshall  e a ajuda econômica dos Estados Unidos ao Japão. País que dezenove anos depois de ter recebidos duas bombas atômicas sediou as Olímpiadas de Tóquio.

Alguém tem dúvida que a Rússia vai ganhar a guerra contra a Ucrânia? Se tudo continuar como está há mais de um ano e meio, a Ucrânia vai perder um quinto do seu território. Aí eu peço ao leitor que aguarde e guarde esse texto por vinte anos. O que vai acontecer com a Ucrânia? Vai se tornar uma grande nação.  
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen,já fala em uma espécie de Plano Marshall para recuperar a Ucrânia, antes mesmo do fim da guerra. Se a Ucrânia perder vinte por cento do seu território, ainda será maior que a Alemanha.
Faixa de Gaza

Mas vou deixar para escrever sobre isso em outra ocasião. No momento quero escrever sobre a recuperação da Palestina após o fim do genocídio cometido por Israel e o Hamas. O leitor já percebeu que quero associar a Palestina aos derrotados que se reinventaram.

E a pergunta que não quer calar é: está Israel preparado para ter a vizinha Palestina como um país ? Quais a consequências disto para os judeus ?

Que a morte de milhares de crianças não tenha sido em vão. Que Israel consiga eliminar o Hamas da face da Terra, como conseguiu destruir tantos lares e vidas inocentes com a cumplicidade do próprio Hamas.

Para a Palestina se tornar uma nação, os terroristas não podem ter qualquer poder sobre os palestinos.  Eles existem única e exclusivamente para eliminar Israel. São movidos pelo ódio e não pelo desejo de criar o seu próprio país. Se não forem capturados, que desapareçam como organização. Mas a forma que Netanyahu optou para fazer isso, essa desgraça que está ocorrendo na Palestina, fez a Europa, os Estados Unidos, os países árabes e a ONU  decretarem: tem de haver dois países. E já se mostraram dispostos a ajudarem a implantarem esse projeto.

Mas Israel está preparado para isso ? E por que não estaria ? Antes de responder essa pergunta, gostaria de fazer algumas considerações dessa guerra Israel-Hamas contra o povo palestino.

Essa guerra evidenciou algumas coisas que não se achava provável que acontecesse. Primeiro que o todo poderoso Mossad, não é tão poderoso assim. Tido como um dos serviços secretos mais competentes do mundo, não previu os ataques terroristas de 7 de outubro. Descobriu pela forma mais dolorida que os palestinos sabem guardar segredo. Segundo - isso deve ter assustado bastante - a época que Israel acabava em 24 horas os ataques do Hamas, do Hezbollah e do Fatah, é passado. Em mais de 50 dias de bombardeios, muita destruição e desgraça, Israel ainda não conseguiu dizer: “Acabou ! O Hamas está dizimado. Libertamos os reféns”. O Hamas ainda hoje consegue jogar umas bombas em Israel.

Logo no início desse conflito o presidente Joe Biden - mais para demonstrar apoio político, para agradar políticos e o público interno de origem judaica, em ano de eleição, e menos para frear possíveis países árabes mais afoitos - mandou um porta-aviões para a região. O envio do segundo porta-aviões teve motivações diferentes, reais e concretas. Biden levou em consideração os seguintes fatores:

- A crueldade da reação de Israel com bombardeios que mataram milhares de civis, o impedimento da ajuda humanitária e a destruição de hospitais fizeram o mundo esquecer um pouco a selvageria do Hamas no dia 7 de outubro e a focar no que Israel estava fazendo. Isso provocou indignação e manifestações em todo mundo. Até mesmo entre judeus;

- Crescente reclamações no mundo árabe. A rainha da Jordânia, Rania Al Abdullah, se posicionou contra o massacre na Faixa de Gaza. Isso poderia ser o início de protestos de outras autoridades na região. A paciência dos 22 países árabes poderia acabar e o Irã poderia somar forças contra Israel;

- Segundo um analista da CNN, o Hamas tinha “somente” 18 mil mísseis, mas Hezbollah, um inimigo em potencial, tem 180 mil mísseis. Se a CNN sabe disso, o presidente americano também sabe;

- A Turquia também condenou a situação. Ela tem o maior exército da Europa, e devido a sua localização e poder, segundo a revista Foreign Affairs, americanos e russos não a querem como inimiga;

- Considerando, também, que Israel não conseguiu ainda conter o Hamas lutando sozinho, o envio de segundo porta-avião, para desestimular qualquer agressão contra Israel era necessário. Uma guerra com  países árabes para defender Israel obrigaria os Estados Unidos a guerrear contra aliados. 

Como bom católico, Joe Biden deve estar rezando para todos os santos, pedindo para essa guerra acabar. .

Judeus protestando contra Israel na Grand Station em NY.

Eu o vi no programa “60 Minutos” da CBS, dizendo que se a China invadisse Taiwan, os Estados Unidos iria defendê-la. E depois do início do conflito no Oriente Médio, a China andou passeando com seus navios e aviões em volta da ilha. É provável que o encontro recente com o líder chinês, Xi Jinping, tenha sido movido pela necessidade para aliviar as tensões entre os dois países. O presidente Biden aprendeu no catecismo que somente Deus é onipresente. É muito difícil está na Ucrânia, no Oriente Médio e em Taiwan ao mesmo tempo.                                                                                        Por isso os Estados Unidos têm interesse de acabar esse conflito o mais breve possível. Por esse motivo o Secretário de Estado, Antony Blinken está indo à região pela terceira vezes em menos de um mês, para segurar os árabes e pedir a Netanyahu: “Pelo amor de Deus deixa a ajuda humanitária entrar na Faixa de Gaza. Para de matar gente inocente. Termina logo com isso e não complica mais a nossa situação. Temos também a guerra na Ucrânia.”

Para acalmar os árabes, Biden defendeu, ao término do conflito, a existência de duas nações. Será que o primeiro-ministro de Israel gostou disso? Israel está preparado para isso?

Após a criação do estado de Israel em 1948, a cidade de Jerusalém foi dividida em duas partes. O lado oriental foi entregue aos palestinos; mas Israel domina toda a cidade desde 1967. A sua parte e a deles. Sendo por isso condenado pelas resoluções 252, 446, 452 e 465 das Nações Unidas; além de contrariar a Quarta Convenção de Genebra, que compõe o núcleo do Direito Internacional Humanitário, o ramo do Direito Internacional que regula a condução dos conflitos armados, buscando limitar seus efeitos.

Israel construiu milhares de kibutz dentro da Cisjordânia. Bem dentro do território palestino. Nesses assentamentos vivem cerca de 400 mil israelitas.

Declarado o estado Palestino, Israel vão devolver a parte de Jerusalém que anexaram ? Eles vão sair das terras invadidas no território palestino? Será que Israel está gostando dessa conversa de duas nações ?

A população da Palestina é, somando-se a da Faixa de Gaza e a da Cisjordânia, um pouco mais de 4 milhões e 900 mil. Segundo algumas fontes, 64% desse povo tem menos de 24 anos. Ou seja, é um povo em processo de multiplicação. Sessenta e quatro por cento é cerca de 3,136 milhões. Se consideramos que 60% seja mulheres e crianças, e o restante homens, temos 1 milhão e 254 mil homens, com potencial de formar um exército regular, ajudado e treinado por outros países árabes ou pelo Irã. Esse número cresce muito se considerarmos que os homens com mais 24 anos também estão aptos a servir as Forças Armadas. Será que Netanyahu está gostando dessa estória de duas nações ?

Creio que teremos de esperar para ver. Acredito que mais uma vez vamos perguntar quem ganhou e quem perdeu a guerra. Quanto a Ucrânia, eu passaria um muro separando o seu território da parte perdida; e desejaria felicidade a aqueles que decidiram ser anexados pela Rússia.

Essa guerra é a guerra da independência da Palestina. Que o sangue dos inocentes  traga a liberdade e livre-a de grupos radicais que há 75 anos não permitem a criação de um estado palestino para não admitirem a existência de Israel. Que seja realmente livre. Há 56 anos vivem sobre o domínio de Israel, na “maior prisão a céu aberto do mundo”.

É possível judeus e árabes viverem em paz ? A resposta é sim. Eles são irmãos. Ambos são filhos de Abraão. Eles conviviam em paz, juntos e misturados até 1948.

Que essa trégua seja o início do fim desta guerra. Rezemos, ao mesmo Deus de ambos os povos, pela paz na Palestina.

 


PS1. Em 15 de novembro de 2023 a organização Voz Judaica pela Paz (Jewish Voice for Peace) fez um protesto pró-Palestina na Grand Central Station em Nova York. 

“Ceasefire now!” Jews shut down Grand Central Station. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=u2Y0C6A4Cdc

“Milhares de Judeus nos EUA Protestam em NY contra Israel”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7R4Fh4dTZ2o

 

PS2. Um dia após eu ter publicado esse post, o New York Times diz que Israel soube dos planos de ataque do Hamas há mais de um ano. Disponível em "Israel Knew Hama's Attack Plan More Than a Year Ago" https://www.nytimes.com/2023/11/30/world/middleeast/israel-hamas-attack-intelligence.html


PS3. Israel está esticando a corda. Recep Tayyip Erdoğan, presidente da Turquia disse que  Benjamin Netanyahu será julgado como criminoso de guerra (04.12.23). Mas ficou irritado mesmo quando soube que Israel disse que iria caçar o Hamas dentro da Turquia. "Turquia diz que Israel sofrerá 'consequências graves' após ameaças de caça ao Hamas em seu território."  Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/12/04/turquia-diz-que-israel-sofrera-consequencias-graves-apos-ameacas-de-caca-ao-hamas-em-seu-territorio.ghtml

 

PS4. O presidente Biden descobriu, em 12 de dezembro, o que já sabia há muito tempo: "O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não quer dois estados." Disponível em: 

 https://observador.pt/2023/12/12/joe-biden-avisa-que-israel-esta-a-perder-apoio-e-defende-que-netanyahu-tem-que-mudar-o-governo-conservador/