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quinta-feira, 5 de março de 2015

O Futuro da Zona Franca de Manaus

Entrevista concedida ao filósofo,jornalista,escritor e assessor da Confederação da Indústrias do Estado do Amazonas (CIEAM), Alfredo Lopes; e editor da coluna Follow Up do Jornal do Commércio, que publicou esse texto em 5 de fevereiro de 2015. 
Esse texto também pode ser encontrado na página da CIEAM : http://www.cieam.com.br/?n=2734

AL. As entidades do polo industrial acabam de inaugurar um acordo com a UEA, mediada pela FAPEAM, para achar caminhos conjuntos entre economia e academia. Que sugestões você daria a esses atores à luz do debate para os próximos 20, 30, 50 anos?

CN. É muito bom e salutar que entidades de classes, outros setores organizados da nossa sociedade e as nossas universidades estejam preocupados como futuro da Zona Franca de Manaus e com nosso parque industrial. Esse é um dever de casa que nós temos de fazer. Estejamos inquietos com o nosso futuro. Estejamos preocupados e busquemos traçar metas e objetivos a serem alcançados nas décadas futuras; mas cientes que as mudanças ou a bases para essas mudanças têm de começar agora. Quanto antes melhor. Considerando que a ZFM vai fazer 50 anos daqui a dois anos, estamos já com bastante atraso. Mas o tempo não volta; então, é trabalhar agora.
O nome do jogo chama-se interação. Nos últimos vinte anos sugiram várias teorias  - muitas já tiveram a sua aplicação comprovada - buscando o desenvolvimento regional por meio da inovação em várias áreas do conhecimento. Menciono aqui três: sistema regional de inovação, clusters industriais ou tecnológico baseado no conhecimento e hélice tríplice. Todas têm um axioma  em comum: a interação entre governo-academia-indústria é a pedra fundamental para o desenvolvimento regional provocado pela inovação
Sugestões para décadas futuras? Aumentar, intensificar essa interação na nossa região entre esses atores. Segundo alguns autores estrangeiros, no Brasil, aonde se chega mais perto dos padrões de interação existente nos países desenvolvidos ou na Índia, é a região de Campinas, SP.
A universidade não tem esse nome a toa. Ela tem de ter os cursos de filosofia, medicina, educação física, etc.; mas advogo - tendo o parque industrial que temos, tendo uma biodiversidade temos - que haja prioridades no ensino e na pesquisa. Defendo a produção do conhecimento direcionado, aplicado as necessidades atuais do PIM; e das futuras também.
Os exemplos de sucesso dos que fizeram essa opção são vários. Vou citar três países que não fazem parte do primeiro time, começando por Bangalore na Índia. Começaram como nós; por meio de um decreto em 1997 (trinta anos depois de nós). Lá eles oferecem isenções fiscais por apenas cinco anos, e uma eletricidade subsidiada. Foram criados institutos tecnológicos tão novos quanto a nossa UEA. Decidiram que 50% da produção tinha de ser exportada. Hoje tem mais de 2500 laboratórios de P&D das maiores empresas de IT e software do Mundo. Na Espanha a Universidade Autônoma da Catalunha está dentro do parque industrial de Barcelona, para garantir até a proximidade física. E a República da Irlanda, que teve uma diáspora de 200 mil pessoas na década de 80 (um percentual enorme para um país com menos 4 milhões habitantes), decidiu na década de 90 se reinventar. Entrou na terceiro milênio com um dos maiores PIB per capita do mundo.
Há outros exemplos como Finlândia e Cingapura, que em 40 anos se tornou um país riquíssimo. A interação governo-academia-indústria se alastrou por várias regiões no mundo.  Essa interação é um determinante tão forte, que uma pesquisadora americana da Universidade da California, Annalee Saxenian, provou, que devido a interação existente, o Vale do Silício, localizado naquele estado, era muito mais produtivo, rico e criativo, que a região em torno de Boston, onde estão localizados o MIT e a Universidade de Harvard,  as duas mais respeitadas universidade do mundo.
A interação gerou produção de conhecimento aplicado, pesquisa direcionada, inovação tecnológica, e o mais importante, o necessário para suprir tudo isso: os chamados trabalhadores do conhecimento. Ou a nova terminologia para mão de obra qualificadíssima.
Alfredo, conheces a história da indústria de semi-condutores que não veio para o PIM por falta de 40 PhD em eletrônica ?
Se nós importamos músicos do leste europeu para nossa filarmônica, sediada no Teatro Amazonas, por que não podemos importar doutores? Muitos deles disponíveis aqui mesmo no Brasil.

AL. Denis Minev tem apontado os sinais evidentes da desconstrução do polo industrial, citando algumas plantas industriais poderosas como Detroit.... Como você vê esse encolhimento da indústria no Brasil e no PIM muito intensamente. Quais as saídas?

CN.  Li o seu texto do Denis: “Preocupa-te Amazonas ou Um argumento sobre o triste destino reservado as sociedades industriais complacentes.” Lembro-me bem da primeira frase: “Esta exposição tem o objetivo principal de alarmar.”
É por aí. Cinquenta anos já se passaram, e se a ZFM acabasse hoje, o PIM continuaria existindo?  Não tentamos perenizá-lo sem os incentivos fiscais. É honesto lembrar que houve períodos que a economia nacional era um caos; mas a nossa estabilidade econômica já dura vinte anos.
As saídas? Sairmos de uma aglomeração industrial baseada na produção para um cluster industrial baseada no conhecimento.São conceitos diferentes? Bastante. No primeiro todos vivemos. Distrito industrial é um conceito marshaliano. Cluster industrial foi inicialmente definido por Michael Porter, professor de Harvard. O mais completo de todos é o Vale do Silício, que não precisa ser o nosso paradigma. Mas podemos nos servir de mecanismos usados por eles, e que foram usados com sucesso por economias do tamanho da nossa: forte interação entre governo-academia-indústria voltada para inovação tecnológica, gerando novos conhecimentos voltados para indústria eletrônica, farmacêutica, produtos regionais, etc. Direcionado para a nossa realidade e objetivos econômicos. Aqui tem um papel fundamental as incubadoras. Estimulando o empreendorismo caboclo, criando empresas endógenas.
Façamos benchmark, aprendamos os com os erros e acertos dos outros. Nossa fase de zona franca já passou; não obstante os incentivos fiscais tenham sidos prorrogados por 50 anos. Não sejamos ingratos, mas realistas. Creio que o teu leitor, pela qualidade que tem, já entendeu do que estamos falando. Não é cuspiu no prato, mas é como o Denis Minev disse. É melhor ficarmos alarmados do que conformados.
Como que os indianos conseguiram levar tantos laboratórios de P&D sem dar incentivos ad infinitum, em tão pouco tempo ? Temos que ir atrás de respostas como essas.
Saídas? O que estamos fazendo com o nosso potencial turístico, com a nossa biodiversidade?
A saída é os cabocos daqui debaterem as ameaças a perenização do PIM, os gargalos a serem superados, as opções que temos, e o futuro que queremos. Até rimou.


AL. O inferno são os outros... Invocamos Sartre para explicar fracassos. Os ingleses, Brasília e seus burocratas, a distância, o clima, a preguiça... O que está faltando para virarmos o jogo no placar da prosperidade geral!

CN. Essa resposta não é fácil para uma pessoa prolixa. Vou ficar te devendo uma resposta; embora ela esteja na ponta da língua. Mas não posso perder a oportunidade de dizer o que segue.
Baseado no que escrevi sobre o assunto no meu blog, posso imaginar que tipo de resposta você está esperando. A tua pergunta é como transformar ou modificar ou até mesmo revolucionar a estrutura do PIM, o modelo ou projeto ZFM. Eu gosto e insisto em dizer que primeiro nós temos de ter o modelo ou projeto que desejamos implantar. Se Brasília não tem, nós temos de ter. Mas, por favor, divulga isso: ter um modelo novo de nada adianta se a classe política, aqueles que estão com mandatos, não colocarem no sangue esses objetivos, e se conscientizarem que o futuro do PIM, do turismo e da exploração sustentável da nossa biodiversidade, nosso desenvolvimento não está assegurado tão somente com a prorrogação dos incentivos fiscais por mais cinquenta anos. Cinquenta se passaram e o modelo mudou muito pouco. Era para substituir as importações e, principalmente, ocupar a Amazônia. Mas nessas cinco décadas o mundo mudou muito. As vantagens comparativas advindas das isenções fiscais podem no futuro não ser suficientes. Elas devem dar lugar a vantagens competitivas, causadas pelas inovações tecnológicas, alta produtividade, gerando bens com maior valor agregado. Os políticos têm de colocarem esse novo modelo debaixo do braço, levá-lo para Brasília e pressionar o governo federal. Os interessados somos nós. A ZFM precisa de uma nova política industrial, e não apenas ser tocada com pequenas alterações. Ela precisa ser revolucionada, e já estamos atrasados nesse recomeço. Mas se a nossa classe política não lutar, ficaremos falando em vão. O Planalto tem de comprar esse plano, ou apresentar o dele, que sirva para ter um PIM competitivo, como se nós não tivéssemos a isenção fiscal. A participação política é fundamental, pois um aparato jurídico, uma possível mudança na legislação talvez seja necessária.

AL. Rodemarck Castelo Branco fala de Vale da Biodiversidade, inspirado no Silício. Como você vê essa utopia?

CN. Eu tive a honra de ser seu aluno no curso de economia da UFAM. Contudo, antes de prosseguir podemos perguntar o seguinte: A Embraer e a Petrobrás seriam utopias que deram certo? O  leitor já parou para pensar o que isso significa ? Nós temos uma empresa de aviões que é líder na sua categoria. Nós temos uma empresa petrolífera que é há muito tempo é uma das maiores do  mundo (essa fase atual vai passar), desde quando produzíamos  apenas alguns milhares de barris de petróleo por dia. Isso não é utopia não.
O sonho antecede a realização. O pai da Cingapura moderna, Lee Kuan Yew, sonhou, e foi atrás da realização. Tudo pode está resumido a uma decisão, uma firme decisão política. Temos uma indústria aeronáutica, temos uma indústria naval, mas não temos uma indústria automobilística. Decisão política.
Podemos sim ter um Vale da Biodiversidade aqui. Façamos pressão, mas tem de haver uma decisão política.
E aproveito para dar uma informação nesse sentido; com a intenção que essa utopia seja alcançada. Recentemente fiz uma pesquisa de um ano sobre a cidade de Gainesville, na Flórida; onde está localizado a Universidade da Florida. Junto com o pessoal do Center for Innovation and Economic Devolopment, do Santa Fe College  testemunhei o que está acontecendo lá. Eles simplesmente decidiram que querem se tornar um novo vale do silício. Eles e nós seríamos o casamento perfeito. Eles têm uma academia fortíssima, mas não tem indústrias. A movimentação nesse sentido é geral e total. Academia, centros de pesquisas, prefeitura e, principalmente, a câmara de comércio. O que ela faz é impressionante. Ficava me perguntando se aquilo era função de uma câmara de comércio. A lição que vem de lá, professor Rodemarck, é a união de toda uma sociedade e, principalmente, a criação de uma incubadora para empresas de biotecnologia. Algumas dos residentes que já “graduaram” e saíram da incubadora, já estão na Nasdaq. Transfira ela de lá para cá, um dos pilares mais importantes do seu, do nosso VdB estará implantado. É necessário milhões para fazer? Não. De jeito nenhum.  A Sid Martin Biotech Incubator, em 2014, foi escolhida como a melhor do mundo em sua categoria. Se decidirem visitá-la me chame. Fiz uma pesquisa profunda sobre ela.


1.      AL. UEA CIEAM FAPEAM E FIEAM iniciaram a discussão da viabilidade de um Parque Tecnológico de Produtos Regionais para a ZFM. Quais palpites você daria à iniciativa?

CN. Não é uma resposta fácil. Um planejamento macro do que se deseja realizar sem entrar a nível detalhes pode ser um início.  O nome está posto, quem o idealizou deve dizer o que tem em mente.
Convidar especialistas da UFAM, INPA, CBA, Embrapa, etc. e com ajuda deles relacionar que produtos regionais tem potencial comercial a curto e médio prazo. Em outras palavras, de que produtos estamos falando. Usar outras fontes também para se apreender os conhecimentos adquiridos pelos povos da floresta, as ervas e chás de efeito curativos. Criar uma incubadora, caso as existentes em Manaus não tenham entre seus objetivos incubar empresas com esse perfil.
Verificar as instituições nos três níveis de governo que possam apoiar essa ideia. Determinar as possíveis fontes de financiamento. Estudar a legislação sobre o assunto.
E em se tratando de um parque, determinar a sua localidade. A proximidade física é desejável, daí nasceram os distritos industriais; pois cria as externalidades econômicas positivas.
Convidar empresas âncoras, que já exploram produtos regionais em outras localidades, a se instalarem aqui. Se o empreendimento for exitoso, a concorrência virá em seguida.

A lista é grande, no momento eu relacionaria esses.

Cláudio Nogueira