Pesquisar este blog

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Trump e o Kim Jong-un

O mundo está conectado na TV para saber a que horas a guerra da Coreia do Norte contra os Estados Unidos vai começar. E como esse blogueiro de araque adora dar palpites, não vai perder essa oportunidade de comentar essa briga antes que ela comece de fato.

Quando acabou, em 1953, a guerra-não-acabada, que dividiu a Coreia em duas, uma comunista e outra capitalista, os Estados Unidos, com o pretexto de proteger a Coreia do Sul, chegaram a ter até 50 mil homens por aquelas bandas. 
Arrefecendo-se os ânimos com o fim da Guerra Fria, esse contingente diminuiu, mas continua lá. Mas o que o Uncle Sam queria mesmo era ficar o mais perto possível da União Soviética, o que lhe seria vantajoso no caso de uma guerra. 
Os soviéticos tentaram torna Cuba, devido à proximidade com os Estados Unidos, a Coreia do Sul deles. Mas todo mundo sabe o que aconteceu: Kennedy cercou a ilha, e os navios soviéticos voltaram para casa.
Como todo e qualquer ditador que explora o seu povo e vive na maior mordomia no poder, Kim II-Sung, avô de  Kim Jong-un, com medo de ser deposto e invadido pelo sul, e com a ajuda dos chineses começou a se armar. A Rússia tem culpa no cartório também. E muito.
China e Rússia não queriam de forma nenhuma que tropas americanas chegassem tão perto de suas fronteiras. E ainda não mudaram de ideia. A Coreia do Norte era barreira gigante e perfeita para impedir isso.
E ajudou o fato que os norte coreanos não esquecem que na guerra das Coreias: "Em apenas três anos de luta, os EUA realizaram bombardeios contínuos contra a Coreia do Norte, matando um quinto de sua população. O comandante das Forças Aliadas, o general americano Douglas MacArthur, sugeriu o uso de '30 a 50 bombas atômicas', o que, na época, foi muito drástico para o então presidente dos EUA, Harry S. Truman." 
Isso não dá para esquecer não. E mesmo com o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos nunca deixaram de fazer maneuver em conjunto com as tropas da Coreia do Sul.
Conhecem o ditado que ensina que não se deve ameaçar demais um covarde, de forma que o medo seja tanto, que ele vire corajoso?
Assim com ajuda financeira e tecnológica dos chineses e, segundo as boas línguas, como o maior fabricante de dólares falsos do mundo, distribuídos via cassinos de Macau, os nortes coreanos foram se armando. E com medo da reação chinesa, os americanos nada fizeram. Só ameaçavam com boicotes econômicos.
Tiveram tempos mais amenos. Nos anos 90 estima-se que cerca de 300 mil norte coreanos morreram vítimas de uma fome devastadora. Houve até ajuda humanitária coordenada  pela ONU. Ao invés de produzirem pão, estavam usando o dinheiro para produzir canhão. E isso se repete hoje. A ONG internacional “Ação contra a Fome” ajuda a Coreia do Norte com mais de dois bilhões de euros. É tudo que o Kim Jong-un quer. Sobrar mais dinheiro para construir bombas.
A guerra fria acabou. Os chineses viraram capitalistas, com uma ditadura de partido único; se tornaram o maior comprador de títulos do tesouro americano. Hoje a dívida americana com a China passa de 1 trilhão de dólares. Já foi maior: em 2013 era US$ 1,3 trilhão. Se fosse considerado Hong Kong esse valor subiria para US$ 1,44 trilhão. Quem é doido de querer briga com alguém que lhe deve tanto?
Todos se tornaram amigos. Os Estados Unidos
diminuíram o contingente na Coreia do Sul (mas não a um nível desejado pela população). Não havia mais necessidade de invadir a Rússia. 
A Coreia do Norte ficou meio desorientada. Chineses, americanos e russos se tornarem amigos não estavam nos seus planos. O fim da guerra fria causou medo a ela. Os chineses não a defenderiam em caso de um ataque vindo do sul. O que ela fez: decidiu se armar mais ainda. Para atacar o sul e os Estados Unidos? Nada disso. Para intimidar possíveis agressores. 
Aí o Porquinho, que tem diarreia toda vez que pensar que pode perder o poder e até mesmo a vida, resolveu se armar até os dentes. 
Amigos meus disseram que os Estados Unidos ainda não invadiram a Coreia do Norte com medo da reação da China. O que poderia iniciar uma guerra nuclear.
Uma guerra nuclear entre a China e os Estados Unidos não sobraria absolutamente ninguém. Então vocês acham mesmo que a China defenderia a Coreia (o que ela ganharia com isso?), e perder a prosperidade econômica que está desfrutando nos últimos vinte anos?

Há alguns dias a Coreia do Norte explodiu uma bomba de hidrogênio. O Trump falou, falou, falou, escreveu, escreveu, escreveu no twitter dele, e não fez nada. 
Chamou o Obama de frouxo. Mas Kim Jong-un lança um míssil atrás do outro e o Trump não faz nada. Só tuíta e ameaça. Depois morde e assopra. Está perdido. 
O homem mais poderoso do mundo descobriu que tem maluco que brinca de ser mais poderoso do que ele. Trump está de mãos amarradas. Por quê? Explico já. Não age, só reage.
E por que isso? Porque ainda lhe resta um pouco de juízo. Kim Jong-un continua lançando bombas-foguetes não porque deseje a guerra - pois ele sabe que se houver uma ele será o principal alvo - mas justamente para persuadir os Estados Unidos a não atacá-lo. Mas será que isso vai dar certo? Até quando essa corda vai ser esticada? Esse menino não tem mãe para dar umas palmadas nele ?
Na época da guerra fria dizia-se que os Estados Unidos poderiam acabar quatro ou cinco vezes com a União Soviética, e que essa poderia acabar uma vez com os Estados Unidos. Aqui é a mesma coisa.
Os Estados Unidos estão numa sinuca de bico. Trump disse que responderia com "fogo e fúria." Até parece nome de filme. Mas primeiro precisa ser atacado. Nunca foram tão humilhados. 
Kim Jong-un explodiu uma bomba de hidrogênio e os Estados Unidos tiveram que pedir ajudar da ONU. Mas Mr. Trump, o senhor não é um tough guy, um cabra macho ? O frouxo não era o Obama?
O little bad boy coreano é maluco, mas não é burro, nem suicida. Não vai atirar a primeira pedra. Entrementes, vai curtindo o seu passatempo predileto: ameaçar os Estados Unidos e produzir bombas voadoras. Observem que todas as vezes que aparece perto de uma bomba, ele está rindo.
As bombas voadoras de Kim Jong-un não atingem os Estados Unidos. Eles estão muitos longe territorialmente. Levariam certo tempo para chegar ao território americano. Elas seriam interceptadas por navios americanos e/ou pelas bases militares americanas na Europa. Ou por outra coisa que não conhecemos e que nunca fui usada. Mas elas seriam interceptadas se fossem lançadas sobre o Japão? E sobre Seul?
Recebi um vídeo, e coloco-o aqui, de exercícios militares americanos perto da fronteira das Coreias. Um amigo foi à loucura. Disse que em trinta segundos os Estados Unidos acabariam com a Coreia do Norte. Como dizem os americanos: Just like that? It is easier said than done. No vernáculo: falar é fácil. Se isso fosse possível já teriam feito. Só se ele jogar uma bomba atômica matando milhares de civis, como fez em Hiroshima e Nagasaki.
Vejam o vídeo. Artilharia assim os norte coreanos também têm. Eles têm bomba atômica, por que não teriam tanques assim? Esse é o problema. É a resposta porque os americanos estão de mãos amarradas. Seul, a capital do sul fica apenas 60 km da fronteira. Mísseis lançados do norte chegariam em segundos, matando imediatamente milhões de pessoas. Os Estados Unidos reageriam, mas aí a Inês, suas amigas e várias outras mulheres, homens e crianças já estariam mortos. Ele venceria essa guerra, mas muita gente no sul morreria. Então, ele não pode esperar se atacado. Teria de atacar primeiro.
A situação está complicada. Kim Jong-un com medo de ser atacado vai continuar mostrando o seu poderio militar, e os Estados Unidos cada vez ficam mais desmoralizados. Só na retórica. 
Situação jamais vista no mundo: o rato encurralando o leão. Não.  Peraí. Isso lembra a guerilha na guerra do Vietnam. Onde isso vai acabar? 

Relatório da CIA disponível na internet, sobre a Coreia do Norte, diz que: “O estoque de capital industrial [leia-se máquinas industriais] é quase irreparável como resultado de anos de subinvestimento, falta de peças sobressalentes e falta de manutenção. O gasto militar em larga escala e o desenvolvimento de seu programa de mísseis balísticos e nuclear derrubaram os recursos necessários para o investimento e o consumo civil. As fábricas industriais estagnaram anos níveis de produção pré-1990. Os problemas frequentes nas colheitas relacionados com o clima agravaram a escassez crônica de alimentos causada por problemas sistêmicos em curso, incluindo a falta de terras aráveis, práticas agrícolas coletivas, má qualidade do solo, fertilização insuficiente e falhas persistentes de tratores e combustível.” É grana que Kim Jong-un quer.
Para mim uma solução sem a guerra, passa por uma pressão séria dos chineses (que compram mais de 76% das exportações norte coreanas. O resto é quase todo vendido para o Irã) sobre o monstrinho que eles criaram, ou por alguns bilhões de dólares dados a Kim Jong-un pelos americanos, com a garantia de que poderá ser ditador pela resto da vida. Aí ele vai pensar em discutir a redução do seu arsenal nuclear.
Em caso de guerra, e como uma possível vitória americana, unido as Coreias, quem não vai querer esse arsenal atômico por perto são os chineses e russos. E a presença militar americana na península não terá mais sentido. 
Seja como for Trump nunca mais vai chamar Obama de frouxo.
Rezemos todos pela paz.

Um bom feriado a todos.

Cláudio Nogueira




PS1. Em 2018, Trump e Kim Jong-un encontraram, apertaram as mãos, e por hora então em paz. Minha teoria estava certa. O mal menino da Coreia do Sul pegou um puxão de orelha da China, sem a qual ele não é absolutamente nada. Primeiro deve ter ouvido os gritos pelo telefone; depois pegou um trem e foi a Pequim pedir desculpas e pegar o puxão de orelha pessoalmente.
Trump a muito vinha pressionando os chineses a darem uma prensa no líder coreano. Funcionou. Os chineses são muito pragmáticos. Eles tinham tudo a perde com uma guerra na península coreana.

PS2. "A misteriosa chegada de trem norte-coreano a Pequim e os rumores sobre a primeira viagem de Kim Jong-un ao exterior."
 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43553355


terça-feira, 5 de setembro de 2017

Louisiana State University: 5 de setembro de 1987

Para Maria Fernanda, João Paulo, Pedro Henrique e Maria Rafaela.

Num post anterior entitulado “Georgia Institute of Technology: 23 de junho de 1986” (click nele que ele abre), narrei como foi a minha aventura de ir para os Estados Unidos, pela primeira vez, para aprender inglês. 
Deixei o emprego na Gradiente (fui obrigado, quem leu o texto sabe porque) e fui embora. Quando voltei, fui trabalhar na VTA, uma pequena empresa que fazia os cabos elétricos para os aparelhos da Gradiente e as fitas de VHS como a marca Gradiente. 
Foi admitido como chefe de controle de qualidade e engenharia industrial, por indicação, do meu saudoso amigo e ex-chefe na Gradiente, Aldenir Alencar.

Agora aqui descrevo como foi essa segunda experiência, nove meses depois de voltar da primeira. Na realidade, só voltei porque o meu pai estava morrendo, e para juntar mais dinheiro.
Desta vez não fui mais para Georgia Institute of Technology, ou Georgia Tech,  pois encontrei uma escola com o mesmo preço, mas com sete horas de aulas de inglês por dia. Isso significava que até um cara como eu teria condições de aprender inglês.
Fui para Baton Rouge. Fui para Louisiana State University (LSU), lar dos Tigers.

ELOP
Diretor, Ricardo, Cláudios, Mila e Cristina
Há trinta anos, em 5 de setembro de 1987, após participar da festa de casamento de um irmão, embarquei num voo do Lloyd Aero Boliviano (LAB) com destino a Miami. Lá chegando, repeti o que tinha feito no ano anterior: me dirigi a estação da Greyhound para pegar um ônibus para Baton Rouge; viagem que durou um dia.
O ônibus parava mais do que jegue de verdureiro no interior do nordeste. O bilhete de passagem não era uma única folha, mais várias. Em Tallahassee, ainda na Flórida, tive de descer do ônibus. Ele seguiria viagem para o norte, e o meu destino era na direção oeste. Isso aconteceu mais duas vezes.
Eu, Érica, Mila e Cláudio
O curso era de doze semanas, com um de break  de uma, e iria até a primeira semana de dezembro.
Aqui a história do ano anterior se repete, mas com uma agradável diferença. Se em 1986 eu não tinha reserva de hotel, e fui atrás de um para ficar, e somente depois fui à administração do curso de inglês. Em Baton Rouge, do terminal da Greyhound, fui direto para o prédio do ELOP, English Language and  Orientation Program, o departamento da LSU que administra o Intensive English Program.   
Tem um pequeno detalhe nessa minha chegada. Toda primeira segunda-feira do mês de setembro é o Dia do Trabalho nos Estados Unidos. É o primeiro de maio deles. A universidade estava fechada. Mas por muita sorte tinha uma alma viva, creio que de plantão. Identifiquei-me como aluno do curso; descobri que era feriado. Disse que não tinha para onde ir. A moça fez uma ligação, falou com o diretor, e me alojou num apartamento da universidade. E poderia ficar lá por três dias free of charge até me mudar para um
Brasileiros no ELOP - material publictário
dormitório dentro do campus – para o qual eu já tinha reserva - na quinta-feira dia 10. Essa hospedagem, de certa forma, foi paga um mês depois. Estudavam no curso uns dez brasileiros (e uns trezentos salvadorenhos - depois explico isso melhor). E houve no Rio de Janeiro uma exposição de cursos de inglês nos Estados Unidos. O diretor (que estou fazendo de tudo para me lembrar do nome dele)  foi para essa exposição, e nos pediu para gravarmos, cada um, uma mensagem sobre o curso. Ele era uma pessoa muito simpática e, talvez porque sua secretária era brasileira, tinha certa ligação conosco. Nos convidou para almoçamos juntos uma vez.
Ele foi ao Rio de Janeiro divulgar o Intensive English Program da LSU. Quando voltou me disse que foi ao Maracanã  e sentiu medo quando ouviu as torcidas gritando. 
Amigos de El Salvador e Japão
E disse-me que um amigo padre o levou para visitar uma favela. Lá, disse ter entendido porque as ideias de esquerda eram bem recebidas na América Latina.
E sobre os salvadorenhos que entraram nesse texto como Pilatos no credo? 
Tinha um quantidade enorme de estudantes de El Salvador. Marta uma classmate me disse que havia um acordo do governo deles com a universidade. O fato de se ouvir muita gente falando espanhol pelos corredores deixava o diretor muito preocupado. Eu aproveitei para melhorar o meu. Como na Georgia Tech, ali também, pagava-se um idioma e se aprendia dois.

LSU
Embora em grande parte dos Estados Unidos LSU seja pronunciado “é lé si u”, na  Louisiana eles dizem: “é lé xi u”. Foi a primeira coisa que me chamou atenção. 
LSU, com a sua famosa torre e um gramado espetacular na frente dela, está localizada na cidade de Baton Rouge, nas margens do rio Mississipi, uma pequena cidade universitária, capital do Estado da Louisiana. Um local muito tranquilo para se viver, uma universidade muito bonita para se estudar. Com um adicional muito importante: fica perto de Nova Orleans, que na época era uma das cidades mais animadas/visitadas dos Estados Unidos. Famosa pelo ser o berço do jazz, das suas ruas alegres, cheias de turistas, como a Boubon Street, no famoso French Quarter, com sua arquitetura francesa, e pelo seu carnaval chamado de Mardi Gras. Que nada mais é de que “terça-feira gorda” em francês.
Nova Orleans
New Orleans com os seus bondes, que inspiraram Tennessee Williams a escrever "Um Bonde Chamado Desejo".
Então o local era perfeito. Os dias de semanas em Baton Rouge para estudar, e New Orleans no fim de semana para se divertir.
Em 1989, estive lá com a  Piedade, Thomaz e família; e anos depois com ele novamente e outros parentes. Nova Orleans era uma festa a céu aberto. Infelizmente, quando estivemos lá, em 2014, já não era mais assim. A cidade parece ter sofrido muito com o furacão Katrina, que lhe inundou parte em 2005. Aquele glamour e magia nas ruas já não existiam mais.
A vida em Baton Rouge se resumia ao campus universitário. Para mim era mais do que suficiente. Tinha tudo: lojas, igrejas de todas as denominações, ampla estrutura para se praticar esportes, o estádio para o campeonato de futebol americano, com capacidade para 102.321 pessoas e o ginásio para as partidas de basquete. O soccer, no final da tarde, com sol até às 20 horas, era perfeito.
O campus tinha mais de cinco mil alunos que moravam nele. Tinha vida própria. Havia os ônibus circulando somente dentro do campus. O interessante mesmo era algumas paradas. Havia aquelas que tinham a maior quantidade de loiras por metro quadrados do mundo. Eu não tinha nenhuma pressa para pegar o ônibus. Um brasileiro uma vez me disse: “Nunca vi tanta Xuxas juntas.”
Tigers cheerleaders
A vida ano campus era uma festa. Como a maioria das universidades americanas, LSU tinha o seu time de futebol e de basquete. Ambos chamam-se Tigers. Tinha até um tigre de verdade como mascote. Eu adorava assistir os jogos de basquete. Eu sentia como se tivesse entrado em um filme.

Começar de Novo
Eis que chegou o dia de se registrar no programa e entrar no dormitório. Mas na hora da matrícula encontro uns cinco ou seis jovens do Ceará; uns dez anos mais jovens que eu; mais uma senhora, Ana Teófilo, que era mãe de um deles, Cláudio Teófilo, e que também seria aluna do programa. Todos estariam acomodados em um complexo de apartamentos, administrado por uma cearense casada com um americano de ascendência chinesa.
Nem fui me registrar no dormitório, fui morar onde eles moravam; dividindo um apartamento com um dos jovens; o que tornava o aluguel ainda mais barato. Mas nosso convívio durou pouco mais de um mês. A diferença de idade e ideias pesaram, e um dia, por pura falta de comunicação - "quem fechou a porta e deixou o outro de fora ?" - nos desentendemos, e ele foi morar em outro apartamento. Mas isso não nos impediu de temos uma convivência saudável. Ana, creio que era o nome da landlord, se esforçava para agradar. Se satisfeitos, os cearenses ajudariam a trazer futuros hospedes.  Lembro-me dela e o marido fazendo um barbecue de frango na beira da piscina, que ficava no centro do complexo de apartamentos; e de nos levar para um festival em Lafayette, cidade distante pouco mais de uma hora de Baton Rouge.

Cajun
O Festival Internacional da Louisane de Lafayette
José Rubens e Ana Cristina a esquerda
é hoje o maior festival internacional de música dos Estados Unidos. Em 1987 era a sua segunda edição. São cinco dias de festa no centro de Lafayette, no mês de abril.
Esse festival é uma conexão entre a Acadia ou Cajun e o mundo francofone nos Estados Unidos. Cajun é pronuncia americanizada para (les) Cadiens ou (les) Acadiens, grupo étnico que vive principalmente no estado da Louisiana, composto pelos descendentes de exilados acadiano, francofones que vieram da L'Acadie, províncias da costa leste do Canadá. Hoje, os Cajuns constituem uma parcela significativa da população do sul da Louisiana e exercem um enorme impacto na cultura do estado. Nos estados da Louisiana e Texas vivem mais de um milhão e meio dos descendentes acadianos ou cajuns. A comida cajun servida no Festival é muito boa.
Para Lafayette fomos em dois carros. E devido a minha idade, coube-me a responsabilidade de ir dirigindo um deles.
Em tempo: Louisiana é uma homenagem a Louis XIV, rei da França. A região central dos Estados Unidos, desde o Canadá até a Louisiana foi comprada da França. 

Moving out
Com Mike e amigos.
Fiquei cerca de um mês juntos com os brasileiros, mas querendo praticar mais o inglês, fui em busca de um roommate nativo da língua. Achei um que não era americano, mas sua língua mãe era o inglês. Era de Gana, mas já morava há muito tempo nos Estados Unidos. Era estudante de doutorado em fisioterapia. Morava numa casa muito interessante. A fachada era uma casa normal, com uma porta larga ao centro, uma janela de cada lado da porta; e acima das portas, no segundo andar, duas janelas. Mas quando você passava pela porta, descobria que se tratava de quatro casas. Ao passar ela porta, já dentro do imóvel, tinha uma porta a direita e outra a esquerda dando acessos às duas casas. E a sua frente tinha uma escada, dando acesso a mais duas casas. Mike morava sozinho. A casa era bem ampla, com sala, cozinha e três quartos. Estava muito bem localizada. Bem perto tinha uma plaza, com lojas e um supermercado.
Mike e uma amiga
Ficamos muitos amigos. Era muito religioso. Foi a primeira pessoa a me falar das aparições de Nossa Senhora em Medjugorje. Jogamos futebol muitas vezes depois das aulas. Jogava muito bem. Tinha bons amigos e amigas que frequentavam a casa. Fazia bico de garçom num dos restaurantes da universidade; e sempre trazia uma torta doce de alguma coisa pra casa.
Havia uma coisa que me chamava atenção nele, e me deixava preocupado. Toda segunda-feira a noite era dia de futebol americano. Ele não pedia um jogo. Sentava-se na frente da TV com um vidro grande de manteiga de amendoim (yummy !!!) e um pacote inteiro de pão de forma, durante a partida devorava tudo; às vezes até um pouco mais. Fico pensando como anda o fígado dele hoje.

Na sala de aula
Barbara, a monitora do lab.
Para mim as aulas eram o maior barato. Fui para o nível cinco no total de seis. Mrs.Cordes, uma idosa senhora muito séria, era a professora de gramática, e autora do livro adotado; Mr. Soucier era o professor de pronuncia ou inglês falado. Havia também a professora de leitura e interpretação de texto, magérrima, cujo nome não recordo mais. Havia também aulas de conversação com jovens universitários e as aulas de laboratório com a Barbara, que deveria ter uns 20 anos no máximo. Os homens barbaravam por ela. Mas foi com Khaled - um arábe, mais feio que bater em mãe, cheio da grana – com quem ela ficou. Gosto é que nem umbigo; cada um tem o seu.
Também estudavam  inglês intensivo um casal de médicos brasileiros. Dois oftalmologistas, que nos tornamos amigos; cuja a casa eu frequentava.
Barbara e eu
Recordo-me com saudades deles. Estavam melhorando o inglês para passar uma temporada no Boston Children Hospital. Ana Cristina e José Rubens, que eu chamava de Zé das Medalhas, em referência a um personagem de Armando Bógus, na novela Roque Santeiro da Globo. Lembro-me ela dizendo que de olho ela sabia tudo, e fazia qualquer tipo de operação. Quando estavam em Boston recebi uma carta dela muito irritada porque a colocaram para operar coelhos. Por meio deles conheci Amanda, uma paraense casada com um americano e que já morava há muitos anos em Batom Rouge. Tivemos vários encontros na casa dela; inclusive a festa de Halloween, onde conheci outros brasileiros.

No jogo de basquete com José Rubens
e Ana Cristina.


Halloween na casa da Amanda

Amanda, de vermelho.
Voltando pra casa
Acabou o curso. E o dinheiro também. Pedi da minha mãe que transformasse em dólares um resto de poupança. O curso acabaria em 5 de dezembro e o dinheiro não chegava. A remessa não era tão fácil como é hoje. Os tempos eram outros. A comunicação mais cara. Finalmente, dia 3 de dezembro recebi uma carta postada nos Estados Unidos, vindo de uma congregação de padres. Fiquei surpreso: o que eles querem comigo? Como me acharam aqui? Ao abri-la, a surpresa e a alegria. Tinha um cheque de 600 dólares e um bilhete: "Sua mãe mandou pra você."
Ainda sim, como diria meu cunhado Cristiano Soares: a situação era tensa. Põe tensa nisso.
Os gastos seriam com aluguel, comida, passagem de ônibus até Miami - mais um dia de viagem - e bilhete de Miami para Manaus. Resumindo: quando embarquei no avião de volta pra casa, eu tinha 12 dólares no bolso.
De Baton Rouge eu liguei para o Lloyd Aero Boliviano para fazer a reserva. Não tinha internet. Eu disse que iria comprar a passagem na hora do check in. O sujeito me disse que a reserva poderia cair se comprasse depois do check in aberto. Expliquei a minha situação e pedir ao gerente que pelo amor de Deus segurasse a reserva. O dinheiro ficou tão curto que até para pegar um táxi do terminal de ônibus para o aeroporto de Miami, estive de pensar duas vezes.
Mas Deus é bom sempre. Deu(s) tudo certo. Voltei em paz. 
Isso era dezembro de 1987. Em 5 de abril de 1988, eu embarcava para mais uma aventura, dessa vez por dois anos, no Japão.

Tenham todos um bom feriado !


Cláudio Nogueira