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segunda-feira, 7 de março de 2016

Adeus Pe. Noé dos Bichos


Observação importante ! Leia até o final.

A boa notícia é que ele a essa hora já está no céu brincado com os bichos, caso lá também existam alguns. A notícia ruim é que o padre Vincent Aggler nos deixou.
A grande maioria do povo do Amazonas, onde ele trabalhou por 48 anos, não tem a menor ideia de quem se trata. Mas se eu disser que se trata do padre Noé, da Congregação do Santíssimo Redentor, que trabalhou por vários anos em Codajás, Coari, Manacapuru e Manaus, muito gente boa vai se lembrar dele. 
Era americano de ascendência alemã, que se tornou caboco nos beiradões do Amazonas e seus afluentes. Cara de gringo, estatura de caboco. No meio deles estava em casa. Com eles aprendeu: a língua, que falava muito bem; a amar a selva e conviver com bichos da região.
Porque era Noé e não Vicente não sei informar. Nem saberei, a menos que ele nos diga.  A última vez que o vi foi em março de 2014. Fui a Liguori, no estado de Missouri. Uma localidade que está no mapa sem existir. 
Liguori fica na cidade de St. Louis em Barnhart, uma cidade vinte minutos ao sul de St. Louis. Liguori está no mapa porque dentro dela, além da editora Liguori dos padres Redentorista, tem um posto dos Correios. 

Noé dos Bichos 

Padre Noé fazia jus ao nome. Tinha muita intimidade com os bichos; e os bichos tinham com ele. Vai ver que está aí a resposta para a escolha do nome. Talvez isso explique o uso da barba também: para se parecer com uma fígura bíblica; coisa rara entre os padres redentoristas que trabalharam na Amazônia. O único outro que lembro que deixou crescer qualquer coisa no rosto foi o padre Luis Donnell Kirchner. Há mais de trinta anos usava uma barbicha, que não ocasião eu achava um pouco esquisita. Mas isso é assunto para outro post que escreverei quando chegar a vez dele. Um padre de cada vez.
Outra paixão do padre Noé era tomar açaí. Era addicted, ou seja viciado. Nesse momento deve estar conversando sobre o assunto com o padre Domingos, igualmente viciado, que uma vez me confidenciou que gostava de usá-lo como molho na salada de alface.

Os Causos

Padre Noé, a meu pedido, me contou alguns causo que aconteceram com sua participação quando trabalhava no inferno verde. Poderia até  ser inferno para muita gente, mas não era para ele.
A primeira vez que fui chamado pra benzer um anjinho, pensei que coisa é essa...? Imaginava algo voando na igreja. Quando comecei a benzer o cadaverzinho, ele começou a se mexer, então eu batizei-o José, ou Maria, como fomos orientados em tais casos, quando ainda não tinha nome. 
E a primeira vez que fui chamado a visitar um doente, quando cheguei na casa dele já estavam amarrando o queixo.
Cheguei na Aparecida, na primeira semana de agosto em 1960,[mais precisamente, 30 de julho] ainda estavam rebocando a torre esquerda da igreja. O que mais me impressionou foi o andaime de varas do chão até o alto das torres. Não tinha mais bonde, mas havia os trilhos em vários lugares, até a capela de Santo de Afonso, em Flores; e mais adiante um pouquinho era o fim de Manaus.
Na casa paroquial, o recepcionista esqueço-me do nome dele, era um português idoso [Sanches] cuja filha ainda era organista em 2006 [Maria Amélia] quando saí do Brasil. Tinha um relógio que trouxe de Portugal. Mandou para concerto, e admirou-se que o concerto custou mais do que o preço original do relógio.
Quando os confrades de Coari, Codajás e Manacapuru chegava nos seus barcos durante a seca, atracavam na rua Xavier Mendonça,  e na cheia, no igarapé de São Raimundo. E sempre era uma luta pra não pagar os estivadores, tiravam mesmo uma licença pra isso.
Cheguei no tempo em que estava terminando "os pregadores de esquina". Não vi esse trabalho mas lembro-me dos homens que o faziam... Brígido Nogueira era um.
Passei seis meses em Manaus estudando português. Havia estudado português durante seis semanas nos EUA com um rapaz manaura antes de ir pro Brasil; o nome dele era Rômulo e tinha um irmão gêmeo chamado Remo.... os fundadores de Roma. Quando estava vindo para  cá ele me levou pro aeroporto e tomando um lanche, me disse: "Eis a sua última lição... está vendo o número da nossa garçonete? Cuidado com este número no Brasil... era 24.
Na primeira semana de Fevereiro de 1961 zarpei pra Codajás abordo duma aeronave PBY - Catalina, famoso avião da WWII [ abreviação em inglês para Segunda Guerra Mundial]. quando levantava voo na água, uma meia dúzia das cadeiras traseiras, via-se pelas janelas, ficavam submersas na água, e o passageiro se sentia como um peixe no aquário.
Um dia eu estava celebrando a missa... acho que era domingo... teu pai estava fazendo uma leitura. De repente eu o vi cair durinho como um mourão e bateu a cabeça em cheio no chão. Pensei comigo mesmo ele não se levantará de lá. Parece que foi o primeiro sinal do câncer.
Mais uma história... depois em Codajás. Era à tardinha vieram me levar pra ver um doente na beiradão. Acho que foi umas duas horas de viagem subindo o Solimões. Foi no tempo em que ainda era chamado de Extrema Unção... e ungia-se os 5 sentidos e os pés. Eu ungi os da cabeça e mãos, mas vendo que os pés do velhinho estavam cobertos não ia ungi-los... Mas de repente o velhinho começou mexer com os pés de tal modo que deu pra ungi-los. Depois perguntei aos presentes porque que ele descobriu os pés... perguntaram no ouvido do velho e escutaram pertinho a resposta dele: Ele disse que tinha sido um sacristão anos atrás no Ceará.”
Quase cinco décadas por essas bandas produziram muitas estórias vividas. padre Noé vai deixar saudades.

Conclusão 

Eu ando muito ocupado,  e nas horas livres vou adiantando alguns textos. Esse texto eu escrevi para ser publicado caso eu não esteja mais aqui quando chegar a hora de publicá-lo.
Eu havia prometido ao padre Noé faze-lhe uma homenagem após sua partida, como fiz para os padres William "Carlos" Steiner e John "Domingos" McCarthy. Cumpro a promessa antecipadamente.
A boa notícia é que ele ainda não morreu, está bem. Como direi ? Alugando saúde, lá no endereço mencionado acima, onde o encontrei pela última vez, no St. Clement Health Center; onde padres aposentados da Congregação Redentorista, nos Estados Unidos, vivem com toda assistência médica necessária. Local cheio de homens que deram suas vidas pelo Evangelho. 
Padres Kelvin e Noé.
Fui lá encontrá-lo, em março de 2014, e ao padre Luis “Don” Kichnner, que infelizmente não estava presente no momento. Fui visitar amigos pessoais e da família, como os padres  Ronald “Marcos”  Weninger, William “ Daniel” Nugent,  John “Dunga – Domingos”  McCarthy e muitos outros. Todos descansam na paz do Senhor, no “campo santo” localizado dentro da propriedade chamada Liguori. Lá, inesperadamente encontrei, trabalhando na casa, o padre Kelvin Fraher, que serviu também na Amazônia. Em 2015, padre Kelvin, sem aviso prévio, sem pedir autorização pra ninguém, partiu. Foi encontrado, possivelmente rezando, em uma cadeira, no sótão do casa.
Esse texto inacabado, porque falta acrescentar os dados bibliográficos dele, é para que padre Noé leia-o, revise-o e me diga se faltou alguma coisa. Quando chegar a data certa eu publico. Ou posso não estar mais aqui, aí a Fabiana publica.
Padre Noé,  reze por nós aqui na terra mesmo.

Uma abençoada Quaresma a todos.

Cláudio Nogueira


PS. Para reforçar o caixa estou fazendo homenagens de todos os tipos. Entrem em contato. Abaixo estão alguns exemplos.


Alyrio Lima, o Padre Construtor,

http://nogueiraclaudio.blogspot.com.br/2013/07/alyrio-lima-o-padre-construtor.html


O Anjo Dunga ou Americans are gone II 

http://nogueiraclaudio.blogspot.com.br/2011/02/o-anjo-dunga.html

A Deus Dr. Contente
http://nogueiraclaudio.blogspot.com.br/2010/04/deus-dr-contente.html