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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Quando é que a Venezuela vai invadir a Guiana ?

O presidente “vitalício” da Venezuela, Nicolás Maduro, patrocinou no domingo, 3 de dezembro de 2023, um referendo para a população se posicionar sobre o seu desejo de anexar 74% do território da vizinha República da Guiana.

Mas por que Maduro quer tomar um pedaço tão grande da Guiana? A resposta está aqui: em 2015 a empresa petrolífera americana ExxonMobil descobriu petróleo na Guiana; uma jazida estimada em 11 bilhões de barris. Em 2019 começou a exploração comercialmente. Essa exploração tem produzido resultados fantásticos na economia da Guiana.  Algo nunca visto antes. Persistindo a situação dos últimos anos, muito em breve, devido ao tamanho de sua população, o per capita dos guianenses atingirá o nível dos países ricos.

Segundo projeções do Banco Mundial o PIB da Guiana crescerá 29% este ano. De acordo com a mesma fonte, em 2020 o crescimento foi de 43,5%; 20,1% em 2021 e 63,4% em 2022.  Isso é um recorde mundial. Maduro tem ou não tem motivos para ter inveja e invadir o país vizinho?

Tem não. Se eu disse que esse é o motivo pelo qual Maduro quer tomar parte de Guiana, eu errei. Se ele disse que sim; ele mentiu. Do resultado econômico ele deve estar morrendo de inveja sim, mas da descoberta de petróleo, não. De repente até pode estar. É mais um concorrente (bem-sucedido) para disputar o mercado com ele.

A Venezuela tem a maior reserva de petróleo do mundo: 300 bilhões de barris. Ela tem mais de 18% da reserva mundial. O que a Venezuela não tem é produção, comprador e juízo. Ela obteve o seu recorde de produção em dezembro de 1997, quando produziu 3,453 milhões barris por dia e o seu nível mais baixo foi em julho de 2020, quando sua produção diária foi de 392 mil barris. A produção em outubro 2023 foi de 762 barris diários. Para efeito de comparação, o Brasil, com uma reserva de pouco mais de 14 bilhões, é o sexto maior produtor do mundo, tendo batido o seu recorde em junho deste ano quando produziu 4,32 milhões de óleo e gás natural equivalente por dia. A Venezuela em outubro de 2023 foi o décimo nono maior produtor do mundo. Essa queda na produção dá-se,  segundo as boas línguas, devido ao boicote americano que começou em janeiro de 2019, no governo de Donald Trump; quando o político da oposição Juan Guaidó se autoproclamou presidente do país, dando início a uma crise política. Em agosto daquele ano as sanções aumentaram, com a possível  punição as empresas que negociassem com a estatal petrolífera venezuelana, PDVSA, Petróleo de Venezuela S.A. Para evitar problemas com americanos, até chineses e indianos procuraram outras fontes de petróleo cru.

No governo de Joe Biden as sanções contra a Venezuela foram praticamente levantadas. “As exportações da Venezuela aos EUA no primeiro semestre de 2023 cresceram 555% em comparação com o mesmo período de 2022... Durante os seis primeiros meses do ano, as vendas da Venezuela aos EUA alcançaram o total de 1,396 bilhão de dólares e cerca de 1,2 bilhão foram exportações petroleiras. Já no mesmo período de 2022, a cifra havia sido de 213 milhões de dólares. [1]

 

Nicolás Maduro comemorando o resultado do referendo

Sobre a consulta popular  o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, disse neste domingo (3/12) que o referendo que está sendo realizado na Venezuela sobre a região conhecida como Essequibo, na divisa entre a Venezuela e a Guiana,‘obviamente vai dar ao Maduro o que ele quer’[2].

A profecia de Lula se confirmou. Segundo Maduro, 95% eleitores deram-lhe o que ele queria. O que afirmo, o Lula e torcida do Flamengo já sabiam: o referendo foi realizado  para Maduro receber apoio da população a sua pessoa. Mais do que querer realmente anexar o território vizinho, Maduro quer criar uma situação. Quer se tornar, no mínimo até o dia da eleição, o líder de uma grande causa nacional.

Nós e a torcida do Corinthians sabemos que ano que vem o Maduro vai concorrer a uma eleição muito difícil, caso ele não consiga “dentro da lei” impedir que tenha adversários. Primeiro, porque, com tantos países e organizações querendo observar de perto o pleito venezuelano, esta será, possivelmente, a eleição mais honesta que ele participa. Ele precisa criar um motivo de união nacional em torno si. Nestes dez anos, o maior feito do seu governo foi o êxodo de milhões de venezuelanos, que se espalharam pela América do Sul, principalmente, e por outros países.

O que Maduro usa como meio para obter o que deseja é a reivindicação para a Venezuela da área conhecida como Essequibo ou Guiana Essequiba. Essa questão é mais de um século antiga e já estava pacificada. Semana passada a Corte Internacional de Justiça, órgão judiciário da ONU, em Haia, na Holanda, decidiu  que a Venezuela não pode tomar medidas para anexar o território pretendido. Sobre isso a decisão existente, Lula falou: “Ele não acata um acordo que o Brasil já acatou. Não só a decisão de 1887 como a de 1965 — em que houve um acordo que o Brasil aceitou. E eles agora estão dizendo que não aceitam. Vamos ver no que vai dar.”[3]

Se o mais importante apoiador do presidente venezuelano na região diz isso, Maduro pode ficar falando sozinho.

Maduro não reconheceu a decisão e resolveu fazer o seu referendo que consta com cinco perguntas:

 1. Você concorda em rejeitar, por todos os meios, conforme a lei, a linha imposta de forma fraudulenta pela sentença arbitral de Paris de 1899, que visa nos privar de nossa Guiana Essequiba?

2. Você apoia o Acordo de Genebra de 1966 como o único instrumento jurídico válido para alcançar uma solução prática e satisfatória para a Venezuela e a Guiana em relação à controvérsia sobre o território da Guiana Essequiba?

3. Você concorda com a posição histórica da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça para resolver a controvérsia territorial sobre a Guiana Essequiba?

4. Você concorda em se opor, por todos os meios, conforme a lei, à reivindicação da Guiana de dispor unilateralmente de um mar pendente de delimitação, ilegal e em violação do direito internacional?

5. Você concorda com a criação do Estado Guiana Essequiba e com o desenvolvimento de um plano acelerado de atenção integral à população atual e futura desse território, que inclua, entre outros, a concessão de cidadania e carteira de identidade venezuelana, conforme o Acordo de Genebra e o Direito Internacional, incorporando consequentemente esse Estado no mapa do território venezuelano? 

Plano acelerado de atenção integral à população atual e futura desse território...” É ótimo! Fala sério. Isso parece piada. A Venezuela não tem onde cair morta; vai ter condições de fazer um plano acelerado para desenvolver uma região? Tudo  isso só é possível no papel, porque tudo isso é fake. Foi feito para venezuelano ver.

Essas perguntas lembraram-me as perguntas que recebia do cartão de crédito Credicad quando aparecia na fatura uma compra por mim contestada e não realizada. Todas as perguntas levam a seguinte situação: “Comprei e  desisti da comprar”. Nenhuma pergunta levava a denunciar a fraude.

A vontade de Maduro era acrescentar mais essa pergunta: Você concorda que não tenha eleição presidencial e eu fique, no mínimo, mais dez anos no poder?


Venezuelanos caminhando para a Colômbia

A Venezuela tinha tudo para ter um dos maiores PIB da América do Sul. O problema é que sempre (vários governos, esquerda e direita) viveu da importação de produtos e do bem-estar que os seus petrodólares lhe proporcionava. Importava muito supérfluos e nunca se esforçou em construir indústrias que fortalecessem a sua economia. Com o agravante que a PDVSA ser um saco sem fundo, onde os diversos governos venezuelanos meteram a mão. Há décadas é uma das estatais mais corruptas do mundo. Isso vem bem antes de Maduro e continua até hoje.[4] Descapitalizada, altamente endividada, não tem condições financeiras para fazer o investimento necessário para aumentar a produção e repor maquinário obsoleto. A Venezuela não necessita do petróleo achado na Guiana. Isso ela tem muito. Ela precisa é de dinheiro para investir.


Mapa da  Venezuela expandida com a região de Essequibo adicionada. 

O resultado do referendo foi o que Nicolás Maduro esperava. O interessante é que, em toda parte do mundo, esse tipo de plebiscito é feito pelo povo de uma região que vota se quer ou não ser anexada por outro país. Seguindo o modelo venezuelano, proponho fazermos, no Brasil, uma consulta popular se anexamos ou não o Uruguai. Ele se separou do Brasil em 1825. Vamos pegar de volta o que era nosso.

Considerando o resultado e a quinta pergunta do referendo, as guianenses que vivem na região já podem tirar a carteira de identidade, pedir passaporte e cidadania venezuelana?

Para tomar posse da região, Maduro  terá de invadir a Guiana. Nisso pode estar o maior vexame que ele vai passar. Ele tem condições de invadir a selva de Essequibo ? O Brasil mandou tropas adicionais para a região brasileira, onde a Venezuela, para contornar a selva, teria de passar.

O presidente da Guiana, Irfaan Ali, pediu ajuda aos Estados Unidos e recebeu como resposta a presença de generais americanos da 1ª Brigada de Assistência às Forças de Segurança. Estes reuniram-se com autoridades da Força de Defesa da Guiana (GDF) na segunda-feira, 27, e terça-feira, 28 de novembro. A embaixada americana divulgou a seguinte nota:

“As forças de defesa dos EUA e da Guiana discutiram os próximos compromissos para incluir sessões e processos de planejamento estratégico para melhorar a prontidão militar e as capacidades de ambos os países para responder às ameaças à segurança.”[5]

Glossário: “Prontidão militar” : como na Ucrânia, se necessário for, vocês entram com soldados e nós com os equipamentos. “Melhorar Capacidade” : vamos treinar os vossos soldados para saberem usar os nossos equipamentos.

No dia do referendo o presidente da Guiana disse ao seu povo: “Não há nada a temer[6] e que já recebeu apoio dos Estados Unidos, Canadá e França.

Agora vamos ter de esperar para ver o que Maduro vai fazer. A vez é dele. Creio que blefou. Faz ameaças que não pode cumprir. Vai passar um grande vexame se realmente for pelo caminho de um confronto militar.

A única coisa verdadeira nesse ato de Maduro é a inveja do sucesso econômico da Guiana. Ele um incompetente a toda prova. O real objetivo é criar um nacionalismo tendo-o como o líder. O referendo domingo foi uma festa, com direito a jaqueta colorida, para levantar o moral dos venezuelanos. Foi um golpe de mestre. Se a oposição se posicionar contra a expansão do território nacional, serão vistos como opositores, não de Maduro, mas do povo e do próprio país.

O que Nicolás Maduro vai fazer é cozinhar essa “invasão” em banho-maria até a eleição. Vai usar a situação para criar um ufanismo nacional causado pelo aumento “virtual” do território  venezuelano. Em breve nos livros de geografia e história da Venezuela constará o aumento territorial. “Viva a Venezuela! Nicolás Maduro é o cara !”

Variação do PIB no governo de Nicolás Maduro. Um desastre.

Esse assunto deverá ser notícia constante todos os dias nos próximos meses. Mas quando é que a Venezuela vai invadir a Guiana ? Resposta: Dia de São Nunca logo ao amanhecer. Desta vez Maduro estará sozinho. Não poderá contar, como em março e junho de 2019, com os aviões militares e soldados de Putin para impressionar possíveis adversários. No momento Putin não tem tempo, nem aviões sobrando para essas coisas. 

Na realidade, eu não apostaria metade da minhas fichas que não tem o dedo de Putin por trás disso. O timing desses atos está meio suspeito.A guerra Israel-Hamas obrigou aos americanos a desfocarem um pouco da guerra na Europa. Políticos republicanos começam a pensar em não mais liberar recursos para ajudar a Ucrânia. Um envolvimento dos Estados Unidos em uma possível defesa da Guiana pode encontrar resistência interna. Obviamente, como disse no post " Israel está preparado para conviver com um Estado Palestino? " abaixo, eu não sou o único a perceber que as forças americanas não são onipresentes. 

Maduro está fazendo uma aposta muito alta. Seja como for, a vez de jogar é dele. Vamos esperar para ver. Acredito que quanto a uma invasão da Guiana é uma bravata. Se for reeleito vai partir para o diálogo. Já teria alcançado seu objetivo: devagar e sempre ser o presidente perpétuo da Venezuela. Quanto guerra ele está blefando.


  Cláudio Nogueira

PS1. Em tempo: o êxodo venezuelano começou bem antes do boicote imposto pelo Trump. É óbvio que a redução na exportação de petróleo agravou mais ainda a situação da Venezuela. Mas esse boicote não foi a causa da enorme crise. Em 2016 a economia decresceu 18,6% e a inflação atingiu 800% ao ano. “De acordo com as Nações Unidas, mais de 2,3 milhões de venezuelanos deixaram seu país desde 2014 [Maduro assumiu em 2013] , além de muitos outros que deixaram o país, mas cujos casos não foram registrados pelas autoridades.Carta da Human Rights Watch sobre a crise migratória Venezuela em 4 de setembro de 2018. Disponível em: https://www.hrw.org/pt/report/2018/09/03/322039

Segundo a ONU, março de 2023, mais de 7 milhões de pessoas deixaram a Venezuela. ONU News. Disponível em:
https://news.un.org/pt/story/2023/03/1811472#:~:text=At%C3%A9%20o%20momento%2C%20mais%20de,deixaram%20ou%20fugiram%20do%20pa%C3%ADs.

PS2. Três dias após a referendo e dois após a publicação desse post: Maduro divulga novo mapa da Venezuela com parte da Guiana. Disponível em: https://www.poder360.com.br/internacional/maduro-divulga-novo-mapa-da-venezuela-com-parte-da-guiana/

PS3. É ou não é para deixar o Maduro com inveja ?




[1] Puxado pelo petróleo, comércio entre Venezuela e EUA cresce 555% no 1º semestre. Disponível em: Brasil de Fato: https://www.brasildefato.com.br/2023/09/14/puxado-pelo-petroleo-comercio-entre-venezuela-e-eua-cresce-555-no-1-semestre

 [2] Lula sobre tensão Venezuela-Guiana: “Referendo obviamente vai dar ao Maduro o que ele quer.” Disponível em BBC News Brasil : https://www.bbc.com/portuguese/articles/c102yqg55meo

[3] Idem.

[4]  O que se sabe sobre a investigação de corrupção na estatal petroleira da Venezuela. Disponível em Brasil de Fato: https://www.brasildefato.com.br/2023/03/22/o-que-se-sabe-sobre-a-investigacao-de-corrupcao-na-estatal-petroleira-da-venezuela

[5] Militares dos EUA e da Guiana estreitam parceria em momento tenso: “O Comando Sul pretende estabelecer uma base militar no território contestado". Disponível em: Revista Sociedade Militar:  https://www.sociedademilitar.com.br/2023/12/militares-dos-eua-e-da-guiana-estreitam-parceria-em-momento-tenso-o-comando-sul-pretende-estabelecer-uma-base-militar-no-territorio-contestado.html

[6] 'Não há o que temer', diz presidente da Guiana sobre referendo na Venezuela. Disponível em: UOL: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2023/12/03/nao-ha-o-que-temer-diz-presidente-da-guiana-sobre-referendo-na-venezuela.htm