Visitantes saem da casa do ex-presidente tentando gerar compaixão e pena junto à opinião pública em relação a ele, que hoje cumpre prisão domiciliar para evitar fuga enquanto aguarda julgamento pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.
Como
diz um amigo: “Meu coração sangra de pena do Bolsonaro.”
Bolsonaro
deseja compaixão apenas por estar saudável e não poder sair de casa? Será que
ele entende realmente o que significa isso?
Milhões
de pessoas no Brasil estavam muito mais do que deprimidas durante a pandemia:
estavam arrasadas, devastadas pelo luto, sofrendo com a perda de pais, irmãos,
filhos, parentes e amigos. Muitas famílias perderam dois ou três entes queridos
em questão de semanas. E onde estava Jair Bolsonaro nesse período? O que ele
fazia? Estaria ele também arrasado, como agora afirma estar deprimido? Teve
compaixão das dores de milhares de famílias brasileiras?
A
verdade é que, diante da maior tragédia sanitária da história recente do
Brasil, Bolsonaro se comportou com frieza, insensibilidade e, muitas vezes, com
crueldade. Em 17 de março de 2020, quando os primeiros sinais do desastre já
eram claros, ele chamou a Covid-19 de “𝐠𝐫𝐢𝐩𝐞𝐳𝐢𝐧𝐡𝐚” 𝐞 “𝐫𝐞𝐬𝐟𝐫𝐢𝐚𝐝𝐢𝐧𝐡𝐨”. No dia 10
de abril de 2020, quando o país já registrava 1.000 mortes, continuava
minimizando a gravidade do vírus e defendendo medicamentos ineficazes, como a
cloroquina e a ivermectina. Em 28 de abril de 2020, ao 𝐮𝐥𝐭𝐫𝐚𝐩𝐚𝐬𝐬𝐚𝐫𝐦𝐨𝐬 𝟓.𝟎𝟎𝟎 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐨𝐬, Bolsonaro
reagiu a perguntas sobre o número crescente de vítimas dizendo que
No
dia 9 de maio de 2020, o Brasil ultrapassou a triste marca de 𝟏𝟎.𝟎𝟎𝟎 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐨𝐬. E
o que fez o presidente? 𝐄𝐥𝐞 𝐟𝐨𝐢 𝐟𝐥𝐚𝐠𝐫𝐚𝐝𝐨 𝐩𝐚𝐬𝐬𝐞𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐝𝐞 𝐣𝐞𝐭-𝐬𝐤𝐢 no Lago Paranoá, em Brasília, como se nada estivesse acontecendo,
enquanto famílias enterravam seus mortos sem poder sequer velar os corpos.
E
o desprezo não parou por aí. Em outubro de 2020, sabotou publicamente a compra
da CoronaVac, vacina que poderia salvar milhares de vidas, apenas por questões
ideológicas e políticas. Em 10 de novembro de 2020, quando o país já chorava
mais de 𝟏𝟔𝟎.𝟎𝟎𝟎 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐞𝐬, declarou que era preciso
No
início de 2021, com a situação descontrolada e os hospitais colapsados,
Bolsonaro continuou zombando. No final de fevereiro, quando o Brasil
ultrapassou 𝟐𝟓𝟎.𝟎𝟎𝟎 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐨𝐬, afirmou: “𝐜𝐡𝐞𝐠𝐚 𝐝𝐞 𝐟𝐫𝐞𝐬𝐜𝐮𝐫𝐚, 𝐝𝐞 𝐦𝐢𝐦𝐢𝐦𝐢, 𝐯𝐚̃𝐨 𝐟𝐢𝐜𝐚𝐫 𝐜𝐡𝐨𝐫𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐚𝐭𝐞́ 𝐪𝐮𝐚𝐧𝐝𝐨?”
Tudo
isso ocorreu a despeito dos alertas dos cientistas e das autoridades de saúde,
que pediam isolamento, distanciamento social e a suspensão de aglomerações.
Bolsonaro fez exatamente o contrário: participou e incentivou várias
manifestações em Brasília no auge da pandemia, em 2020, sem máscara e cercado
de apoiadores. Promoveu motociatas em diversas capitais do país em 2021,
reunindo milhares de pessoas em plena crise sanitária, como em São Paulo, Rio
de Janeiro e Porto Alegre. Também visitava feiras e locais públicos,
cumprimentando pessoas de mãos dadas e abraçando apoiadores, tudo
televisionado, como se fosse uma demonstração de força política contra a
ciência e contra os governadores que tentavam conter o vírus. O presidente, que
deveria dar o exemplo, transformou a negação das medidas de saúde pública em
espetáculo e estratégia de mobilização política.
E
ainda houve episódios de humilhação pública e escárnio: Bolsonaro 𝐢𝐦𝐢𝐭𝐨𝐮 𝐩𝐞𝐬𝐬𝐨𝐚𝐬 𝐦𝐨𝐫𝐫𝐞𝐧𝐝𝐨 𝐜𝐨𝐦 𝐟𝐚𝐥𝐭𝐚 𝐝𝐞 𝐚𝐫, em frente às câmeras, como se o sofrimento de
quem morria asfixiado fosse motivo de piada. Isso não é comportamento de um ser
humano normal.
A
cada aumento no número de vítimas, em vez de solidariedade, oferecia ironia; em
vez de liderança, espalhava desinformação; em vez de compaixão, fazia chacota. Como
tantas outras mentiras que ele e sua família espalharam, até a suposta
depressão de Bolsonaro é fake.
Se
hoje ele diz estar deprimido por não poder sair de casa, seria de se imaginar
que, diante do luto coletivo de centenas de milhares de famílias, estivesse
completamente destroçado. Mas não esteve. Pelo contrário, agiu com frieza
diante do sofrimento nacional.
Por
isso, antes de pedir compaixão para si, Bolsonaro deveria reconhecer sua
completa ausência de empatia naqueles anos sombrios em que o país sangrava. A
depressão que agora alega sentir contrasta de forma cruel com a dor real,
profunda e irreparável de milhões de brasileiros. E é nesse contexto que
precisamos revisitar sua cronologia: uma sucessão de descasos, deboches,
aglomerações e negligências, em meio a uma das maiores tragédias da história do
Brasil.
Até
o final desta semana, Bolsonaro deverá ter recebido a sua pena. Sugiro que
compre antecipadamente os antidepressivos fluoxetina ou sertralina, porque
desconfio que ele vai precisar muito desses remédios.
Cláudio Nogueira