Carta aberta aos Bispos do Brasil
Ainda
sob o espírito sinodal que inspira o diálogo e a escuta, escrevo esta carta
para pedir ajuda em uma dúvida que me inquieta: afinal, o Halloween é pecado?
A
origem da minha pergunta — ou melhor, da minha dúvida — vem da experiência que
vivi durante alguns anos nos Estados Unidos e no Canadá, tanto sozinho quanto
com a minha família. Nesses países, a festa realizada na véspera do Dia de Todos
os Santos é amplamente celebrada também por comunidades cristãs.
Falo
com conhecimento de causa: nas igrejas católicas, por exemplo, é comum ver o
padre, ao final da missa, dirigir-se à porta do templo para cumprimentar os
fiéis com um cordial “Happy Halloween!”. O mesmo ocorre em diversas
denominações cristãs, e disso sou testemunha ocular nas cidades em que vivi ou
passei uma temporada: Miami e Gainesville (Flórida), Atlanta (Geórgia), Baton
Rouge (Louisiana), White Plains (Nova York) e Ottawa (Canadá).
Faço
essa observação antecipando-me a uma possível objeção de que o Halloween seria
uma celebração restrita a certas regiões ou contextos específicos. Mesmo entre
familiares que residem em Chicago e Los Angeles, regiões tão distintas,
percebe-se o mesmo costume.
Devem
estar se perguntando, então, onde está a dúvida. A razão dessa incerteza nasce
da quantidade de vídeos que circulam nas redes sociais, em que padres
brasileiros afirmam, com todas as letras, que o Halloween é pecado.
Diante
do exposto a minha pergunta é: como eles chegaram a essa conclusão ?
Seria,
por acaso, um pecado regional? Não é pecado no hemisfério norte, mas passa a
ser no hemisfério sul?
E
por falar em “norte”, parece-me que é um direcionamento que está faltando. Por
isso, espero que os senhores sejam essa bússola a nos orientar.
A
palavra Halloween tem origem na expressão inglesa antiga All Hallows’ Eve,
que significa literalmente “Véspera de Todos os Santos”. O termo “Hallow” é uma
forma arcaica de “santo”, derivada do inglês antigo halga, enquanto
“Eve” quer dizer “véspera”, como em Christmas Eve (véspera de Natal).
Com o passar do tempo, a expressão All Hallows’ Eve foi sendo abreviada
na linguagem popular: primeiro transformou-se em All Hallows Even,
depois em Hallowe’en e, finalmente, na forma moderna Halloween. Assim, a
própria etimologia da palavra revela seu vínculo direto com a tradição cristã,
pois designa o dia 31 de outubro, a véspera da festa de Todos os Santos,
celebrada em 1º de novembro.
A Eternal Word Television Network (EWTN) publicou (https://ewtnvatican.com/articles/true-origins-of-halloween-a-celebration-steeped-in-catholic-tradition-1788 ) um artigo com dois títulos: “The Origins of Halloween: A Catholic Celebration Rediscovered” (As Origens do Halloween: Uma Celebração Católica Redescoberta) e “Is Halloween a Catholic Feast?” (O Halloween é uma Festa Católica?).
Após
abordar as origens da festa e da palavra, o último parágrafo do artigo diz:
Abraçando
o Halloween com Intenção Católica
O
Padre John Wauck, professor de literatura na Pontifical University of the Holy
Cross (Pontificia Università dela Santa Croce), em Roma, encoraja os católicos
a reivindicarem o Halloween como um dia conectado à sua fé. “O Halloween
deveria ser celebrado em toda a sua inocência”, diz ele. “Não há nada de
errado em se fantasiar e ir pedir doces (trick-or-treating); na verdade, é uma
coisa encantadora. Mas não devemos esquecer a sua conexão com o Dia de Todos os
Santos. É importante lembrar, especialmente para as crianças, que o Halloween é
uma vigília de uma grande festa.”
Enquanto
católicos em todo o mundo se preparam para o Halloween, as palavras do Padre
Wauck nos lembram de abordá-lo com reverência por suas origens, ensinando as
crianças a celebrarem não apenas com diversão, mas também com fé.
No site da Holy Trinity. Catholic Church and School (Santíssima Trindade. Igreja e Escola Católica (https://holytrinitydm.org/happy-hallowtide/) encontramos Happy Hallowtide !
“Hallowtide”
(ou All hallow tide) é um termo usado na Igreja Católica e em outras
tradições cristãs para se referir ao período litúrgico de três dias, conhecido
como Tríduo das Almas, que se foca na comunhão entre a Igreja triunfante (os
santos), a Igreja sofredora (as almas no Purgatório) e a Igreja militante (os
vivos).
Neste
site, em um texto assinado pelo padre Mark Neal, que também começa explicando a
etimologia da palavra Halloween, pergunta e responde:
É
verdade que a celebração Católica do Halloween tem algumas raízes pagãs?
O
Halloween é uma festa católica. Não tem origens no paganismo, Samhain,
festivais druidas, ocultismo ou Satanismo. Este equívoco comum é relativamente
novo, com raízes que remontam à Reforma Protestante, e não tem base em fatos
históricos.
Poderia, com base em várias
citações de sites católicos, afirmar que não há nada de errado em celebrar o
Halloween — muito pelo contrário. Nesses dias, diversas paróquias publicam
convites para a festa das vésperas do Dia de Todos os Santos.
Abaixo seguem apenas dois exemplos. Mas existem vários:
A
paróquia de St. Peter the Apostle (São Pedro Apóstolo), localizada na cidade de River Edge, em Nova Jersey, publicou um convite para “Festa de Halloween do Grupo de Jovens” no dia 26
de outubro de 2025, para o seu grupo de adolescentes.
Coisas
que um Católico Deve Saber sobre o Halloween
1. Halloween tem sido
uma celebração Cristã desde o início do século 8. O Papa Gregório III a
instituiu pela primeira vez.
2. “Halloween” vem de
“All Hallows' Eve” (Véspera de Todos os Santos), referindo-se à noite anterior
ao All Hallows' Day (Dia de Todos os Santos).
3. Allhallowtide
(Tempo de Todos os Santos) é o período de três dias da All Hallows' Eve
(Véspera de Todos os Santos/Halloween), All Hallows' Day (Dia de Todos os
Santos) e All Souls' Day (Dia de Finados). Este é um tempo para honrar os santos
e orar pelos mortos.
4. É possível celebrar o Halloween de uma forma divertida, segura e doutrinalmente sólida!
Na
América do Norte, o Halloween é uma festa que possui duas características
marcantes. A primeira é que as crianças batem nas portas das casas dos vizinhos
do bairro pedindo guloseimas, o famoso “trick or treat”, ou seja, “nos
dê algo doce ou faremos travessuras”. E as pessoas já estão preparadas para
isso.
A
segunda característica é que os participantes estejam fantasiados de qualquer
coisa, e quem mais se diverte são as crianças. Além dessas tradições, a festa
inclui comidas, bebidas e atividades para os pequenos, podendo ocorrer tanto em
ambientes fechados quanto ao ar livre.
Em
Ottawa, em 2007, ao final da missa dominical, o padre desejou um feliz
Halloween na porta da igreja e distribuiu um panfleto indicando a hora e o
local da festa: First United Church. Isso mesmo! O padre sugeriu que os fiéis
se dirigissem para onde aconteceria a celebração: em uma igreja evangélica. Isso
que é ecumenismo !
Já
em Gainesville, em 2013, participamos de um evento similar no zoológico da
cidade.
No
Brasil, alguém inventou a ideia equivocada de chamar a data de “Dia das Bruxas”
e associá-la a algo satânico. Portanto, alguns afirmam que o Halloween é
pecado. Não tem absolutamente nada a ver. Por conta disso, há quem veja o que
não existe: coisa do diabo, etc., etc. Só se for um Halloween tupiniquim.
Não
seria melhor verificar antes de generalizar? Pelo que sei, a Igreja Católica no
Brasil não condena o carnaval. Se há carnaval que é festa da carne, há carnaval
que é uma festa familiar. Distorções sempre existirão. Quem diz que a festa do
Halloween é pecado, será que algum dia participou de uma?
Diante
dessas visões tão distintas, recorro aos senhores, Pastores da Igreja no
Brasil, pedindo uma palavra de discernimento. Gostaria de compreender, à luz da
fé católica, se essa celebração — que em tantos lugares assume um caráter
familiar, comunitário e cultural — realmente contradiz os valores cristãos, ou
se pode ser vivida de forma saudável, sem ferir nossa fé.
Peço,
portanto, humildemente, que esta questão seja acolhida como expressão sincera
de quem busca viver a comunhão e a verdade do Evangelho, evitando julgamentos
precipitados e desejando apenas agir com reta consciência diante de Deus.
Pelas minhas vivências e experiências, ainda não percebi onde estaria o pecado. Por essas mesmas experiências e pelas bênçãos da Igreja Católica nos lugares onde ocorreram, recuso-me a aceitar que seja pecado, até que se prove o contrário.
Com
respeito e fraternidade em Cristo.
Cláudio Nogueira
Meus filhos no Halloween no zoológico de Gainesville, Flórida, em 2013
