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quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A Dama da Carolina

Eu sempre achei que deveríamos escrever alguma coisa sobre a vovó Eliza. Nós quem? Nós, filhos de Brígido e Glória Nogueira. Acho que o momento, ainda que tardio, chegou. Seus filhos, recentemente, preparam um livro-homenagem intitulado “A Dama da Carolina, Afetos e Sabores.”

Começo assim para dizer que o título deste post já tem dono. Copy@right dos Bessa Freire.

A vovó morou por muitos anos, depois de ter habitado em outros endereços, na rua Carolina das Neves. Por isso ela é chamada a Dama da Carolina. Na realidade, hoje ela seria dona de si mesma, depois da sua partida, a rua passou-se a chamar Eliza Bessa Freire.

Há duas imagens da vovó Elisa que ficaram na minha cabeça. A primeira é de quando éramos criança. Ao avistá-la no início do beco onde morávamos, beco da Indústria, na Aparecida, eu já chorava antecipadamente. Isso quando percebia que estava vindo com a sua “latinha” de enfermeira. Dentro tinha seringas de vidro, que ela  trazia, a pedido do papai, para dar-nos umas injeções; para erradicar a gripe na família. Naquela época as seringas eram de vidro e as agulhas não eram descartáveis. Eram reutilizáveis; para isso tinham que ser fervidas. E fervidas num fogo feito pela queima de álcool, em um estojo de metal. O cheiro que exalava eu tenho na mente até hoje.

Quando eu a via de longe, dizia, embora bastante gripado: papai, eu já estou bom. Nunca funcionou. Na realidade nem doía; era apenas um medo desnecessário que logo passava. Talvez por isso essa lembrança, embora forte, não seja uma lembrança triste, mas apenas de algo que marcou.

A imagem que recordo com mais frequência é ela andando na rua Xavier de Mendonça, da qual a Carolina da Neves é afluente, a caminho da missa diária das 18 horas, na paróquia que ajudou a fundar em 1943. Não existe escola sem aluno e nem igreja sem fiel. Por esse motivo a Congregação do Santíssimo Redentor, em reconhecimento aos seus preclaros serviços prestados a comunidade, concedeu-lhe o título de Oblata Redentorista, pessoa, que mesmo sendo leiga, é membro, digamos, honorário da Congregação.

Lá vai ela, corpo pequeno, não mais que um metro e cinquenta, com cabelos branquinhos, sempre bem arrumados, olhos menores ainda, bem azulzinhos, e muito cheirosinha.

Vocês conhecem aquela música: “Quem me vê assim cantando, não sabe nada de mim” ? Assim era a vovó. Quem a via indo toda arrumadinha para a sua missa diária, não tinha a menor noção do que ela havia passado. Ela pertencia a um seleto grupo de pessoas que trabalham... e como trabalham; como se fossem ateias: nada cai do céu. Lutam... e como lutam; contra a pobreza e as dificuldades de quem se encontra nessa situação. E rezam... e como rezam; como se tudo dependesse de Deus. Teve sua recompensa. Porque Deus é fiel.

Até chegar esse dia, do andar tranquilo, corpo perfumado, perseverança na fé, foram muitos anos com dias difíceis, de muita labuta e resiliência. Perdeu um filho ainda bem criança e ficou viúva com onze filhos; com 48 anos de idade. A filha mais velha tinha vinte quatro e a caçula três anos. Criou muito bem criado todos eles. Alguns são professores universitários, outros exercem atividades diversas. Eu, que tenho apenas quatro, como uma situação financeira muito melhor, me pergunto como isso é possível. Não estou falando simplesmente de alimentá-los; o que por si já uma coisa bastante difícil, mas de dar um direcionamento a todos eles. Por mais que os mais velhos já estivessem de alguma forma ajudando materialmente, o direcionamento, manter a família unida a valores morais e religiosos, era responsabilidade dela. Quarenta e oito anos e onze filhos? Conheço muita gente com 1,8m, com apenas dois ou três filhos, que não conseguiu.

A minha avó Elisa era prima da minha mãe. Isso mesmo. A mãe dela era irmã do pai da minha mãe. Quando este morreu, deixou três filhas crianças, que já não tinham mãe há seis anos: minha mãe, com 11 anos, uma irmã com 13 e a caçula com 6 anos, de cujo parto morreu a sua mãe, minha avó biológica. Foram morar com a avó materna. Minha mãe com 12 anos a caminho dos 13, em 1943, foi acolhida na casa de sua prima, Elisa Bessa Freire, nossa avó, de onde saiu seis anos depois para se casar.

Quando as minhas filhas fizeram 12 anos, eu sempre pensava na minha mãe órfã nesta idade, e sempre vinha na minha cabeça uma imensa gratidão a vovó Eliza por ter dado-lhe um lar. Sem essa impagável ajuda, todo o futuro da minha mãe poderia ter sido diferente. E o nosso também. A mamãe sempre dizia: “ A Eliza não só me deu um teto. Mas me deu uma família; irmãos e irmãs.”

Muito ainda pode ser dito sobre a vovó: o carinho que recebemos e a comidinha gostosa que fazia. Sobre isso o leitor tem de ler o livro cheio de “afetos e sabores” que traz algumas receitas.

A vovó recebeu duas bonitas homenagens públicas: além de doar o seu nome a rua onde viveu por muitos anos com a sua família; hoje, também, existe uma escola pública estadual a ela dedicada.

Pois saiba, nossa querida avó, que enquanto vivermos, seremos eternamente gratos. Nesse dia da Festa da Imaculada Conceição, rogamos a Deus que Ele já a tenha recompensado, levando-a para perto Dele, pelo seu amor e pela sua generosidade.

Vovó Elisa, a Dama da Carolina, nos lhe amamos.

 

 

 

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

A Palhaçada do Voto Impresso

Com o voto impresso ou com a urna eletrônica o Bolsonaro vai perder de qualquer jeito. E ele tem plena certeza disso. Também sabe que para aumentar as chances de vitória precisa muitíssimo das fakenews; enormemente de outra facada e de outro Moro. Dessa vez nem ajuda do general Vilas Boas pressionando o STF vai funcionar; porque ele não conseguirá impedir o Lula de ser candidato. Na realidade, como já escrevi, o general deu uma ajuda muito grande a candidatura do Lula. Foi tirar sarro da cara do ministro Fachin; este libertou o Lula do julgamento viciado em Curitiba. Quanto a facada, eu o aconselharia a algo mais radical: eu, no lugar do Bolsonaro, desta vez morreria. Aí o impacto seria enorme; e ele ganharia a eleição.

Ele por várias vezes disse em público que deve a sua vitória ao Carlos Bolsonaro. Exatamente por ele ter sido muito eficiente como coordenador da difusão de fakenews: o Haddad defendia o incesto; o kit gay seria distribuído em todos escolas, etc. etc. A necessidade desesperadora das fakenews faz com que ele ataque o ministro Alexandre de Morais.
Vamos fazer uns cálculos básicos sobre a última eleição.
Bolsonaro teve 57.797.847 e Haddad 47.040.906. Estes são os votos válidos. Total foi 104.838.753. A metade disso é 52.419.376. Isso, menos os votos que o Haddad teve, é 5.378.470. Ele valor, mais 1 voto, é tudo que o Lula precisa acrescentar aos votos do Haddad para ganhar do Bolsonaro. Isso é 9,3% do total dos votos do Bolsonaro.
Isso é moleza. Em quem o eleitor se arrependeu de ter votado, no Haddad ou no Bolsonaro ?
Agora é o Lula companheiro. Bem diferente de Haddad. O número de votos que Bolsonaro já perdeu já passou muito de 9%. Por isso é que ele inventou essa briga pelo voto impresso.
Qual o objetivo do Bolsonaro nisso? Antes de eu falar do objetivo principal, vamos ao secundário. Quando tudo isso começou, era para que a imprensa só falasse desse assunto e esquecesse as declarações e testemunhos comprometedores de corrupção no governo na CPI da Pandemia.
Bolsonaro sabia que o voto impresso não iria passar; e para justificar a sua derrota, na próxima, eleição, precisa dizer que previu antecipadamente que foi roubado na urna eletrônica. Tenta com isso, como Trump, desmoralizar a eleição e arranjar uma justificativa, também, para a história, que agrade o seu ego derrotado: que não perdeu; foi roubado.
A briga com o ministro Luís Roberto Barroso não tem nada de inocente; e tudo planejado. Ele, como sempre, precisa de um inimigo e de alguém que o persiga. Nesse momento em que o seu apoio vai ladeira abaixo e o seu índice de rejeição é enorme, ele precisa unir os seus apoiadores em torno de uma causa e para isso ele escolheu o ministro Barroso e o voto impresso, que o gado repete como um mantra; como se isso fosse a certeza da vitória na próxima eleição. O voto impresso foi recusado pela Câmara dos Deputados; mas, observem, ele não ataca os deputados, – que foi quem enterraram em definitivo o voto impresso – nem toca no assunto, mas somente ataca o ministro.
E se o voto impresso tivesse sido aprovado e ele perdesse ? Ele sabe que vai perder, mas tentaria a tática mal sucedida de Trump: iria perdi recontagem. Diferente da urna eletrônica, a contagem manual tem muita chance, quando feita mais de uma vez, de dar resultados diferentes. Por erro humano não intencional; ou porque alguém escondeu um voto; ou colocou um voto novo para dizer que a “urna foi emprenhada” e pedir anulação de toda a urna.
Nos Estados Unidos aconteceu que nos locais onde ocorreram a recontagem a pedido de Trump, a diferença pró-Biden aumentou. Trump achava que iria chegar até dia 20 de janeiro, dia da posse do novo presidente, e esse imbróglio não teria sido resolvido. Inclusive, ele pediu várias vezes que a contagem fosse parada. O Bolsonaro sonha com isso. Eu também sonho com muitas coisas.
Resumindo, não deu certo. Não deu certo lá. Não vai dar certo aqui. Bolsonaro pode reclamar a vontade, mas será inócuo. E já corre o risco de perder no primeiro turno. E diferente dos Estados Unidos, tão logo seja divulgado que ele perdeu, as ruas do Brasil ficaram cheias, não de seus apoiadores, mas de milhões dos eleitores do vencedor. Ele só terá tempo de meter os rabos entre as pernas e sair pelas portas do fundo como fez o general Figueiredo.

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Afinal, Nossa Senhora Morreu ou Não Morreu?

       “Porque olhou para a sua pobre serva. Por isso, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é santo.”

Desde que nasci, frequentei, por quatro décadas, quando era solteiro em Manaus, a igreja – hoje Santuário – de Nossa Senhora Aparecida. Ouvi e aprendi que Maria subiu de corpo e alma para o Céu; ou seja, Maria nunca morreu. Segundo a doutrina católica, isso é chamado de Assunção de Maria, proclamada como dogma de fé em 1950. Será que os padres realmente disseram isso, ou fui eu quem chegou a essa conclusão?

Há cerca de quinze anos, na festa que hoje se comemora, 15 de agosto, Assunção de Nossa Senhora ao Céu, o padre redentorista Luís Kirchner disse algo que já sabíamos. Reafirmando o dogma de fé proclamado pela Igreja e definido pelo Papa Pio XII, em 1950, por meio da Constituição Apostólica Munificentissimus Deus: “A Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial.”

 Deve-se lembrar que foi uma decisão quase colegiada. O Sumo Pontífice havia consultado o episcopado, por meio da carta encíclica Deiparae Virginis Mariae, sobre a necessidade de definir esse dogma: “Assunta em corpo e alma à glória celestial.” Ou seja, houve um processo consultivo amplo antes da definição oficial.

É ponto pacífico que ela subiu com ajuda divina. Não foi uma ascensão como a de Cristo, mas uma assunção. A verdade é que todo acréscimo a esse texto é fruto da imaginação de cada um.

Estava tudo tão certo na minha cabeça, até que, em uma novena em honra de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que ocorre todas as terças-feiras em Aparecida, com mais de dois mil fiéis na igreja, o padre, na homilia, falou sobre a morte de Nossa Senhora.

Fiquei em estado de choque e irritado com ele. Já tinha quase 50 anos e nunca tinha ouvido falar sobre isso. Pensei: o que é que ele está dizendo? Ele está ensinando errado. E o dogma de que Maria subiu ao Céu com corpo e alma? Se ela morreu e subiu de corpo e alma, então ela morreu e ressuscitou? Morte significa a separação do corpo e da alma. Se Maria morreu, a alma se separou do corpo, depois voltou ao corpo ? Isso não faz o menor sentido.

O padre de Aparecida completou que as Igrejas orientais chamam isso de “Dormição de Nossa Senhora”.




Dormição de Nossa Senhora — o que é isso? Trata-se de um eufemismo (“acepção mais agradável, utilizada para suavizar ou minimizar o peso negativo de outra palavra”) para dizer que Maria morreu. Na realidade, dormiu, acordou e subiu ao Céu de corpo e alma. É exatamente isso que as Igrejas orientais celebram.

Mas elas não estão sozinhas. São João Paulo II também acreditava nisso. Ele disse, numa catequese das quartas-feiras, em 25 de junho de 1997, em A Dormida da Mãe de Deus: “Qualquer que tenha sido o fato orgânico e biológico que, sob o aspecto físico, causou a cessação da vida do corpo, pode-se dizer que a passagem desta vida à outra constituiu, para Maria, uma maturação da graça na glória, de tal forma que, jamais como nesse caso, a morte pôde ser concebida como uma 'dormida'.”

Talvez eu tenha de ler o discurso todo para verificar se o Santo Padre apresenta algum argumento sobre a necessidade de Nossa Senhora morrer. Enquanto isso não acontece, deixa-me lembrar que o Papa Bento XVI, durante o seu pontificado, também escreveu livros. Ele deixou claro que, quando o Papa quer doutrinar, direcionar e catequizar toda a Igreja, ele não escreve um livro, mas publica uma encíclica. Escrever um livro, segundo ele, serve para justificar e deixar claro que o conteúdo é a opinião pessoal do autor. É óbvio que tudo o que o Papa diz ou escreve, seja em encíclica ou em livro, tem grande peso para a Igreja inteira.

Resolvi pesquisar sobre o assunto, mas não fui muito longe. Decepcionado parei porque fiquei triste com o que li.                                                                                                                                             Mais ou menos há um ano e meio, no grupo de WhatsApp com amigos que há mais de 40 anos participaram de um grupo de jovens em Aparecida, esse assunto voltou a ser comentado. Então, esperei a chegada da Festa da Assunção de Maria para escrever algo no meu blog sobre isso. Isso faz um ano. Rascunhei algumas ideias, mas novamente abandonei o assunto. Notei que há muito mais pessoas que acreditam na morte de Maria do que as que não acreditam.

Na discussão virtual, eu defendia que Maria nunca morreu. Em defesa da morte de Nossa Senhora, uma amiga disse o seguinte: “Se Jesus morreu, Maria também tinha de morrer. Ela não era mais importante do que Ele.” Em algum lugar já tinha ouvido esse argumento. Mas, se ele é válido, Elias e Henoc (ou Enoque) seriam mais importantes do que Cristo, porque os dois profetas nunca morreram.

No segundo livro dos Reis, capítulo 2, versículo 1, encontramos: “Eis o que se passou no dia em que o Senhor arrebatou Elias ao céu num turbilhão…” No início desse capítulo, é narrada a conversa entre Elias e Eliseu. Em seguida:

  1. “Tendo passado, Elias disse a Eliseu: Pede-me algo antes que eu seja arrebatado de ti: que posso eu fazer por ti?” Elias não foi pego de surpresa; ele sabia o que iria acontecer. Eliseu respondeu: “Seja-me concedida uma porção dobrada do teu espírito.”
  2. “Pedes uma coisa difícil – replicou Elias –. Entretanto, se me vires quando eu for arrebatado de ti, isso te será dado; mas se não me vires, não te será dado.”
  3. “Continuando o seu caminho, entretidos a conversar, eis que de repente um carro de fogo com cavalos de fogo os separou um do outro, e Elias subiu ao céu num turbilhão.”

Desde então, não se tem mais notícia de Elias, embora tenha sido procurado. Ele reaparece na Bíblia junto com Moisés, na transfiguração do Monte Tabor.

E o que aconteceu com Enoque ?

Na segunda carta aos Hebreus, capítulo 11, versículo 5, São Paulo escreveu: “Pela fé, Enoque foi arrebatado, sem ter conhecido a morte; e não foi achado, porquanto Deus o arrebatou; mas a Escritura diz que, antes de ser arrebatado, ele tinha agradado a Deus (Gn 5,24).” Isso demonstra que, mesmo na tradição bíblica, há exceções humanas à morte física, concedidas por Deus.

Assim sendo, o argumento de que Maria tinha de morrer porque Jesus morreu e ela não era maior que Ele, não se sustenta.

Como Maria, não há igual. Jesus disse sobre João Batista (Lc 7,28): “Pois vos digo: entre os nascidos de mulher não há maior que João.” E a Igreja decretou que João Batista nasceu sem o pecado original? Não. Mas Maria, sim. Ela está em uma categoria única: é a mãe de Deus, o único sacrário vivo. Ela é a Arca da Nova Aliança, símbolo da presença viva de Deus na humanidade. A rainha vestida esplendidamente de ouro de Ofir, que reina no Céu vestida de Sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas (Ap 12,1). Ela é bendita entre todas as mulheres, e todas as gerações a chamarão de bem-aventurada. As leis divinas que se aplicam aos outros seres humanos não se aplicam a ela.

Na carta aos Romanos, capítulo 6, versículo 23, São Paulo diz: “Porque o salário do pecado é a morte, enquanto o dom de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor.” A morte mencionada é a morte eterna, oposta à vida eterna, mas também pode ser aplicada à morte física. Maria, concebida sem pecado e vivendo toda a sua existência em santidade, não precisaria passar pela morte física nem pelo pecado, recebendo de Deus uma Assunção direta.

Muitos de nós já ouvimos falar de santos cujos corpos permanecem incorruptos: intactos, conservados sem qualquer produto para mantê-los assim. Isso só é possível porque Deus assim o quis. Pelo grau de santidade desses santos, poderíamos dizer que o corpo não sofreu a corrupção da morte; apenas a alma se separou deles. É um prêmio e um sinal de Deus pelo amor recebido. E ninguém amou mais a Deus do que Maria.

Imagine a situação de Nossa Senhora, a puríssima Mãe de Deus, porque ela haveria de morrer? Ou passar pela dormição?

Isso não faz sentido. Trata-se de uma crença, e não de uma certeza. Acreditar nisso é esquecer quem é Maria na história da salvação. O que se aplica aos outros seres humanos não se aplica a ela.

Deus disse: “…Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2,17). Aqui, trata-se da morte física também. Por isso, todos morremos. A morte é precedida pelo pecado, o que diz respeito a todos os seres humanos, exceto a Maria, porque ela não comeu desse fruto.

São Paulo acrescenta: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5,12). Morremos porque pecamos — exceto a Virgem Santíssima. Portanto, isso não se aplica a ela; ela não passaria pela morte.

São Paulo também diz que, com a segunda vinda de Cristo, alguns não passarão pela morte física: “Eis que vos revelo um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Coríntios 15,51-52).

Se na segunda vinda de Cristo nem todos morrerão, por que, na sua primeira vinda, Maria, obrigatoriamente, teria de morrer?

Até que se prove o contrário, este herege acredita que Maria Santíssima, como afirma o dogma da Igreja Católica, subiu aos Céus de corpo e alma, sem nunca ter morrido.

Como já vimos, a morte e o pecado andam juntos: a morte é consequência do pecado. Se Maria nunca pecou, logo Maria nunca morreu.

O dogma da Imaculada Conceição de Maria foi confirmado pela própria Virgem. Quando Nossa Senhora apareceu à jovem Bernadette Soubirous, em uma gruta em Lourdes, França, e esta perguntou: “Quem é a senhora?”, Maria respondeu: “Eu sou a Imaculada Conceição.” Por que Maria teria de passar pela morte ?

As Escrituras Sagradas nos trazem muitas informações. A elas se somam as revelações de Jesus e Maria, feitas presencialmente a videntes e santos. São famosas as aparições em Fátima, os escritos de Santa Faustina e de Santa Brígida, para citar apenas alguns exemplos. As santas registraram seus diálogos com Cristo e com Nossa Senhora. Mas nenhum vidente, santo ou santa divulgou que ouviu de Maria que ela tenha morrido.

A vidente Vicka Ivankovic, de Medjugorje, há anos divulga que está escrevendo um livro sobre a vida de Nossa Senhora, com textos ditados pela própria Virgem Maria. Possivelmente, quando o livro for publicado, saberemos se Maria morreu ou não — e, se morreu, qual seria a necessidade para a nossa salvação ou qual o desígnio de Deus nesse acontecimento.

Eu ainda não entendi a necessidade de Maria ter morrido. Quando me lembro dos profetas que não morreram; da profecia de que uma espada atravessaria seu coração; quando lembro, sendo pai, da fuga para o Egito, porque queriam matar seu bebê; quando me lembro, como pai, do desespero de ter perdido seu filho por alguns dias; quando penso que, possivelmente, por onde ela andava, não presenciava violência nem brigas entre pessoas; mas presenciou violência pela primeira vez justamente ao ver seu Filho amado sendo flagelado; quando penso em todo o percurso até o Calvário, no intenso sofrimento registrado no Véu de Verônica; quando penso, como pai, no quanto Maria sofreu ao presenciar, por três intermináveis horas, o infinito sofrimento de Cristo na cruz e depois a dor de tê-lo morto nos braços; quando penso que ninguém jamais amou e sofreu tanto por Cristo… Até que se prove o contrário, recuso-me a acreditar que Maria, a mãe de Deus, precisava morrer. Para mim, isso não faz sentido. Espero não ser excomungado por causa disso.

Não sou o único a questionar a morte de Maria. Ao longo da história da Igreja, diversos santos e doutores da fé também refletiram sobre esse mistério e acreditavam que a Virgem Santíssima não teria passado pela morte. Entre eles, Santo Irineu de Lyon, São João Damasceno, São Germano de Constantinopla e Santo Afonso Maria de Ligório sugeriram, em seus escritos, que a Assunção de Maria poderia ter ocorrido sem a separação de sua alma do corpo. Santo Afonso, inclusive, respeitava a opinião daqueles que pensavam de forma diferente sobre o assunto. Esses exemplos mostram que a crença de que Maria não morreu não é uma invenção pessoal ou moderna, mas tem raízes profundas na tradição cristã, compartilhada por mentes santas e respeitadas ao longo dos séculos.

Essa mente pecadora também acredita nisso.

 

Porto, 15 de agosto de 2021, Festa da Assunção de Maria.

 

PS: Só consigo imaginar a morte de Maria por alguns dias, para que isso provocasse uma ressurreição triunfante, com Cristo e uma legião de anjos vindo buscá-la pessoalmente. Creio que, se isso tivesse acontecido, os evangelistas teriam mencionado.

terça-feira, 3 de agosto de 2021

De que a Minha Mãe Morreu ?

Nos últimos dias tenho respondido essa pergunta com muita frequência. “O que foi que aconteceu ? Ela estava bem,” disseram alguns.

O que estava muito bem era a cabeça dela. Ainda estava muito lúcida.
A mamãe morreu dia 24 de julho e dia 28 faria 90 anos e 7 meses. Ela morreu repetindo: “Quando eu ficar velha…” Ficar velha para ela, era ter pouca memória e corpo bastante limitado. Tinha um computador na cabeça. Sabia de datas e números como ninguém. Se um dia lhe disseram um número de telefone, data de nascimento, casamento ou mortes ou determinado acontecimento, ela jamais esqueceria. Era a ela quem recorriarmos para obter informações sobre esses assuntos. "O fulano morreu, no ano tal, dia tal; eu estava de resguardo de fulana." E por falar em resguardo, ela esteve grávida por 144 meses, ou seja, em um período de 20 anos, ela esteve grávida por 12 anos.
Ela ainda dava ordens, administrava sua casa e tinha interação diária pessoalmente ou pelo whatsapp (ferramenta que dominava muito bem) com todos os membros de sua imensa família e com muitos amigos.
Passou sempre com excelentes notas nos exames de sangue, colasterol, triglicerídeos e etc. Deixando os médicos surpresos. E o Pulmão e o coração ? Esses sempre excelentes.
Mas há uns três anos ela disse ao filho que ela amava: “O médico me disse que eu tenho um coração excelente, mas a idade pesa e ele vai ficando fraco. As emoções vão acumulando e ele vai enfraquecendo.”
No dia da partida dela, a nossa vizinha, Severina, mais conhecida como Nega Pesado, que tem 91 anos, me disse: “ A Glória deveria fazer como eu: tomar um copo de vinho todos os dias.” Há aqui um pequeno detalhe. A familia da Dona Nega é ela e filho. A Dona Glória tinha uma família (filhos, netos, bisnetos, genros e noras, dela e dos filhos) que passava de 100 pessoas. Ela era preocupada com os problemas de cada um. Nesse caso, um copo de vinho não era suficiente; seria necessário, no mínimo, uma garrafa inteira.
Dia 26 de julho, dois dias depois de sua partida, Dia dos Avós, Dia da Festa de São Joaquim e Santa Ana, ela comemoraria 70 anos do seu casamento. Casou-se no dia da festa dos santos da devoção dos noivos. E nós, seus 18 filhos, que moramos em Portugal (2), Estados Unidos, Curitiba (2), Sorocaba (SP) e Manaus estaríamos todos presentes. Mas Deus tinha outros planos: “Vocês estarão presentes na despedida dela. Todos os 18 e mais os netos e bisnetos, genros e noras; todos ao redor dela."
Amanheceu o dia 24 gravando vídeos para os filhos, cantando, recitando, mandando mensagens. Quando sentiu que a sua hora tinha chegado, falou para os que estavam por perto: " Chamem meus filhos que eu estou partindo. E estou em paz." Começou a rezar o terço, depois deitou-se, continuou rezando, mas sem som, somente mexendo a boca, e assim entrou na glória de Deus. Partiu como quem apenas dorme.
Mas tem outro detalhe nessa estória. Quando ela disse que iria partir chamamos paramédicos que ligaram nela um frequencímetro, aparelho que mede a frequência cardíaca, e no momento que ele registrou que o coração parou, uma filha, Eliza, não estava presente, a única ausente.
Ela chegou no quarto gritando: "Mamãe, eu estou aqui !" O frequencímetro voltou a registrar batimentos cardíacos. Pronto ! Ela já podia partir em paz.
Alguém pode dizer: “Poxa ! Não dava para esperar só mais uns dias ?” Não. Era assim que Deus queria que fosse.
A mamãe não morreu porque a sua válvula mitral já não funcionava normalmente e, por isso, sabíamos que a sua partida iria acontecer a qualquer momento; apesar da mente ainda funcionar maravilhosamente bem. A mamãe não morreu na véspera, nem um segundo antes e nem um segundo depois do que Deus decidiu.
A resposta a pergunta que muitos fazem é simples: A mamãe morreu de amor. Morreu por amar muito; os seus e os desconhecidos, a quem ajudou muito com atos concretos de caridade. Os pedidos de orações chegavam toda hora e eram muitos. Ficávamos pensando como tirá-la do whatsapp. “ Meu filho” – ligou-me – “morreram de Covid o [João Batista] Gama e a Amazonilda [esposa dele], estou pensando na dor das filhas deles.” “ A Auxilium perdeu o neto. Estou rezando pela dor deles.” E assim era.
Se amava muito, partiu convencida – e repetia sempre – que era muito amada. O amor que recebia dos parentes e amigos contribuiu para ela que vivesse muito, repetia com frequência. Era uma motivação para continuar vivendo. E esse amor recebido fortalecia o coração dela.
Uma vez o padre Noé, redentorista da Aparecida, me contou a seguinte estória: “ Um casal de velhinhos morreu e foi para o Paraíso. Chegando lá, vendo aquela maravilha toda, o velhinho falou meio irritado com a esposa: ´Se não fosse a sua mania de comida natureba, nós já estaríamos aqui há dez anos.” Nós queríamos que a mamãe chegasse aos 100 anos, mas ela foi com dez anos de antecedência. Ela merecia isso.
Dia 26, ela, junto com o noivo, depois de 35 anos juntos e 35 anos separados, comemoraram os 70 anos de união. E nós, seus 18 filhos, também não poderíamos deixar passar essa data sem nenhuma comemoração: almoçamos juntos na casa dela, pela primeira vez sem sua presença a física, mas felizes, rindo, chorando e como sempre, todos falando ao mesmo tempo. Depois, fomos para a frente da casa para a foto oficial. A vizinhança, especialmente a Dona Nega, que tudo observava e não entendia nada, se perguntava: “ O que é essa alegria toda ? A mamãe deles não morreu há dois dias?"
Mamãe e o filho que ela amava
A noite, dando continuidade a programação, nós filhos, netos , bisnetos e agregados fizemos a festa dos 70 anos de casamento dos nossos pais.
Isso só foi possível pelo que aprendemos com eles. Sabemos que o dia mais feliz nas vidas deles, foi o dia da partida de cada um. Eu gosto de dizer que a morte, para algumas pessoas, só é ruim para os que ficam.
Fizemos a festa, cantando, comendo, bebendo, chorando, felizes e tristes, mas com muita fé. Fé que aprendemos com eles. É a alegria do agradecimento. É uma dívida impagável para com Deus. Pela sua bondade e generosidade para conosco, que não somos merecedores de ter tido os pais que tivemos.
Deus é muito bom. Morrer é muito bom! A mamãe merecia morrer.
Muito obrigado Deus Todo Poderoso !