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segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Afinal, Nossa Senhora Morreu ou Não Morreu?

       “Porque olhou para a sua pobre serva. Por isso, desde agora, me proclamarão bem-aventurada todas as gerações, porque realizou em mim maravilhas aquele que é poderoso e cujo nome é santo.”

Desde que nasci, frequentei, por quatro décadas, quando era solteiro em Manaus, a igreja – hoje Santuário – de Nossa Senhora Aparecida. Ouvi e aprendi que Maria subiu de corpo e alma para o Céu; ou seja, Maria nunca morreu. Segundo a doutrina católica, isso é chamado de Assunção de Maria, proclamada como dogma de fé em 1950. Será que os padres realmente disseram isso, ou fui eu quem chegou a essa conclusão?

Há cerca de quinze anos, na festa que hoje se comemora, 15 de agosto, Assunção de Nossa Senhora ao Céu, o padre redentorista Luís Kirchner disse algo que já sabíamos. Reafirmando o dogma de fé proclamado pela Igreja e definido pelo Papa Pio XII, em 1950, por meio da Constituição Apostólica Munificentissimus Deus: “A Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial.”

 Deve-se lembrar que foi uma decisão quase colegiada. O Sumo Pontífice havia consultado o episcopado, por meio da carta encíclica Deiparae Virginis Mariae, sobre a necessidade de definir esse dogma: “Assunta em corpo e alma à glória celestial.” Ou seja, houve um processo consultivo amplo antes da definição oficial.

É ponto pacífico que ela subiu com ajuda divina. Não foi uma ascensão como a de Cristo, mas uma assunção. A verdade é que todo acréscimo a esse texto é fruto da imaginação de cada um.

Estava tudo tão certo na minha cabeça, até que, em uma novena em honra de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que ocorre todas as terças-feiras em Aparecida, com mais de dois mil fiéis na igreja, o padre, na homilia, falou sobre a morte de Nossa Senhora.

Fiquei em estado de choque e irritado com ele. Já tinha quase 50 anos e nunca tinha ouvido falar sobre isso. Pensei: o que é que ele está dizendo? Ele está ensinando errado. E o dogma de que Maria subiu ao Céu com corpo e alma? Se ela morreu e subiu de corpo e alma, então ela morreu e ressuscitou? Morte significa a separação do corpo e da alma. Se Maria morreu, a alma se separou do corpo, depois voltou ao corpo ? Isso não faz o menor sentido.

O padre de Aparecida completou que as Igrejas orientais chamam isso de “Dormição de Nossa Senhora”.




Dormição de Nossa Senhora — o que é isso? Trata-se de um eufemismo (“acepção mais agradável, utilizada para suavizar ou minimizar o peso negativo de outra palavra”) para dizer que Maria morreu. Na realidade, dormiu, acordou e subiu ao Céu de corpo e alma. É exatamente isso que as Igrejas orientais celebram.

Mas elas não estão sozinhas. São João Paulo II também acreditava nisso. Ele disse, numa catequese das quartas-feiras, em 25 de junho de 1997, em A Dormida da Mãe de Deus: “Qualquer que tenha sido o fato orgânico e biológico que, sob o aspecto físico, causou a cessação da vida do corpo, pode-se dizer que a passagem desta vida à outra constituiu, para Maria, uma maturação da graça na glória, de tal forma que, jamais como nesse caso, a morte pôde ser concebida como uma 'dormida'.”

Talvez eu tenha de ler o discurso todo para verificar se o Santo Padre apresenta algum argumento sobre a necessidade de Nossa Senhora morrer. Enquanto isso não acontece, deixa-me lembrar que o Papa Bento XVI, durante o seu pontificado, também escreveu livros. Ele deixou claro que, quando o Papa quer doutrinar, direcionar e catequizar toda a Igreja, ele não escreve um livro, mas publica uma encíclica. Escrever um livro, segundo ele, serve para justificar e deixar claro que o conteúdo é a opinião pessoal do autor. É óbvio que tudo o que o Papa diz ou escreve, seja em encíclica ou em livro, tem grande peso para a Igreja inteira.

Resolvi pesquisar sobre o assunto, mas não fui muito longe. Decepcionado parei porque fiquei triste com o que li.                                                                                                                                             Mais ou menos há um ano e meio, no grupo de WhatsApp com amigos que há mais de 40 anos participaram de um grupo de jovens em Aparecida, esse assunto voltou a ser comentado. Então, esperei a chegada da Festa da Assunção de Maria para escrever algo no meu blog sobre isso. Isso faz um ano. Rascunhei algumas ideias, mas novamente abandonei o assunto. Notei que há muito mais pessoas que acreditam na morte de Maria do que as que não acreditam.

Na discussão virtual, eu defendia que Maria nunca morreu. Em defesa da morte de Nossa Senhora, uma amiga disse o seguinte: “Se Jesus morreu, Maria também tinha de morrer. Ela não era mais importante do que Ele.” Em algum lugar já tinha ouvido esse argumento. Mas, se ele é válido, Elias e Henoc (ou Enoque) seriam mais importantes do que Cristo, porque os dois profetas nunca morreram.

No segundo livro dos Reis, capítulo 2, versículo 1, encontramos: “Eis o que se passou no dia em que o Senhor arrebatou Elias ao céu num turbilhão…” No início desse capítulo, é narrada a conversa entre Elias e Eliseu. Em seguida:

  1. “Tendo passado, Elias disse a Eliseu: Pede-me algo antes que eu seja arrebatado de ti: que posso eu fazer por ti?” Elias não foi pego de surpresa; ele sabia o que iria acontecer. Eliseu respondeu: “Seja-me concedida uma porção dobrada do teu espírito.”
  2. “Pedes uma coisa difícil – replicou Elias –. Entretanto, se me vires quando eu for arrebatado de ti, isso te será dado; mas se não me vires, não te será dado.”
  3. “Continuando o seu caminho, entretidos a conversar, eis que de repente um carro de fogo com cavalos de fogo os separou um do outro, e Elias subiu ao céu num turbilhão.”

Desde então, não se tem mais notícia de Elias, embora tenha sido procurado. Ele reaparece na Bíblia junto com Moisés, na transfiguração do Monte Tabor.

E o que aconteceu com Enoque ?

Na segunda carta aos Hebreus, capítulo 11, versículo 5, São Paulo escreveu: “Pela fé, Enoque foi arrebatado, sem ter conhecido a morte; e não foi achado, porquanto Deus o arrebatou; mas a Escritura diz que, antes de ser arrebatado, ele tinha agradado a Deus (Gn 5,24).” Isso demonstra que, mesmo na tradição bíblica, há exceções humanas à morte física, concedidas por Deus.

Assim sendo, o argumento de que Maria tinha de morrer porque Jesus morreu e ela não era maior que Ele, não se sustenta.

Como Maria, não há igual. Jesus disse sobre João Batista (Lc 7,28): “Pois vos digo: entre os nascidos de mulher não há maior que João.” E a Igreja decretou que João Batista nasceu sem o pecado original? Não. Mas Maria, sim. Ela está em uma categoria única: é a mãe de Deus, o único sacrário vivo. Ela é a Arca da Nova Aliança, símbolo da presença viva de Deus na humanidade. A rainha vestida esplendidamente de ouro de Ofir, que reina no Céu vestida de Sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas (Ap 12,1). Ela é bendita entre todas as mulheres, e todas as gerações a chamarão de bem-aventurada. As leis divinas que se aplicam aos outros seres humanos não se aplicam a ela.

Na carta aos Romanos, capítulo 6, versículo 23, São Paulo diz: “Porque o salário do pecado é a morte, enquanto o dom de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor.” A morte mencionada é a morte eterna, oposta à vida eterna, mas também pode ser aplicada à morte física. Maria, concebida sem pecado e vivendo toda a sua existência em santidade, não precisaria passar pela morte física nem pelo pecado, recebendo de Deus uma Assunção direta.

Muitos de nós já ouvimos falar de santos cujos corpos permanecem incorruptos: intactos, conservados sem qualquer produto para mantê-los assim. Isso só é possível porque Deus assim o quis. Pelo grau de santidade desses santos, poderíamos dizer que o corpo não sofreu a corrupção da morte; apenas a alma se separou deles. É um prêmio e um sinal de Deus pelo amor recebido. E ninguém amou mais a Deus do que Maria.

Imagine a situação de Nossa Senhora, a puríssima Mãe de Deus, porque ela haveria de morrer? Ou passar pela dormição?

Isso não faz sentido. Trata-se de uma crença, e não de uma certeza. Acreditar nisso é esquecer quem é Maria na história da salvação. O que se aplica aos outros seres humanos não se aplica a ela.

Deus disse: “…Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2,17). Aqui, trata-se da morte física também. Por isso, todos morremos. A morte é precedida pelo pecado, o que diz respeito a todos os seres humanos, exceto a Maria, porque ela não comeu desse fruto.

São Paulo acrescenta: “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram” (Romanos 5,12). Morremos porque pecamos — exceto a Virgem Santíssima. Portanto, isso não se aplica a ela; ela não passaria pela morte.

São Paulo também diz que, com a segunda vinda de Cristo, alguns não passarão pela morte física: “Eis que vos revelo um mistério: nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados, num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Coríntios 15,51-52).

Se na segunda vinda de Cristo nem todos morrerão, por que, na sua primeira vinda, Maria, obrigatoriamente, teria de morrer?

Até que se prove o contrário, este herege acredita que Maria Santíssima, como afirma o dogma da Igreja Católica, subiu aos Céus de corpo e alma, sem nunca ter morrido.

Como já vimos, a morte e o pecado andam juntos: a morte é consequência do pecado. Se Maria nunca pecou, logo Maria nunca morreu.

O dogma da Imaculada Conceição de Maria foi confirmado pela própria Virgem. Quando Nossa Senhora apareceu à jovem Bernadette Soubirous, em uma gruta em Lourdes, França, e esta perguntou: “Quem é a senhora?”, Maria respondeu: “Eu sou a Imaculada Conceição.” Por que Maria teria de passar pela morte ?

As Escrituras Sagradas nos trazem muitas informações. A elas se somam as revelações de Jesus e Maria, feitas presencialmente a videntes e santos. São famosas as aparições em Fátima, os escritos de Santa Faustina e de Santa Brígida, para citar apenas alguns exemplos. As santas registraram seus diálogos com Cristo e com Nossa Senhora. Mas nenhum vidente, santo ou santa divulgou que ouviu de Maria que ela tenha morrido.

A vidente Vicka Ivankovic, de Medjugorje, há anos divulga que está escrevendo um livro sobre a vida de Nossa Senhora, com textos ditados pela própria Virgem Maria. Possivelmente, quando o livro for publicado, saberemos se Maria morreu ou não — e, se morreu, qual seria a necessidade para a nossa salvação ou qual o desígnio de Deus nesse acontecimento.

Eu ainda não entendi a necessidade de Maria ter morrido. Quando me lembro dos profetas que não morreram; da profecia de que uma espada atravessaria seu coração; quando lembro, sendo pai, da fuga para o Egito, porque queriam matar seu bebê; quando me lembro, como pai, do desespero de ter perdido seu filho por alguns dias; quando penso que, possivelmente, por onde ela andava, não presenciava violência nem brigas entre pessoas; mas presenciou violência pela primeira vez justamente ao ver seu Filho amado sendo flagelado; quando penso em todo o percurso até o Calvário, no intenso sofrimento registrado no Véu de Verônica; quando penso, como pai, no quanto Maria sofreu ao presenciar, por três intermináveis horas, o infinito sofrimento de Cristo na cruz e depois a dor de tê-lo morto nos braços; quando penso que ninguém jamais amou e sofreu tanto por Cristo… Até que se prove o contrário, recuso-me a acreditar que Maria, a mãe de Deus, precisava morrer. Para mim, isso não faz sentido. Espero não ser excomungado por causa disso.

Não sou o único a questionar a morte de Maria. Ao longo da história da Igreja, diversos santos e doutores da fé também refletiram sobre esse mistério e acreditavam que a Virgem Santíssima não teria passado pela morte. Entre eles, Santo Irineu de Lyon, São João Damasceno, São Germano de Constantinopla e Santo Afonso Maria de Ligório sugeriram, em seus escritos, que a Assunção de Maria poderia ter ocorrido sem a separação de sua alma do corpo. Santo Afonso, inclusive, respeitava a opinião daqueles que pensavam de forma diferente sobre o assunto. Esses exemplos mostram que a crença de que Maria não morreu não é uma invenção pessoal ou moderna, mas tem raízes profundas na tradição cristã, compartilhada por mentes santas e respeitadas ao longo dos séculos.

Essa mente pecadora também acredita nisso.

 

Porto, 15 de agosto de 2021, Festa da Assunção de Maria.

 

PS: Só consigo imaginar a morte de Maria por alguns dias, para que isso provocasse uma ressurreição triunfante, com Cristo e uma legião de anjos vindo buscá-la pessoalmente. Creio que, se isso tivesse acontecido, os evangelistas teriam mencionado.

Um comentário:

  1. Para mim ela não morreu, ela era a mãe de Deus, que eu saiba ela foi para um deserto e os anjos a levaram ao céu

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