Pesquisar este blog

quinta-feira, 31 de julho de 2025

𝐓𝐫𝐮𝐦𝐩 𝐞 𝐨 𝐓𝐚𝐫𝐢𝐟𝐚𝐜̧𝐨: 𝐐𝐮𝐞𝐦 𝐑𝐞𝐚𝐥𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐏𝐚𝐠𝐚 𝐚 𝐂𝐨𝐧𝐭𝐚?


A partir de 6 de agosto (e não mais dia 1º), entram em vigor o tarifaço que Trump impôs ao Brasil. Hoje, o Secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, disse algo mais ou menos assim: “O Japão vai pagar 10%, a União Europeia 15% e o Brasil 50% de tarifa.”

Isso é mais retórica política do que economia real. Nenhum país que transaciona com a América vai pagar mais. Esse é o valor do imposto de importação que os importadores americanos vão recolher ao governo sobre os produtos comprados no exterior.

O importador americano paga a tarifa na entrada do produto. Para não reduzir o lucro, ele a repassa parcial ou totalmente ao consumidor final. Em tese, quem acaba arcando com essa tarifa é o consumidor nos Estados Unidos. Isso significa que, embora a narrativa oficial seja de “punir” países exportadores, o efeito imediato é inflacionário dentro da própria economia americana, corroendo o poder de compra da população

Se o importador não conseguir repassar tudo — porque o consumidor pode deixar de comprar —, ele absorve parte da perda ou vende menos. É aí que surgem consequências para o país exportador: exportará menos, reduzindo sua receita. Em alguns casos, o exportador estrangeiro reduz seu preço para não perder mercado, dividindo o prejuízo. Aqui se vê um paradoxo: enquanto os EUA dizem proteger seus produtores internos, podem acabar apenas criando turbulência nos fluxos comerciais globais.

Não por acaso, alguns importadores americanos já prometeram entrar na Justiça contra a medida, alegando que não há justificativa econômica para um tarifaço dessa magnitude, já que os Estados Unidos mantêm um superavit comercial de US$ 7 bilhões em relação ao Brasil. Para eles, a decisão é puramente política e fere princípios de livre concorrência e acordos internacionais.

Para entender melhor, basta olhar para alguns exemplos concretos. O café brasileiro, responsável por cerca de 30% do café consumido nos EUA, movimentou US$ 2 bilhões em 2024 só no mercado americano. Com a tarifa de 50%, o custo para os torradores nos EUA dispara, e os preços ao consumidor — já em alta de quase 9% em 2025 — devem subir ainda mais. Pequenos produtores brasileiros, que operam com margens estreitas, ficam sem fôlego, e a competitividade do café nacional no maior mercado mundial despenca. Isso deverá levar os importadores a buscarem fornecedores alternativos, como Colômbia e Vietnã — o que pode abrir espaço para o Brasil tentar reconquistar mercados, mas a um custo elevado e sem garantia de sucesso.

A situação é semelhante na carne bovina. No primeiro semestre de 2025, o Brasil exportou para os EUA cerca de 181 mil toneladas, gerando US$ 1 bilhão em receita — cerca de 12% do total exportado. Após o anúncio da tarifa, os embarques despencaram: eram 47,8 mil t em abril, e em julho apenas 9,7 mil t — queda de mais de 80%. A tarifa de 50% soma-se a outras já existentes, e o ônus final pode alcançar 76% sobre a carne brasileira. Estima-se uma perda de até US$ 1 bilhão no segundo semestre, com risco de triplicar em 2026. Os importadores americanos tendem agora a aumentar compras de países como Austrália e México, enquanto o Brasil tenta redirecionar volumes para mercados do Oriente Médio e Ásia — mas sem garantia de preço ou participação.

Todas as vezes que ocorrem problemas com os laranjais da Flórida ou Califórnia, o suco de laranja sobe no Brasil, porque a exportação aumenta, reduzindo a oferta doméstica. Com o tarifaço, acontece o inverso: mais oferta interna, mas menos entrada de dólares, pressionando o real.

No fundo, tarifas deste tipo são mais armas políticas do que políticas econômicas sustentáveis. Podem agradar certos eleitores no curto prazo, mas fragilizam a confiança internacional e prejudicam a economia americana. O ganho imediato está na arrecadação e no discurso político. Mas, como mostram os exemplos do café e da carne, as perdas tendem a ser muito maiores que os ganhos.

     Como alerta, o economista Paul Krugman, prêmio Nobel, qualificou o plano como “grotescamente ilegal” e criticou o argumento de que o governo americano não repassaria a tarifa ao consumidor. Segundo ele, “ninguém tem margem de lucro para absorver isso” e exortou que, uma vez que ficou evidente que a política veio para ficar, “acabará sendo o consumidor americano quem pagará” (wunc.org, Reuters).

Não há, portanto, ganho real para o crescimento do PIB americano. A medida não estimula a produção interna de forma sustentável: encarece a importação, reduz o poder de compra do consumidor — que responde por cerca de 70% do PIB dos EUA — e eleva os custos de empresas que dependem de insumos importados. O resultado líquido é negativo: mais inflação, menos consumo e menor investimento, o que corrói o PIB potencial.

Até o dia 6 de agosto tudo pode mudar — e nessa equação ainda falta a resposta de reciprocidade do Brasil prometida pelo governo. Vale lembrar também que 694 produtos ficaram fora do tarifaço, o que ainda permite espaço para negociações. Mas o que não parece possível é imaginar que uma anistia a Bolsonaro - exigida por Trump - pudesse ser usada como moeda de troca para impedir o tarifaço. Seria ingenuidade do Brasil cogitar isso sem qualquer garantia - até porque, com ou sem anistia, o tarifaço viria de qualquer jeito.

Enquanto isso, o brasileiro pode, ao menos por ora, aproveitar os preços mais baixos no mercado interno. Ironicamente, foi Trump quem acabou ajudando Lula a cumprir uma promessa de campanha: picanha mais barata para o churrasco. Agora só falta baixar o preço da cerveja.

 Cláudio Nogueira


PS. Para melhor entender o comércio  entre as nações sugiro ler: Alguém tem de apresentar David Ricardo a Donald Trump

𝐓𝐫𝐮𝐦𝐩 𝐚𝐧𝐝 𝐭𝐡𝐞 𝐓𝐚𝐫𝐢𝐟𝐟 𝐒𝐡𝐨𝐜𝐤: 𝐖𝐡𝐨 𝐑𝐞𝐚𝐥𝐥𝐲 𝐏𝐚𝐲𝐬 𝐭𝐡𝐞 𝐏𝐫𝐢𝐜𝐞?

 To my dear teach who lives in Atlanta.

   Starting on August 6 (and no longer on August 1), the heavy tariffs Trump imposed on Brazil will take effect. Today, U.S. Secretary of Commerce Howard Lutnick said something along the lines of: “Japan will pay 10%, the European Union 15%, and Brazil 50% in tariffs.”

This is more political rhetoric than real economics. No country trading with America will pay more. This is the amount of import tax that American importers will pay to the government on goods purchased abroad.

The U.S. importer pays the tariff at the border. To avoid reducing profit margins, they pass it on—partially or entirely—to the final consumer. In theory, it is the American consumer who ultimately bears the cost. This means that, although the official narrative is about “punishing” exporting countries, the immediate effect is inflationary within the U.S. economy itself, eroding households’ purchasing power.

If the importer cannot pass on the full cost—because consumers may stop buying—they absorb part of the loss or reduce sales. That’s where the impact hits the exporting country: fewer exports, therefore less revenue. In some cases, the foreign exporter lowers prices to avoid losing market share, sharing the loss. Here lies a paradox: while the U.S. claims to protect domestic producers, it may end up only creating turbulence in global trade flows.

Not surprisingly, some American importers have already vowed to take the matter to court, arguing that there is no economic justification for such a massive tariff, given that the United States maintains a $7billion trade surplus with Brazil. In their view, the decision is purely political and violates the principles of free competition and international agreements.

To better understand, let’s look at some concrete examples. Brazilian coffee, which accounts for about 30% of U.S. coffee consumption, generated $2billion in 2024 in the American market alone. With a 50% tariff, costs for U.S. roasters will soar, and consumer pricesalready up nearly 9% in 2025are set to climb further.

Small Brazilian farmers, who already operate on thin margins, are left breathless, and the competitiveness of Brazilian coffee in the worlds largest market collapses. Importers will likely turn to suppliers such as Colombia or Vietnam—forcing Brazil to chase other markets at high cost and with no guarantee of success.

The story is similar for beef. In the first half of 2025, Brazil exported about 181,000 tons to the U.S., generating $1billionaround 12% of its total beef exports. After the tariff announcement, shipments plunged: from 47,800 tons in April to just 9,700 tons in Julya drop of more than 80%. The 50% tariff stacks on top of existing duties, bringing the total burden on Brazilian beef as high as 76%. Losses in the second half of the year are estimated at up to $1billion, with risks tripling in 2026. U.S. importers are expected to increase purchases from countries like Australia and Mexico, while Brazil attempts to divert volumes to the Middle East and Asia—but with no guarantee of price or market share.

Whenever citrus crops in Florida or California are hit by problems, orange juice prices in Brazil rise because exports surge, reducing domestic supply. With this tariff shock, the opposite occurs: more supply at home, but fewer dollars entering the country, putting pressure on the Brazilian real.

Ultimately, tariffs of this kind are more political weapons than sustainable economic policy. They may please certain voters in the short term but undermine international trust and harm the U.S. economy. The immediate gain lies in revenue collection and political messaging. But as the coffee and beef examples show, losses tend to far outweigh the gains.

As Nobel laureate economist Paul Krugman has warned, the plan is “grotesquely illegal” and based on the false claim that the U.S. government would not pass tariffs on to consumers. According to him, “no one has profit margins to absorb this”, and once it’s clear the policy is here to stay, “it will ultimately be the American consumer who pays.” (wunc.org, Reuters).

There is, therefore, no real gain for U.S. GDP growth. The measure does not sustainably boost domestic production: it makes imports more expensive, cuts consumer purchasing power—which accounts for about 70% of U.S. GDP—and raises costs for companies reliant on imported inputs. The net result is negative: more inflation, less consumption, and lower investment, which erodes potential GDP.

Until August 6, everything could still change—and Brazil’s reciprocal response, promised by its government, is yet to come. It is also worth noting that 694 products were left out of the tariff list, leaving room for negotiations. What seems impossible, however, is the notion that an amnesty for Bolsonaro—allegedly demanded by Trump—could be used as a bargaining chip to stop the tariff plan. It would be naïve for Brazil to even consider this without any guarantee—especially since, with or without amnesty, the tariffs were coming anyway.

Meanwhile, Brazilians can, at least for now, enjoy lower domestic prices. Ironically, it was Trump who ended up helping Lula fulfill a campaign promise: cheaper steak for the barbecue. Now we’re only waiting for beer prices to drop.

 

Cláudio Nogueira