A partir de 6 de agosto (e não mais dia 1º), entram em vigor o tarifaço que Trump impôs ao Brasil. Hoje, o Secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, disse algo mais ou menos assim: “O Japão vai pagar 10%, a União Europeia 15% e o Brasil 50% de tarifa.”
Isso é mais retórica política do que economia real. Nenhum país que transaciona com a América vai pagar mais. Esse é o valor do imposto de importação que os importadores americanos vão recolher ao governo sobre os produtos comprados no exterior.
O importador americano paga a tarifa na entrada do produto. Para não reduzir o lucro, ele a repassa parcial ou totalmente ao consumidor final. Em tese, quem acaba arcando com essa tarifa é o consumidor nos Estados Unidos. Isso significa que, embora a narrativa oficial seja de “punir” países exportadores, o efeito imediato é inflacionário dentro da própria economia americana, corroendo o poder de compra da população
Se o importador não conseguir repassar tudo — porque o consumidor pode deixar de comprar —, ele absorve parte da perda ou vende menos. É aí que surgem consequências para o país exportador: exportará menos, reduzindo sua receita. Em alguns casos, o exportador estrangeiro reduz seu preço para não perder mercado, dividindo o prejuízo. Aqui se vê um paradoxo: enquanto os EUA dizem proteger seus produtores internos, podem acabar apenas criando turbulência nos fluxos comerciais globais.
Não
por acaso, alguns importadores americanos já prometeram entrar na Justiça
contra a medida, alegando que não há justificativa econômica para um tarifaço
dessa magnitude, já que os Estados Unidos mantêm um superavit comercial de
US$ 7 bilhões em relação ao Brasil. Para eles, a decisão é puramente política e
fere princípios de livre concorrência e acordos internacionais.
Para
entender melhor, basta olhar para alguns exemplos concretos. O café brasileiro,
responsável por cerca de 30% do café consumido nos EUA, movimentou US$ 2
bilhões em 2024 só no mercado americano. Com a tarifa de 50%, o custo para os
torradores nos EUA dispara, e os preços ao consumidor — já em alta de quase 9%
em 2025 — devem subir ainda mais. Pequenos produtores brasileiros, que operam
com margens estreitas, ficam sem fôlego, e a competitividade do café nacional
no maior mercado mundial despenca. Isso deverá levar os importadores a buscarem
fornecedores alternativos, como Colômbia e Vietnã — o que pode abrir espaço
para o Brasil tentar reconquistar mercados, mas a um custo elevado e sem
garantia de sucesso.
A
situação é semelhante na carne bovina. No primeiro semestre de 2025, o Brasil
exportou para os EUA cerca de 181 mil toneladas, gerando US$ 1 bilhão em
receita — cerca de 12% do total exportado. Após o anúncio da tarifa, os
embarques despencaram: eram 47,8 mil t em abril, e em julho apenas 9,7 mil t —
queda de mais de 80%. A tarifa de 50% soma-se a outras já existentes, e o ônus
final pode alcançar 76% sobre a carne brasileira. Estima-se uma perda de até US$ 1
bilhão no segundo semestre, com risco de triplicar em 2026. Os importadores
americanos tendem agora a aumentar compras de países como Austrália e México,
enquanto o Brasil tenta redirecionar volumes para mercados do Oriente Médio e
Ásia — mas sem garantia de preço ou participação.
Todas
as vezes que ocorrem problemas com os laranjais da Flórida ou Califórnia, o
suco de laranja sobe no Brasil, porque a exportação aumenta, reduzindo a oferta
doméstica. Com o tarifaço, acontece o inverso: mais oferta interna, mas menos
entrada de dólares, pressionando o real.
No
fundo, tarifas deste tipo são mais armas políticas do que políticas econômicas
sustentáveis. Podem agradar certos eleitores no curto prazo, mas fragilizam a
confiança internacional e prejudicam a economia americana. O ganho imediato
está na arrecadação e no discurso político. Mas, como mostram os exemplos do
café e da carne, as perdas tendem a ser muito maiores que os ganhos.
Como alerta, o economista Paul
Krugman, prêmio Nobel, qualificou o plano como “grotescamente ilegal” e
criticou o argumento de que o governo americano não repassaria a tarifa ao
consumidor. Segundo ele, “ninguém tem margem de lucro para absorver isso”
e exortou que, uma vez que ficou evidente que a política veio para ficar, “acabará
sendo o consumidor americano quem pagará” (wunc.org,
Reuters).
Não
há, portanto, ganho real para o crescimento do PIB americano. A medida não
estimula a produção interna de forma sustentável: encarece a importação, reduz
o poder de compra do consumidor — que responde por cerca de 70% do PIB dos EUA
— e eleva os custos de empresas que dependem de insumos importados. O resultado
líquido é negativo: mais inflação, menos consumo e menor investimento, o que
corrói o PIB potencial.
Até
o dia 6 de agosto tudo pode mudar — e nessa equação ainda falta a resposta de
reciprocidade do Brasil prometida pelo governo. Vale lembrar também que 694
produtos ficaram fora do tarifaço, o que ainda permite espaço para negociações.
Mas o que não parece possível é imaginar que uma anistia a Bolsonaro - exigida
por Trump - pudesse ser usada como moeda de troca para impedir o tarifaço.
Seria ingenuidade do Brasil cogitar isso sem qualquer garantia - até porque,
com ou sem anistia, o tarifaço viria de qualquer jeito.
Enquanto
isso, o brasileiro pode, ao menos por ora, aproveitar os preços mais baixos no
mercado interno. Ironicamente, foi Trump quem acabou ajudando Lula a cumprir
uma promessa de campanha: picanha mais barata para o churrasco. Agora só falta
baixar o preço da cerveja.
Cláudio Nogueira
PS. Para melhor entender o comércio entre as nações sugiro ler: Alguém tem de apresentar David Ricardo a Donald Trump
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