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sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Triste Advento

    No dia 12 de dezembro do ano passado, enviei duas cartas ao Vaticano: uma ao Cardeal Arthur Roche, Prefeito do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, e outra ao Papa Francisco, pedindo que a oração do “Glória” não fosse retirada das missas dominicais no Advento. Recebi resposta de ambos.
  Dia 4 deste mês, escrevi minha "tréplica" — desta vez por e-mail — dirigida a vários cardeais, organizados em três grupos, com cartas em português, inglês e italiano. O primeiro texto abaixo é o e-mail enviado na semana passada; o segundo é a carta. 

O Email.

Prezados Pastores, boa tarde !

Em 12 de dezembro do ano passado, enviei, por carta, o texto em anexo — redigido em três línguas, português, inglês e em italiano — à Sua Santidade Papa Francisco e ao Cardeal Arthur Roche, Prefeito do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, expondo as minhas motivações e solicitando que o “Glória” também fosse rezado nas missas dominicais durante o período do Advento, visto que ele é suprimido nesse tempo litúrgico.
   Da parte do Cardeal, recebi uma resposta, via e-mail, do Monsenhor Enda Murphy, seu chefe de gabinete; e, em nome de Sua Santidade, recebi uma correspondência não assinada da Conferência Episcopal Portuguesa. A ambos agradeço a gentileza das respostas.
    A mensagem do Monsenhor, enviada em português, após descrever o meu pedido, dizia:
   “Tomamos em consideração quanto nos foi comunicado e agradecemos a sua preocupação e amor à sagrada Liturgia. De facto, como V. Ex.ª bem sabe, não se reza o Glória não apenas no Advento, mas também na Quaresma e nas celebrações feriais. Tal acontece tendo em conta a normativa litúrgica bem fundamentada [o destaque da frase foi dado por mim] e estabelecida a partir da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II.
   Para estas e outras questões semelhantes, deverá dirigir-se ao Serviço Litúrgico Diocesano ou à Comissão para a Liturgia da Conferência Episcopal do seu país.”
   Da parte dos bispos portugueses, a resposta, em resumo, foi esta: procure a orientação de um sacerdote.
     Ao comentar o assunto com um padre amigo, ele me disse:
   “A Quaresma é um tempo de preparação, oração, jejum e penitência para a Páscoa; por isso, a Igreja recomenda uma atitude mais silenciosa e introspectiva, em contraste com a alegria festiva do Glória.”
    O Advento é tempo de quê?
   É tempo de alegria, de festa, de celebrarmos a vinda do Salvador — o Deus que se fez carne e veio habitar entre nós.
   Esse raciocínio para mim não está fazendo muito sentido. Esse ano, dia 19 de março, dia da festa de São José, foi dentro da Quaresma; e nesse dia o “Glória” foi rezado.
   São José é mais importante que a atitude mais silenciosa e introspectiva em relação à Paixão de Cristo? Nada contra São José, muito pelo contrário.
    As missas que antecedem o nascimento de Cristo deveriam ser momentos de grande alegria.
   Todos sabem como é o carnaval no Brasil. A festa atinge o seu auge nos cinco dias que antecedem a Quarta-Feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma — o que pode ocorrer em fevereiro ou março.
   A partir das festas de Ano Novo, começam os bailes de carnaval em diversos clubes e casas noturnas, principalmente nos fins de semana que antecedem os dias oficiais da folia.
  E o que acontece? Por mais animados que sejam esses bailes pré-carnavalescos, eles não apagam o brilho nem a euforia do verdadeiro carnaval. Muito pelo contrário: servem como um aquecimento e ajudam a aumentar a expectativa e a ansiedade pela chegada da grande festa.
   Assim deveriam ser os domingos do Advento.
   Essa questão parece corroborar o que me disse outro sacerdote, para minha surpresa:
  “Isso é apenas a ideologia do Papa. Não há nada de dogmático nisso; é apenas uma questão de opinião sobre como deve ser.” Talvez ideologia seja uma palavra forte.
   Ele acrescentou que nunca se preocupou particularmente com o assunto e nem sabia ao certo se a decisão partira de um Papa ou de um cardeal.
  Fico imaginando se, antes do Concílio Vaticano II, alguém tivesse proposto uma mudança — como faço agora — que a missa fosse celebrada no vernáculo. É muito provável que uma ideia assim fosse considerada uma aberração, um absurdo, uma tentativa descabida de alterar uma prática milenar da Igreja. Talvez até uma heresia.
   Entretanto, o Papa Paulo VI teve a coragem de promover uma mudança profunda com o Novus Ordo Missae, reformando uma tradição de séculos. Posteriormente, o Papa Bento XVI, em 2007, com o documento Summorum Pontificum, permitiu a celebração da missa em latim segundo o Missal de 1962 — a chamada Missa Tridentina — declarando que qualquer padre poderia celebrá-la sem necessidade de autorização episcopal.
   O Papa Francisco, por sua vez, adotou posição diferente ao restringir, motu proprio, a celebração da missa em latim. Contudo, há poucas semanas, o Papa Leão ofereceu a Basílica de São Pedro para a celebração da Missa Tridentina.
  Quem, afinal, está certo e quem está errado? Se não se trata de um dogma de fé, tudo pode ser mudado.
  Se alguém tivesse solicitado ao Papa Francisco que suspendesse a Missa Tridentina por considerá-la contrária às decisões do Concílio Vaticano II, provavelmente teria recebido — e a carta com o pedido nem chegaria às mãos do Papa — a resposta de que a decisão de Bento XVI em permitir sua celebração estava “bem fundamentada”.
  Peço aos senhores que leiam a carta em anexo e, se possível, colaborem para que ela chegue até ao Santo Padre. Quem sabe, talvez ele concorde com o meu pedido.
  “Orai sem cessar. Em tudo dai graças.” (1 Tessalonicenses 5,17-18)
  A oração e o louvor não conhecem medida, pois quanto mais se eleva o coração a Deus, mais se cumpre a Sua vontade.
   Desejo a todos um abençoado Advento.
Cláudio Nogueira

A Carta - o pedido

Porto, Portugal, 12 de dezembro de 2024
A Sua Santidade Papa Francisco,
A Sua Eminência Reverendíssima Cardeal Arthur Roche

 Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.

É com profunda tristeza que percebo a supressão do “Glória” nas missas no período do Advento. Se não me engano, o argumento para essa prática - tanto agora quanto na Quaresma - é que, ao rezá-lo novamente no Natal, o celebraremos com mais entusiasmo. Se essa lógica se aplica, por que não retirar também o “Aleluia” antes da leitura do Evangelho? Geralmente ele é cantado com grande entusiasmo.

Se esse for o real motivo, estaríamos diante de uma situação curiosa: a ideia de que uma oração teria mais valor quando rezada apenas uma vez do que quando repetida várias vezes. É como se a parte fosse maior que o todo.

Alguém, em sua sabedoria, tomou essa decisão, mas ela deveria ser reconsiderada. O que é isso, afinal? Uma fórmula para ajudar na nossa salvação?

O mais interessante é que, no Dia de Nossa Senhora da Conceição, em 8 de dezembro - que este ano aconteceu em um domingo, mas que mesmo quando é em dia de semana - o "Glória" volta a ser rezado.

- “Mas é um dia especial. É o dia da Mãe de Deus.”

- Sim. Mas todo domingo é o dia do Senhor. E é muito bom proclamar: Nós Vos louvamos, nós Vos bendizemos, nós Vos adoramos, nós Vos glorificamos, nós Vos damos graças por Vossa imensa glória." Já estava na hora de acrescentarmos: Nós Vos amamos.

Esta oração, tão rica e bela, é mais do que um simples canto litúrgico; ela é uma expressão profunda de louvor e contrição que nos conecta diretamente com a essência da fé cristã. Para mim, é mais importante até mesmo do que o salmo. No “Glória”, todos rezamos juntos, nos expressamos; no salmo, na missa, apenas repetimos o refrão. O pior é quando, ao rezar o salmo, tornam a forma mais importante do que o conteúdo, mesmo em detrimento do entendimento.

O “Glória” não é apenas um louvor, mas também um reconhecimento da nossa pequenez diante da grandeza divina. Ao proclamarmos: “Nós Vos damos graças por Vossa imensa glória, tornamos a Eucaristia um verdadeiro momento de ação de graças. Estamos louvando a Deus por Sua majestade infinita.

As Escrituras nos ensinam repetidamente a louvar o Senhor em todas as circunstâncias. O Salmo 150, para citar apenas um exemplo, é um hino de louvor que nos convida a glorificar a Deus:

 “Louvai ao Senhor! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento do seu poder.” (Salmo 150:1). E onde é o santuário de Deus ?

Além disso, São Paulo exorta os cristãos a manterem uma atitude constante de louvor:
Cantando e louvando de coração ao Senhor, sempre dando graças por tudo a Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Efésios 5:19-20)

Embora o “Glória” seja, em essência, um hino de louvor, ele também carrega um pedido de misericórdia. Quando dizemos: “Vós que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”, pedimos perdão, reconhecendo que somos pecadores. Não podemos perder/retirar essa oportunidade, muito menos dentro de uma missa: “Estai vós também preparados; porque, numa hora em que não pensais, virá o Filho do Homem.” (Mateus 24:42-44). Pedir perdão ajuda nos prepararmos: “Mas Deus lhe disse: Louco! Esta noite te pedirão a tua alma” (Lucas 12:20)

Ao pedirmos perdão reconhecemos nossa necessidade de redenção e o poder salvífico de Cristo. O nosso pedido iguala-se ao clamor do cego Bartimeu no Evangelho, que pediu:
 -  “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!” (Marcos 10:47)

Retirar o “Glória” da celebração significa privar os fiéis de um momento essencial de encontro com Deus: o louvor que nos eleva espiritualmente e o pedido de misericórdia que nos redime. Esta oração não é um simples ritual, mas um convite à comunhão com o céu, onde os anjos proclamam incessantemente:

Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.” (Lucas 2:14)

Preservemos, portanto, este tesouro da nossa liturgia, recordando sempre que o louvor e a contrição caminham juntos na jornada da fé.

Da minha parte, continuarei rezando silenciosamente o “Glória”. Tenho certeza de que se eu não for para o céu, não será por causa disso.

Outra observação que gostaria de fazer diz respeito aos paramentos. O Advento é um tempo de esperança, mas utiliza-se uma cor litúrgica associada ao luto, semelhante à da Quaresma. Há, contudo, uma exceção especial, como no dia de Nossa Senhora da Conceição e o terceiro domingo do Advento, conhecido como Domingo Gaudete, o domingo da alegria, que celebra a proximidade do nascimento de Cristo. Assim, todos os domingos deste período deveriam ser marcados por alegria e felicidade, refletindo a esperança pela chegada do Menino Jesus.

Vem Senhor Jesus ! Nossa Senhora de Guadalupe, rogai por nós.

Reze por minha família, que eu rezo por vós.

 01/12/2024. Primeiro domingo do Advento.

 Cláudio Nogueira

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

São Martinho

   Ontem foi um dia tenso para São Martinho, muito diferente dos outros 11 de novembro, que costumam ser o melhor dia da sua morte. Ele ama essa data.
     Em todas as missas, o seu feito - cortar a capa ao meio com a espada e dar a metade a um mendigo para que se protegesse do frio - é lembrado.
      Ele adora isso. Fica ansioso para que chegue logo esse dia.
    Mas ontem foi diferente. Ao olhar para baixo, levou um susto. Logo ao amanhecer, havia nuvens escuras e outras cinzentas. Nenhum sinal do sol.
     Desesperado, correu à sala de São Pedro e disse:
     -  Pedro, que nuvens são essas? O que está a acontecer?
     Com um olhar meio vaidoso, acrescentou:
     -  Hoje é o dia do Verão de São Martinho, percebes? É o dia em que toda a gente...
(aqui sua voz perdeu força, o semblante entristeceu um pouco)
...toma vinho e come castanhas. Esqueceste, pá?
    São Martinho era um soldado romano que, numa noite fria de novembro, dividiu a sua capa ao meio    com um mendigo para o proteger do frio. Diz a lenda que, nesse momento, o clima mudou, surgindo    um breve período de sol, que os seus devotos passaram a chamar de Verão de São Martinho. As chuvas constantes do outono dão, neste dia, uma trégua ao sol e deixam-no brilhar.
    Nessa época, terminam as colheitas de outono: as uvas viram vinho novo, as castanhas estão maduras e prontas para assar, e toda a gente celebra a fartura e a generosidade. É por isso que, nesse dia, se prova o vinho novo e se comem castanhas assadas, em festa e memória do santo.

    -  Pedro, no dia de São Genaro, o sangue coagulado dele torna-se líquido novamente, e no meu dia não chove, é como se fosse um dia de verão. Que nuvens escuras são essas?
    - Acontece que, este ano, me distraí e choveu muito pouco no mês de outubro. Foram vários dias de sol, um verão prolongado. Preciso recuperar. Há muita nuvem que precisa ser descarregada, e não posso dispensar mais nenhum dia, comentou São Pedro.
    -  Não posso acreditar no que estou a ouvir! Logo no meu dia queres mandar chuva para a terra? Não podes deixar isso para amanhã? Queres acabar com o meu prestígio?  — perguntou São Martinho.
   Depois de um breve bate-boca, chegaram a um acordo: às 10 horas o sol brilhava. Mas, à tarde, São         Pedro estava meio impaciente e colocava nuvens sóbrias, ofuscando o sol.
   São Martinho, ao ver isso, murmurou:
   -  Pedro... calma-te. Não me obrigues a pedir ajuda ao “Chefe”.
   São Pedro respondeu:
   - Está bem! Mas assim que escurecer, mando a chuva. O que não consegui enviar hoje, mandarei amanhã.
    Promessa feita. Promessa cumprida.

    Cláudio Nogueira