Prezados Pastores, boa tarde !
Em 12 de dezembro do ano passado, enviei, por carta, o texto em anexo — redigido em três línguas, português, inglês e em italiano — à Sua Santidade Papa Francisco e ao Cardeal Arthur Roche, Prefeito do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, expondo as minhas motivações e solicitando que o “Glória” também fosse rezado nas missas dominicais durante o período do Advento, visto que ele é suprimido nesse tempo litúrgico.
Da parte do Cardeal, recebi uma resposta, via e-mail, do Monsenhor Enda Murphy, seu chefe de gabinete; e, em nome de Sua Santidade, recebi uma correspondência não assinada da Conferência Episcopal Portuguesa. A ambos agradeço a gentileza das respostas.
A mensagem do Monsenhor, enviada em português, após descrever o meu pedido, dizia:
“Tomamos em consideração quanto nos foi comunicado e agradecemos a sua preocupação e amor à sagrada Liturgia. De facto, como V. Ex.ª bem sabe, não se reza o Glória não apenas no Advento, mas também na Quaresma e nas celebrações feriais. Tal acontece tendo em conta a normativa litúrgica bem fundamentada [o destaque da frase foi dado por mim] e estabelecida a partir da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II.
Para estas e outras questões semelhantes, deverá dirigir-se ao Serviço Litúrgico Diocesano ou à Comissão para a Liturgia da Conferência Episcopal do seu país.”
Da parte dos bispos portugueses, a resposta, em resumo, foi esta: procure a orientação de um sacerdote.
Ao comentar o assunto com um padre amigo, ele me disse:
“A Quaresma é um tempo de preparação, oração, jejum e penitência para a Páscoa; por isso, a Igreja recomenda uma atitude mais silenciosa e introspectiva, em contraste com a alegria festiva do Glória.”
O Advento é tempo de quê?
É tempo de alegria, de festa, de celebrarmos a vinda do Salvador — o Deus que se fez carne e veio habitar entre nós.
Esse raciocínio para mim não está fazendo muito sentido. Esse ano, dia 19 de março, dia da festa de São José, foi dentro da Quaresma; e nesse dia o “Glória” foi rezado.
São José é mais importante que a atitude mais silenciosa e introspectiva em relação à Paixão de Cristo? Nada contra São José, muito pelo contrário.
As missas que antecedem o nascimento de Cristo deveriam ser momentos de grande alegria.
Todos sabem como é o carnaval no Brasil. A festa atinge o seu auge nos cinco dias que antecedem a Quarta-Feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma — o que pode ocorrer em fevereiro ou março.
A partir das festas de Ano Novo, começam os bailes de carnaval em diversos clubes e casas noturnas, principalmente nos fins de semana que antecedem os dias oficiais da folia.
E o que acontece? Por mais animados que sejam esses bailes pré-carnavalescos, eles não apagam o brilho nem a euforia do verdadeiro carnaval. Muito pelo contrário: servem como um aquecimento e ajudam a aumentar a expectativa e a ansiedade pela chegada da grande festa.
Assim deveriam ser os domingos do Advento.
Essa questão parece corroborar o que me disse outro sacerdote, para minha surpresa:
“Isso é apenas a ideologia do Papa. Não há nada de dogmático nisso; é apenas uma questão de opinião sobre como deve ser.” Talvez ideologia seja uma palavra forte.
Ele acrescentou que nunca se preocupou particularmente com o assunto e nem sabia ao certo se a decisão partira de um Papa ou de um cardeal.
Fico imaginando se, antes do Concílio Vaticano II, alguém tivesse proposto uma mudança — como faço agora — que a missa fosse celebrada no vernáculo. É muito provável que uma ideia assim fosse considerada uma aberração, um absurdo, uma tentativa descabida de alterar uma prática milenar da Igreja. Talvez até uma heresia.
Entretanto, o Papa Paulo VI teve a coragem de promover uma mudança profunda com o Novus Ordo Missae, reformando uma tradição de séculos. Posteriormente, o Papa Bento XVI, em 2007, com o documento Summorum Pontificum, permitiu a celebração da missa em latim segundo o Missal de 1962 — a chamada Missa Tridentina — declarando que qualquer padre poderia celebrá-la sem necessidade de autorização episcopal.
O Papa Francisco, por sua vez, adotou posição diferente ao restringir, motu proprio, a celebração da missa em latim. Contudo, há poucas semanas, o Papa Leão ofereceu a Basílica de São Pedro para a celebração da Missa Tridentina.
Quem, afinal, está certo e quem está errado? Se não se trata de um dogma de fé, tudo pode ser mudado.
Se alguém tivesse solicitado ao Papa Francisco que suspendesse a Missa Tridentina por considerá-la contrária às decisões do Concílio Vaticano II, provavelmente teria recebido — e a carta com o pedido nem chegaria às mãos do Papa — a resposta de que a decisão de Bento XVI em permitir sua celebração estava “bem fundamentada”.
Peço aos senhores que leiam a carta em anexo e, se possível, colaborem para que ela chegue até ao Santo Padre. Quem sabe, talvez ele concorde com o meu pedido.
“Orai sem cessar. Em tudo dai graças.” (1 Tessalonicenses 5,17-18)
A oração e o louvor não conhecem medida, pois quanto mais se eleva o coração a Deus, mais se cumpre a Sua vontade.
Desejo a todos um abençoado Advento.
Cláudio Nogueira
A Carta - o pedido
Porto, Portugal, 12 de dezembro de 2024
A Sua Santidade Papa Francisco,
A Sua Eminência Reverendíssima Cardeal Arthur Roche
Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.
É com profunda tristeza que percebo a supressão do
“Glória” nas missas no período do Advento. Se não me engano, o argumento para
essa prática - tanto agora quanto na Quaresma - é que, ao rezá-lo novamente no
Natal, o celebraremos com mais entusiasmo. Se essa lógica se aplica, por que
não retirar também o “Aleluia” antes da leitura do Evangelho? Geralmente ele é
cantado com grande entusiasmo.
Se esse for o real motivo, estaríamos diante de uma
situação curiosa: a ideia de que uma oração teria mais valor quando rezada
apenas uma vez do que quando repetida várias vezes. É como se a parte fosse
maior que o todo.
Alguém, em sua sabedoria, tomou essa decisão, mas ela
deveria ser reconsiderada. O que é isso, afinal? Uma fórmula para ajudar na
nossa salvação?
O mais interessante é que, no Dia de Nossa Senhora da
Conceição, em 8 de dezembro - que este ano aconteceu em um domingo, mas que
mesmo quando é em dia de semana - o "Glória" volta a ser rezado.
- “Mas é um dia especial. É o dia da Mãe de Deus.”
- Sim. Mas todo domingo é o dia do Senhor. E é muito
bom proclamar: Nós Vos louvamos, nós Vos bendizemos, nós Vos adoramos,
nós Vos glorificamos, nós Vos damos graças por Vossa imensa glória."
Já estava na hora de acrescentarmos: Nós Vos amamos.
Esta oração, tão rica e bela, é mais do que um simples
canto litúrgico; ela é uma expressão profunda de louvor e contrição que nos
conecta diretamente com a essência da fé cristã. Para mim, é mais importante
até mesmo do que o salmo. No “Glória”, todos rezamos juntos, nos expressamos;
no salmo, na missa, apenas repetimos o refrão. O pior é quando, ao rezar o
salmo, tornam a forma mais importante do que o conteúdo, mesmo em detrimento do
entendimento.
O “Glória” não é apenas um louvor, mas também um
reconhecimento da nossa pequenez diante da grandeza divina. Ao proclamarmos: “Nós
Vos damos graças por Vossa imensa glória”, tornamos a Eucaristia um
verdadeiro momento de ação de graças. Estamos louvando a Deus por Sua majestade
infinita.
As Escrituras nos ensinam repetidamente a louvar o
Senhor em todas as circunstâncias. O Salmo 150, para citar apenas um exemplo, é
um hino de louvor que nos convida a glorificar a Deus:
“Louvai ao
Senhor! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento do seu
poder.” (Salmo 150:1). E onde é o santuário de Deus ?
Além disso, São Paulo exorta os cristãos a manterem
uma atitude constante de louvor:
“Cantando e louvando de coração ao Senhor, sempre dando graças por tudo a
Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Efésios 5:19-20)
Embora o “Glória” seja, em essência, um hino de
louvor, ele também carrega um pedido de misericórdia. Quando dizemos: “Vós
que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”, pedimos perdão,
reconhecendo que somos pecadores. Não podemos perder/retirar essa oportunidade,
muito menos dentro de uma missa: “Estai vós também preparados; porque, numa
hora em que não pensais, virá o Filho do Homem.” (Mateus 24:42-44). Pedir
perdão ajuda nos prepararmos: “Mas Deus lhe disse: Louco! Esta noite te
pedirão a tua alma” (Lucas 12:20)
Ao pedirmos perdão reconhecemos nossa necessidade de
redenção e o poder salvífico de Cristo. O nosso pedido iguala-se ao clamor do
cego Bartimeu no Evangelho, que pediu:
- “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!”
(Marcos 10:47)
Retirar o “Glória” da celebração significa privar os
fiéis de um momento essencial de encontro com Deus: o louvor que nos eleva
espiritualmente e o pedido de misericórdia que nos redime. Esta oração não é um
simples ritual, mas um convite à comunhão com o céu, onde os anjos proclamam
incessantemente:
“Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos
homens por Ele amados.” (Lucas 2:14)
Preservemos, portanto, este tesouro da nossa liturgia,
recordando sempre que o louvor e a contrição caminham juntos na jornada da fé.
Da minha parte, continuarei rezando silenciosamente o “Glória”.
Tenho certeza de que se eu não for para o céu, não será por causa disso.
Outra observação que gostaria de fazer diz respeito
aos paramentos. O Advento é um tempo de esperança, mas utiliza-se uma cor
litúrgica associada ao luto, semelhante à da Quaresma. Há, contudo, uma exceção
especial, como no dia de Nossa Senhora da Conceição e o terceiro domingo do
Advento, conhecido como Domingo Gaudete, o domingo da alegria, que celebra a
proximidade do nascimento de Cristo. Assim, todos os domingos deste período
deveriam ser marcados por alegria e felicidade, refletindo a esperança pela chegada
do Menino Jesus.
Vem Senhor Jesus ! Nossa Senhora de Guadalupe, rogai
por nós.
Reze por minha família, que eu rezo por vós.
01/12/2024. Primeiro domingo do Advento.
Cláudio Nogueira
