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quarta-feira, 13 de março de 2024

A Esquerda acabou em Portugal. O último a sair, apague a luz.

 Dia 10 deste mês ocorreu a eleição em Portugal de deputados para Assembleia da República e, consequentemente, a escolha do novo primeiro-ministro. 
António Costa, do Partido Socialista, que está no cargo há 8 anos, e que havia sido reeleito para um novo mandato de quatro anos, em 2022, renunciou em setembro do ano passado, alegando que não poderia permanecer no cargo pesando sobre ele a acusação de corrupção. Por conta disto, o presidente Marcelo Sousa convocou nova eleição, com dois anos de antecedência.
Eu sempre gostei de tirar informações dos números do resultado de uma eleição. Venho fazendo isso há algum tempo no Brasil. Estando eu cá, além-mar, vou tentar fazer o mesmo.
O primeiro número que chamou a minha atenção foi o número de eleitores aptos a votarem ou registados9.271.479. Considerando o último censo, em 2021, a população de Portugal era 10.344.802. Se considerarmos que o número de eleitores é atual e o número da população está defasado em dois anos, os eleitores são 90% da população. Um número elevado. Como a idade mínima para votar é de 18 anos, isso significa que somente 10% da população tem menos de 18 anos.
  Para efeito de comparação, em 2022, ano da última eleição no Brasil, a população brasileira era de 203 milhões e o número de eleitores passava de 156 milhões; isso significa que 77% da população é eleitor e 23% tem menos de 18 anos. Na realidade, esse percentual pode ser maior, pois, no Brasil, aqueles que desejarem, podem votar a partir dos 16 anos.
 O partido majoritário, em tese, tem direito de indicar o primeiro-ministro. E o vencedor foi a coligação de centro-direita “Aliança Democrática”, AD - composta pelos seguintes partidos: Partido Social-Democrata (PPD/PSD), Partido Popular (CDS–PP) e Partido Popular Monárquico (PPM) - que obteve 1.811.027 votos, ou 29,49% dos votos válidos ou 19,53% dos eleitores aptos a votarem. Qual a representatividade disto? É menos de um terço dos votos válidos. Vai ser necessário  compor com outros partidos ? 
Se Luís Montenegro, líder do PSD, tornar-se o novo primeiro-ministro, ele terá batido o recorde negativo de Cavaco Silva, também do PSD, que se tornou primeiro-ministro com apenas 29,87% dos votos, em 1985.
   O derrotado foi o Partido Socialista, PS, que está há oito anos no poder. Contudo, ele quase empatou com a AD, tendo 1.759.998 ou 28,66% dos votos válidos ou 18,98% dos eleitores. Eu diria que foi, razoavelmente, um bom resultado para o PS. A Aliança Democrática elegeu 79 deputados, apenas dois a mais do que tem hoje; e o PS elegeu 77. Tendo uma redução de 43 deputados com relação aos eleitos em 2022, quando obteve maioria absoluta.
  Eu acreditava que o PS teria menos deputados, considerando que nos últimos meses os noticiários exibiam diariamente as greves dos policiais, dos médicos e dos professores. Isso serviu como propaganda negativa contra o governo. Somando-se a isso, a oposição batendo direto, é possível que, como Fernando Haddad, do PT, em 2018, a esquerda portuguesa tenha descoberto o seu limite mínimo de eleitores fiéis. 
 Indubitavelmente, o grande vencedor foi o Partido Chega de extrema-direita, que quadruplicou a sua bancada de 12 para 48 deputados; obtendo 18,06% dos votos válidos.
  Considerando a não redução do número de deputados da Aliança Democrática, podemos dizer que o Chega tomou votos do PS ? Isso é possível, mas chamo a atenção do leitor que em toda parte do mundo, quem vota na esquerda ou na extrema-direita não troca de camisola: são votos ideológicos. O eleitor votava no Partido Socialista e mudou o voto para um partido de ultradireita ? Está meio estranho isso.
  O que parece é que o Chega recebeu votos de protestos. Fato muito parecido com a eleição de Bolsonaro em 2018. Só saberemos se isso realmente aconteceu, quando a política em Portugal – sem greves e campanhas negativas – voltar a situação normal de temperatura e pressão.
  Na realidade, é muito mais fácil ser oposição do que ser governo. A oposição, seja ela de direita ou esquerda, tem solução ótima para tudo. Ela sempre pode pagar salários melhores para os grevistas, etc., etc.
  Nesta eleição o Chega inovou: elegeu o primeiro deputado brasileiro para a Assembleia da República, Marcus Vinicius Teixeira Soares dos Santos. Isso parece ser uma novidade em terras lusas. Nós tivemos uma deputada portuguesa, Ruth Escobar, também atriz, nascida aqui perto, em Campanhã, Porto. Já tivemos inúmeros filhos de estrangeiros na política. Outra portuguesa muito ativa na política brasileira e economista respeitada é Maria Conceição Tavares, de Aveiro, professora titular da Unicamp e emérita da UFRJ. Foi deputada federal pelo PT.
Isso é muito comum em países que recebem imigrantes. Na Inglaterra, o primeiro-ministro é indiano. Portugal é um país de emigrantes que agora experimenta a chegada de estrangeiros que vieram para ficar.
Em Portugal, em 2022, Lula teve 23.256 (64%) votos e o Bolsonaro 13.081 (36%). Não vai demorar para a esquerda brasileira ter o seu deputado aqui. Lembro que a comunidade brasileira é muito maior que isso.
Isso vai dar certo? Teremos de esperar. Estou pagando para ver como vai reagir André Ventura quando foi contestado por um deputado estrangeiro. 

  Chega pra lá.

 O Chega quer ser governo. Já se ofereceu para isso. André Ventura, líder do partido, está ameaçando não votar no orçamento se não fizer parte do futuro governo. Aqui, impasse na votação do orçamento, que eles chamam de chumbo, pode levar a convocação de novas eleições.
Ele alega que quer enfrentar o inimigo comum: o PS. O Chega não quer ser simples apoiador, quer ministérios, quer governar junto com o PSD. Mas Luís Montenegro, provável novo primeiro-ministro, não quer acordo com o Chega.
  Desconheço o motivo pelo qual o PSD não quer ser governo com o Chega. Mas tenho os meus palpites. Não obstante ao fato de que, aparentemente, o Chega roubou votos do PS e não do PSD, volto a repetir que foram votos de protestos. Quem vota no PS, não vota no Chega e vice-versa. O Chega é concorrente do PSD e não do PS. O Chega e PSD concorrem pelo mesmo tipo de eleitor: o da direita. Como no Brasil, aqui o eleitor de extrema-direita votava nos candidatos da direita porque não tinha opção. No Brasil, até aparecer o Bolsonaro, a extrema-direita votavam nos candidatos do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) por ser o principal adversário do PT. Com o advento do bolsonarismo, o PSDB praticamente acabou. Seus eleitores foram para a esquerda ou para a direita. E Luís Montenegro não vai querer criar cobra, para ser mais tarde mordido por ela. Além do que, há uma máxima que diz: não empregue quem você não possa demitir.
  A união do Chega com o PSD seria muito bom para o PS. Ambos tornar-se-iam governo. Sendo governo somente o PSD, o Chega poderá apontar soluções maravilhosas para tudo, dando-lhe oportunidade de cair nas graças da população.
 Portugal tem problemas estruturais, não conjunturais, sérios: falta de moradias (e caras) e baixos salários estão entre os mais preocupantes; e não serão resolvidos no período de um ou dois governos.
   A qualidade do ensino, em todos os níveis, em Portugal subiu bastante. Reconhecida e certificada pela Comunidade Europeia. Como eles costumam dizer: “Temos a melhor capacitação de sempre”. Meus filhos que estudaram aqui, comentavam que não raro, empresas estrangeiras fazem workshops dentro das universidades, convidando os alunos a se mudarem para os seus países/empresas quando graduarem.
  Um dos ataques que o PS sofre, é devido a essa fuga de cérebros para outros países por causa dos baixos salários em Portugal. Mas isso é um problema muito antigo. Os cinquenta anos de salazarismo atrasaram muito Portugal. Isso não será resolvido nem a médio prazo. Há muitas décadas os portugueses emigram; e agora que se tornaram mais capacitados, Portugal sofre concorrência de todos os países da União Europeia.
  Sobre isso abordaremos em outro texto. Será um texto sobre economia. Uma coisa já posso adiantar: não é possível elevar os nível geral de salários em curto prazo de tempo. Nem PSD, nem Chega conseguirão fazer isso.
 Portugal teve um crescimento espetacular, de mais de dez vezes, do seu Produto Interno Bruto, a partir de 1986, quando entrou na União Europeia, até a crise financeira mundial em 2008. Portugal tem de formular uma política de desenvolvimento, uma meta a ser perseguida no médio e longo prazo, e trabalhar para sua implementação como fizeram a República da Irlanda e Singapura. Hoje esses países têm per capitas astronômicos.

 Chega de Infantilidades.

  O líder do Chega, André Ventura, disse que caso viesse a se tornar primeiro-ministro, como resultado da eleições do dia 10, e se Lula desejasse participar da cerimônia dos 50 anos da Revolução dos Cravos, ele não permitiria a entrada do presidente brasileiro em Portugal: “Eu garanto que se eu for primeiro-ministro, o senhor Lula da Silva ficará no aeroporto e, se insistir, vai para uma cadeia”.
 Também disse que restringiria a entrada do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanchez, do Partido Socialista Operário Espanhol.
  Mas por qual motivo o líder do Chega disse isto ? O que de tão grave fizeram esses senhores ? Nada. A resposta é que a cabeça dele, funciona exatamente como funciona a cabeça da extrema-direita em todo mundo: agressão gratuita física e verbal é a principal característica deles. Eles odeiam a todos que não pensam igual a eles. Eles não contra-argumentam ideias opostas; partem para o argumentum ad hominem, isto é, agridem o interlocutor.  Observe todas as pessoas de ultradireita que você conhece. Assim são os bolsominions no Brasil e os trumpistas na América.
 É um comportamento agressivo. Feito para estimular o ódio entre os seus seguidores. Mesmo comportamento, em relação ao Lula, tem o presidente da Argentina, Javier Milei. Todos os dias faz ataques ao Lula. Esse senhor aumentou o próprio salário em 48%, em meio ao enorme fardo que impôs a população argentina, mas teve de voltar atrás devido a protestos. Infelizmente, a Argentina, por três meses seguidos, tem a maior inflação do mundo.
É muita dor de cotovelo. Lula deve causar muita inveja a esse povo.
  O Lula deve ser o mais influente líder da esquerda no mundo neste momento. Até dezembro ele é presidente do G20, grupo dos vinte maiores economias do mundo. Os seus dois primeiros mandatos foram um grande sucesso. Ao sair da presidência, com 82% de aprovação popular, deixou o Brasil entre as seis maiores economias do mundo. No atual mandato recebeu o Brasil na décima segunda posição, um ano depois já está na nona posição. Tirou 30 milhões de brasileiros da miséria; e de devedor do FMI, o Brasil passou para posição de credor. Não foi à toa que Barack Obama disse que “Lula era o gajo!”
 Lula é pragmático. A Argentina é o segundo maior país do Mercosul e importante parceiro comercial. Ele não perde tempo com as idiotices desse tipo. Mas como eu não sou o Lula, vou lembrar para o André Ventura somente uma coisa: "O Brasil foi o melhor investimento que a TAP fez em 50 anos", defendeu o ex-administrador Diogo Lacerda Machado, esta terça-feira, na audição parlamentar de Economia, afirmando categoricamente que "o hub de Lisboa [hoje uma mais-valia] não existia sem o Brasil".
  O Brasil é a maior fonte de receita da TAP, companhia aérea estatal portuguesa. Bastaria que Lula suspendesse os voos para o Brasil para causar enormes prejuízos a companhia. Felizmente, ninguém confunde o comportamento infantil de uma pessoa, principalmente, ela querendo ser o que não é, com o bom relacionamento entre os dois países.
 
   Seis por meia dúzia.
 
  Como dizemos no Brasil, a situação política de Portugal foi trocada de seis por meia dúzia. O presidente dissolveu o parlamento em nome da estabilidade política. Mas situação atual está longe de ser estável. Na Inglaterra, o ex-primeiro-ministro Boris Johnson, do Partido Conservador, caiu por participar de uma festa na época do lockdown e foi substituído por Liz Truss do seu partido. Ela ficou no cargo apenas 49 dias. Não deu certo; foi substituída por outro membro do partido, Rishi Sunak. Em Portugal, um governo que teve maioria absoluta, não poderia ter o primeiro-ministro substituído, tinha de se dissolver o parlamento.
 Queira Deus que essa instabilidade termine e um novo governo seja estabelecido.
  E por que esse título dizendo que a esquerda acabou ? Primeiro, para gerar curiosidade no leitor sobre o texto. E depois, lembrei-me de um texto de Stephen Kanitz, “A Esquerda Acabou. Saiba o por quê”, escrito quando o Fernando Haddad perdeu a eleição presidencial para Bolsonaro em 2018. O gajo confundiu desejo com realidade. Ainda teremos esquerda e direita por muito tempo, na política lá e cá.
 
Cláudio Nogueira
 
 
 
PS1. Lula 'é o cara', diz Obama durante reunião do G20, em Londres. Presidentes se encontraram durante almoço de líderes. Para Obama, Lula é o 'político mais popular do mundo'. Disponível em:
https://g1.globo.com/noticias/economia_negocios/0,,mul1070378-9356,00-lula+e+o+cara+diz+obama+durante+reuniao+do+g+em+londres.html

PS2. Por mais de dois séculos a Irlanda era um dos países mais pobres da Europa, até os anos de rápida entre 1995 a 2007, nesse período a economia irlandesa cresceu a uma taxa média anual de 9,4%. A história de Singapura é igualmente extraordinária.

PS3. O resultado final da eleição, após a contagem dos votos do exterior, para os três primeiros colocados ficou assim: AD com 80 deputados, Partido Socialista com 78 e Chega com 50.

PS4. Finlândia encontra em Portugal <<excelente centro>> de profissionais qualificadosDisponível em: 
https://hrportugal.sapo.pt/finlandia-encontra-em-portugal-excelente-centro-de-profissionais-qualificados/