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sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Triste Advento

    No dia 12 de dezembro do ano passado, enviei duas cartas ao Vaticano: uma ao Cardeal Arthur Roche, Prefeito do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, e outra ao Papa Francisco, pedindo que a oração do “Glória” não fosse retirada das missas dominicais no Advento. Recebi resposta de ambos.
  Dia 4 deste mês, escrevi minha "tréplica" — desta vez por e-mail — dirigida a vários cardeais, organizados em três grupos, com cartas em português, inglês e italiano. O primeiro texto abaixo é o e-mail enviado na semana passada; o segundo é a carta. 

O Email.

Prezados Pastores, boa tarde !

Em 12 de dezembro do ano passado, enviei, por carta, o texto em anexo — redigido em três línguas, português, inglês e em italiano — à Sua Santidade Papa Francisco e ao Cardeal Arthur Roche, Prefeito do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, expondo as minhas motivações e solicitando que o “Glória” também fosse rezado nas missas dominicais durante o período do Advento, visto que ele é suprimido nesse tempo litúrgico.
   Da parte do Cardeal, recebi uma resposta, via e-mail, do Monsenhor Enda Murphy, seu chefe de gabinete; e, em nome de Sua Santidade, recebi uma correspondência não assinada da Conferência Episcopal Portuguesa. A ambos agradeço a gentileza das respostas.
    A mensagem do Monsenhor, enviada em português, após descrever o meu pedido, dizia:
   “Tomamos em consideração quanto nos foi comunicado e agradecemos a sua preocupação e amor à sagrada Liturgia. De facto, como V. Ex.ª bem sabe, não se reza o Glória não apenas no Advento, mas também na Quaresma e nas celebrações feriais. Tal acontece tendo em conta a normativa litúrgica bem fundamentada [o destaque da frase foi dado por mim] e estabelecida a partir da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II.
   Para estas e outras questões semelhantes, deverá dirigir-se ao Serviço Litúrgico Diocesano ou à Comissão para a Liturgia da Conferência Episcopal do seu país.”
   Da parte dos bispos portugueses, a resposta, em resumo, foi esta: procure a orientação de um sacerdote.
     Ao comentar o assunto com um padre amigo, ele me disse:
   “A Quaresma é um tempo de preparação, oração, jejum e penitência para a Páscoa; por isso, a Igreja recomenda uma atitude mais silenciosa e introspectiva, em contraste com a alegria festiva do Glória.”
    O Advento é tempo de quê?
   É tempo de alegria, de festa, de celebrarmos a vinda do Salvador — o Deus que se fez carne e veio habitar entre nós.
   Esse raciocínio para mim não está fazendo muito sentido. Esse ano, dia 19 de março, dia da festa de São José, foi dentro da Quaresma; e nesse dia o “Glória” foi rezado.
   São José é mais importante que a atitude mais silenciosa e introspectiva em relação à Paixão de Cristo? Nada contra São José, muito pelo contrário.
    As missas que antecedem o nascimento de Cristo deveriam ser momentos de grande alegria.
   Todos sabem como é o carnaval no Brasil. A festa atinge o seu auge nos cinco dias que antecedem a Quarta-Feira de Cinzas, o primeiro dia da Quaresma — o que pode ocorrer em fevereiro ou março.
   A partir das festas de Ano Novo, começam os bailes de carnaval em diversos clubes e casas noturnas, principalmente nos fins de semana que antecedem os dias oficiais da folia.
  E o que acontece? Por mais animados que sejam esses bailes pré-carnavalescos, eles não apagam o brilho nem a euforia do verdadeiro carnaval. Muito pelo contrário: servem como um aquecimento e ajudam a aumentar a expectativa e a ansiedade pela chegada da grande festa.
   Assim deveriam ser os domingos do Advento.
   Essa questão parece corroborar o que me disse outro sacerdote, para minha surpresa:
  “Isso é apenas a ideologia do Papa. Não há nada de dogmático nisso; é apenas uma questão de opinião sobre como deve ser.” Talvez ideologia seja uma palavra forte.
   Ele acrescentou que nunca se preocupou particularmente com o assunto e nem sabia ao certo se a decisão partira de um Papa ou de um cardeal.
  Fico imaginando se, antes do Concílio Vaticano II, alguém tivesse proposto uma mudança — como faço agora — que a missa fosse celebrada no vernáculo. É muito provável que uma ideia assim fosse considerada uma aberração, um absurdo, uma tentativa descabida de alterar uma prática milenar da Igreja. Talvez até uma heresia.
   Entretanto, o Papa Paulo VI teve a coragem de promover uma mudança profunda com o Novus Ordo Missae, reformando uma tradição de séculos. Posteriormente, o Papa Bento XVI, em 2007, com o documento Summorum Pontificum, permitiu a celebração da missa em latim segundo o Missal de 1962 — a chamada Missa Tridentina — declarando que qualquer padre poderia celebrá-la sem necessidade de autorização episcopal.
   O Papa Francisco, por sua vez, adotou posição diferente ao restringir, motu proprio, a celebração da missa em latim. Contudo, há poucas semanas, o Papa Leão ofereceu a Basílica de São Pedro para a celebração da Missa Tridentina.
  Quem, afinal, está certo e quem está errado? Se não se trata de um dogma de fé, tudo pode ser mudado.
  Se alguém tivesse solicitado ao Papa Francisco que suspendesse a Missa Tridentina por considerá-la contrária às decisões do Concílio Vaticano II, provavelmente teria recebido — e a carta com o pedido nem chegaria às mãos do Papa — a resposta de que a decisão de Bento XVI em permitir sua celebração estava “bem fundamentada”.
  Peço aos senhores que leiam a carta em anexo e, se possível, colaborem para que ela chegue até ao Santo Padre. Quem sabe, talvez ele concorde com o meu pedido.
  “Orai sem cessar. Em tudo dai graças.” (1 Tessalonicenses 5,17-18)
  A oração e o louvor não conhecem medida, pois quanto mais se eleva o coração a Deus, mais se cumpre a Sua vontade.
   Desejo a todos um abençoado Advento.
Cláudio Nogueira

A Carta - o pedido

Porto, Portugal, 12 de dezembro de 2024
A Sua Santidade Papa Francisco,
A Sua Eminência Reverendíssima Cardeal Arthur Roche

 Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.

É com profunda tristeza que percebo a supressão do “Glória” nas missas no período do Advento. Se não me engano, o argumento para essa prática - tanto agora quanto na Quaresma - é que, ao rezá-lo novamente no Natal, o celebraremos com mais entusiasmo. Se essa lógica se aplica, por que não retirar também o “Aleluia” antes da leitura do Evangelho? Geralmente ele é cantado com grande entusiasmo.

Se esse for o real motivo, estaríamos diante de uma situação curiosa: a ideia de que uma oração teria mais valor quando rezada apenas uma vez do que quando repetida várias vezes. É como se a parte fosse maior que o todo.

Alguém, em sua sabedoria, tomou essa decisão, mas ela deveria ser reconsiderada. O que é isso, afinal? Uma fórmula para ajudar na nossa salvação?

O mais interessante é que, no Dia de Nossa Senhora da Conceição, em 8 de dezembro - que este ano aconteceu em um domingo, mas que mesmo quando é em dia de semana - o "Glória" volta a ser rezado.

- “Mas é um dia especial. É o dia da Mãe de Deus.”

- Sim. Mas todo domingo é o dia do Senhor. E é muito bom proclamar: Nós Vos louvamos, nós Vos bendizemos, nós Vos adoramos, nós Vos glorificamos, nós Vos damos graças por Vossa imensa glória." Já estava na hora de acrescentarmos: Nós Vos amamos.

Esta oração, tão rica e bela, é mais do que um simples canto litúrgico; ela é uma expressão profunda de louvor e contrição que nos conecta diretamente com a essência da fé cristã. Para mim, é mais importante até mesmo do que o salmo. No “Glória”, todos rezamos juntos, nos expressamos; no salmo, na missa, apenas repetimos o refrão. O pior é quando, ao rezar o salmo, tornam a forma mais importante do que o conteúdo, mesmo em detrimento do entendimento.

O “Glória” não é apenas um louvor, mas também um reconhecimento da nossa pequenez diante da grandeza divina. Ao proclamarmos: “Nós Vos damos graças por Vossa imensa glória, tornamos a Eucaristia um verdadeiro momento de ação de graças. Estamos louvando a Deus por Sua majestade infinita.

As Escrituras nos ensinam repetidamente a louvar o Senhor em todas as circunstâncias. O Salmo 150, para citar apenas um exemplo, é um hino de louvor que nos convida a glorificar a Deus:

 “Louvai ao Senhor! Louvai a Deus no seu santuário; louvai-o no firmamento do seu poder.” (Salmo 150:1). E onde é o santuário de Deus ?

Além disso, São Paulo exorta os cristãos a manterem uma atitude constante de louvor:
Cantando e louvando de coração ao Senhor, sempre dando graças por tudo a Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Efésios 5:19-20)

Embora o “Glória” seja, em essência, um hino de louvor, ele também carrega um pedido de misericórdia. Quando dizemos: “Vós que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”, pedimos perdão, reconhecendo que somos pecadores. Não podemos perder/retirar essa oportunidade, muito menos dentro de uma missa: “Estai vós também preparados; porque, numa hora em que não pensais, virá o Filho do Homem.” (Mateus 24:42-44). Pedir perdão ajuda nos prepararmos: “Mas Deus lhe disse: Louco! Esta noite te pedirão a tua alma” (Lucas 12:20)

Ao pedirmos perdão reconhecemos nossa necessidade de redenção e o poder salvífico de Cristo. O nosso pedido iguala-se ao clamor do cego Bartimeu no Evangelho, que pediu:
 -  “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!” (Marcos 10:47)

Retirar o “Glória” da celebração significa privar os fiéis de um momento essencial de encontro com Deus: o louvor que nos eleva espiritualmente e o pedido de misericórdia que nos redime. Esta oração não é um simples ritual, mas um convite à comunhão com o céu, onde os anjos proclamam incessantemente:

Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.” (Lucas 2:14)

Preservemos, portanto, este tesouro da nossa liturgia, recordando sempre que o louvor e a contrição caminham juntos na jornada da fé.

Da minha parte, continuarei rezando silenciosamente o “Glória”. Tenho certeza de que se eu não for para o céu, não será por causa disso.

Outra observação que gostaria de fazer diz respeito aos paramentos. O Advento é um tempo de esperança, mas utiliza-se uma cor litúrgica associada ao luto, semelhante à da Quaresma. Há, contudo, uma exceção especial, como no dia de Nossa Senhora da Conceição e o terceiro domingo do Advento, conhecido como Domingo Gaudete, o domingo da alegria, que celebra a proximidade do nascimento de Cristo. Assim, todos os domingos deste período deveriam ser marcados por alegria e felicidade, refletindo a esperança pela chegada do Menino Jesus.

Vem Senhor Jesus ! Nossa Senhora de Guadalupe, rogai por nós.

Reze por minha família, que eu rezo por vós.

 01/12/2024. Primeiro domingo do Advento.

 Cláudio Nogueira

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

São Martinho

   Ontem foi um dia tenso para São Martinho, muito diferente dos outros 11 de novembro, que costumam ser o melhor dia da sua morte. Ele ama essa data.
     Em todas as missas, o seu feito - cortar a capa ao meio com a espada e dar a metade a um mendigo para que se protegesse do frio - é lembrado.
      Ele adora isso. Fica ansioso para que chegue logo esse dia.
    Mas ontem foi diferente. Ao olhar para baixo, levou um susto. Logo ao amanhecer, havia nuvens escuras e outras cinzentas. Nenhum sinal do sol.
     Desesperado, correu à sala de São Pedro e disse:
     -  Pedro, que nuvens são essas? O que está a acontecer?
     Com um olhar meio vaidoso, acrescentou:
     -  Hoje é o dia do Verão de São Martinho, percebes? É o dia em que toda a gente...
(aqui sua voz perdeu força, o semblante entristeceu um pouco)
...toma vinho e come castanhas. Esqueceste, pá?
    São Martinho era um soldado romano que, numa noite fria de novembro, dividiu a sua capa ao meio    com um mendigo para o proteger do frio. Diz a lenda que, nesse momento, o clima mudou, surgindo    um breve período de sol, que os seus devotos passaram a chamar de Verão de São Martinho. As chuvas constantes do outono dão, neste dia, uma trégua ao sol e deixam-no brilhar.
    Nessa época, terminam as colheitas de outono: as uvas viram vinho novo, as castanhas estão maduras e prontas para assar, e toda a gente celebra a fartura e a generosidade. É por isso que, nesse dia, se prova o vinho novo e se comem castanhas assadas, em festa e memória do santo.

    -  Pedro, no dia de São Genaro, o sangue coagulado dele torna-se líquido novamente, e no meu dia não chove, é como se fosse um dia de verão. Que nuvens escuras são essas?
    - Acontece que, este ano, me distraí e choveu muito pouco no mês de outubro. Foram vários dias de sol, um verão prolongado. Preciso recuperar. Há muita nuvem que precisa ser descarregada, e não posso dispensar mais nenhum dia, comentou São Pedro.
    -  Não posso acreditar no que estou a ouvir! Logo no meu dia queres mandar chuva para a terra? Não podes deixar isso para amanhã? Queres acabar com o meu prestígio?  — perguntou São Martinho.
   Depois de um breve bate-boca, chegaram a um acordo: às 10 horas o sol brilhava. Mas, à tarde, São         Pedro estava meio impaciente e colocava nuvens sóbrias, ofuscando o sol.
   São Martinho, ao ver isso, murmurou:
   -  Pedro... calma-te. Não me obrigues a pedir ajuda ao “Chefe”.
   São Pedro respondeu:
   - Está bem! Mas assim que escurecer, mando a chuva. O que não consegui enviar hoje, mandarei amanhã.
    Promessa feita. Promessa cumprida.

    Cláudio Nogueira

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

𝐇𝐚𝐥𝐥𝐨𝐰𝐞𝐞𝐧 𝐞́ 𝐏𝐞𝐜𝐚𝐝𝐨 ?

 Carta aberta aos Bispos do Brasil

Ainda sob o espírito sinodal que inspira o diálogo e a escuta, escrevo esta carta para pedir ajuda em uma dúvida que me inquieta: afinal, o Halloween é pecado?

A origem da minha pergunta — ou melhor, da minha dúvida — vem da experiência que vivi durante alguns anos nos Estados Unidos e no Canadá, tanto sozinho quanto com a minha família. Nesses países, a festa realizada na véspera do Dia de Todos os Santos é amplamente celebrada também por comunidades cristãs.

Falo com conhecimento de causa: nas igrejas católicas, por exemplo, é comum ver o padre, ao final da missa, dirigir-se à porta do templo para cumprimentar os fiéis com um cordial “Happy Halloween!”. O mesmo ocorre em diversas denominações cristãs, e disso sou testemunha ocular nas cidades em que vivi ou passei uma temporada: Miami e Gainesville (Flórida), Atlanta (Geórgia), Baton Rouge (Louisiana), White Plains (Nova York) e Ottawa (Canadá).

Faço essa observação antecipando-me a uma possível objeção de que o Halloween seria uma celebração restrita a certas regiões ou contextos específicos. Mesmo entre familiares que residem em Chicago e Los Angeles, regiões tão distintas, percebe-se o mesmo costume.

Devem estar se perguntando, então, onde está a dúvida. A razão dessa incerteza nasce da quantidade de vídeos que circulam nas redes sociais, em que padres brasileiros afirmam, com todas as letras, que o Halloween é pecado.

Diante do exposto a minha pergunta é: como eles chegaram a essa conclusão ?

Seria, por acaso, um pecado regional? Não é pecado no hemisfério norte, mas passa a ser no hemisfério sul?

E por falar em “norte”, parece-me que é um direcionamento que está faltando. Por isso, espero que os senhores sejam essa bússola a nos orientar.

A palavra Halloween tem origem na expressão inglesa antiga All Hallows’ Eve, que significa literalmente “Véspera de Todos os Santos”. O termo “Hallow” é uma forma arcaica de “santo”, derivada do inglês antigo halga, enquanto “Eve” quer dizer “véspera”, como em Christmas Eve (véspera de Natal). Com o passar do tempo, a expressão All Hallows’ Eve foi sendo abreviada na linguagem popular: primeiro transformou-se em All Hallows Even, depois em Hallowe’en e, finalmente, na forma moderna Halloween. Assim, a própria etimologia da palavra revela seu vínculo direto com a tradição cristã, pois designa o dia 31 de outubro, a véspera da festa de Todos os Santos, celebrada em 1º de novembro.

A Eternal Word Television Network (EWTN) publicou (https://ewtnvatican.com/articles/true-origins-of-halloween-a-celebration-steeped-in-catholic-tradition-1788 ) um artigo com dois títulos: The Origins of Halloween: A Catholic Celebration Rediscovered” (As Origens do Halloween: Uma Celebração Católica Redescoberta) e Is Halloween a Catholic Feast?” (O Halloween é uma Festa Católica?).

Após abordar as origens da festa e da palavra, o último parágrafo do artigo diz:

Abraçando o Halloween com Intenção Católica

O Padre John Wauck, professor de literatura na Pontifical University of the Holy Cross (Pontificia Università dela Santa Croce), em Roma, encoraja os católicos a reivindicarem o Halloween como um dia conectado à sua fé. “O Halloween deveria ser celebrado em toda a sua inocência”, diz ele. “Não há nada de errado em se fantasiar e ir pedir doces (trick-or-treating); na verdade, é uma coisa encantadora. Mas não devemos esquecer a sua conexão com o Dia de Todos os Santos. É importante lembrar, especialmente para as crianças, que o Halloween é uma vigília de uma grande festa.”

Enquanto católicos em todo o mundo se preparam para o Halloween, as palavras do Padre Wauck nos lembram de abordá-lo com reverência por suas origens, ensinando as crianças a celebrarem não apenas com diversão, mas também com fé.

No site da Holy Trinity. Catholic Church and School (Santíssima Trindade. Igreja e Escola Católica (https://holytrinitydm.org/happy-hallowtide/) encontramos Happy Hallowtide !

“Hallowtide” (ou All hallow tide) é um termo usado na Igreja Católica e em outras tradições cristãs para se referir ao período litúrgico de três dias, conhecido como Tríduo das Almas, que se foca na comunhão entre a Igreja triunfante (os santos), a Igreja sofredora (as almas no Purgatório) e a Igreja militante (os vivos).

Neste site, em um texto assinado pelo padre Mark Neal, que também começa explicando a etimologia da palavra Halloween, pergunta e responde:

É verdade que a celebração Católica do Halloween tem algumas raízes pagãs?

O Halloween é uma festa católica. Não tem origens no paganismo, Samhain, festivais druidas, ocultismo ou Satanismo. Este equívoco comum é relativamente novo, com raízes que remontam à Reforma Protestante, e não tem base em fatos históricos.

Poderia, com base em várias citações de sites católicos, afirmar que não há nada de errado em celebrar o Halloween — muito pelo contrário. Nesses dias, diversas paróquias publicam convites para a festa das vésperas do Dia de Todos os Santos.

Abaixo seguem apenas dois exemplos. Mas existem vários: 

A paróquia de St. Peter the Apostle (São Pedro Apóstolo), localizada na cidade de River Edge, em Nova Jersey, publicou um convite para “Festa de Halloween do Grupo de Jovens” no dia 26 de outubro de 2025, para o seu grupo de adolescentes.

Exorcist Warns Parents: 4 Things to Know About Halloween as a Catholic –  EWTN Great Britain

Coisas que um Católico Deve Saber sobre o Halloween

1. Halloween tem sido uma celebração Cristã desde o início do século 8. O Papa Gregório III a instituiu pela primeira vez.

2. “Halloween” vem de “All Hallows' Eve” (Véspera de Todos os Santos), referindo-se à noite anterior ao All Hallows' Day (Dia de Todos os Santos).

3. Allhallowtide (Tempo de Todos os Santos) é o período de três dias da All Hallows' Eve (Véspera de Todos os Santos/Halloween), All Hallows' Day (Dia de Todos os Santos) e All Souls' Day (Dia de Finados). Este é um tempo para honrar os santos e orar pelos mortos.

4. É possível celebrar o Halloween de uma forma divertida, segura e doutrinalmente sólida!

Na América do Norte, o Halloween é uma festa que possui duas características marcantes. A primeira é que as crianças batem nas portas das casas dos vizinhos do bairro pedindo guloseimas, o famoso “trick or treat”, ou seja, “nos dê algo doce ou faremos travessuras”. E as pessoas já estão preparadas para isso.

A segunda característica é que os participantes estejam fantasiados de qualquer coisa, e quem mais se diverte são as crianças. Além dessas tradições, a festa inclui comidas, bebidas e atividades para os pequenos, podendo ocorrer tanto em ambientes fechados quanto ao ar livre.

Em Ottawa, em 2007, ao final da missa dominical, o padre desejou um feliz Halloween na porta da igreja e distribuiu um panfleto indicando a hora e o local da festa: First United Church. Isso mesmo! O padre sugeriu que os fiéis se dirigissem para onde aconteceria a celebração: em uma igreja evangélica. Isso que é ecumenismo !

Já em Gainesville, em 2013, participamos de um evento similar no zoológico da cidade.

No Brasil, alguém inventou a ideia equivocada de chamar a data de “Dia das Bruxas” e associá-la a algo satânico. Portanto, alguns afirmam que o Halloween é pecado. Não tem absolutamente nada a ver. Por conta disso, há quem veja o que não existe: coisa do diabo, etc., etc. Só se for um Halloween tupiniquim.

Não seria melhor verificar antes de generalizar? Pelo que sei, a Igreja Católica no Brasil não condena o carnaval. Se há carnaval que é festa da carne, há carnaval que é uma festa familiar. Distorções sempre existirão. Quem diz que a festa do Halloween é pecado, será que algum dia participou de uma? 

Diante dessas visões tão distintas, recorro aos senhores, Pastores da Igreja no Brasil, pedindo uma palavra de discernimento. Gostaria de compreender, à luz da fé católica, se essa celebração — que em tantos lugares assume um caráter familiar, comunitário e cultural — realmente contradiz os valores cristãos, ou se pode ser vivida de forma saudável, sem ferir nossa fé.

Peço, portanto, humildemente, que esta questão seja acolhida como expressão sincera de quem busca viver a comunhão e a verdade do Evangelho, evitando julgamentos precipitados e desejando apenas agir com reta consciência diante de Deus.

Pelas minhas vivências e experiências, ainda não percebi onde estaria o pecado. Por essas mesmas experiências e pelas bênçãos da Igreja Católica nos lugares onde ocorreram, recuso-me a aceitar que seja pecado, até que se prove o contrário.

Com respeito e fraternidade em Cristo.

Cláudio Nogueira


Meus filhos no Halloween no zoológico de Gainesville, Flórida, em 2013


Em Ottawa, Canadá, em 2007


                                        

Em Ottawa, em 2012











segunda-feira, 8 de setembro de 2025

𝐁𝐨𝐥𝐬𝐨𝐧𝐚𝐫𝐨 𝐞𝐬𝐭𝐚́ 𝐝𝐞𝐩𝐫𝐢𝐦𝐢𝐝𝐨.

   Visitantes saem da casa do ex-presidente tentando gerar compaixão e pena junto à opinião pública em relação a ele, que hoje cumpre prisão domiciliar para evitar fuga enquanto aguarda julgamento pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Como diz um amigo: “Meu coração sangra de pena do Bolsonaro.”

Bolsonaro deseja compaixão apenas por estar saudável e não poder sair de casa? Será que ele entende realmente o que significa isso?

Milhões de pessoas no Brasil estavam muito mais do que deprimidas durante a pandemia: estavam arrasadas, devastadas pelo luto, sofrendo com a perda de pais, irmãos, filhos, parentes e amigos. Muitas famílias perderam dois ou três entes queridos em questão de semanas. E onde estava Jair Bolsonaro nesse período? O que ele fazia? Estaria ele também arrasado, como agora afirma estar deprimido? Teve compaixão das dores de milhares de famílias brasileiras?

A verdade é que, diante da maior tragédia sanitária da história recente do Brasil, Bolsonaro se comportou com frieza, insensibilidade e, muitas vezes, com crueldade. Em 17 de março de 2020, quando os primeiros sinais do desastre já eram claros, ele chamou a Covid-19 de “𝐠𝐫𝐢𝐩𝐞𝐳𝐢𝐧𝐡𝐚” 𝐞 “𝐫𝐞𝐬𝐟𝐫𝐢𝐚𝐝𝐢𝐧𝐡𝐨”. No dia 10 de abril de 2020, quando o país já registrava 1.000 mortes, continuava minimizando a gravidade do vírus e defendendo medicamentos ineficazes, como a cloroquina e a ivermectina. Em 28 de abril de 2020, ao 𝐮𝐥𝐭𝐫𝐚𝐩𝐚𝐬𝐬𝐚𝐫𝐦𝐨𝐬 𝟓.𝟎𝟎𝟎 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐨𝐬, Bolsonaro reagiu a perguntas sobre o número crescente de vítimas dizendo que 𝐧𝐚̃𝐨 𝐞𝐫𝐚 “𝐜𝐨𝐯𝐞𝐢𝐫𝐨”.

No dia 9 de maio de 2020, o Brasil ultrapassou a triste marca de 𝟏𝟎.𝟎𝟎𝟎 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐨𝐬. E o que fez o presidente?  𝐄𝐥𝐞 𝐟𝐨𝐢 𝐟𝐥𝐚𝐠𝐫𝐚𝐝𝐨 𝐩𝐚𝐬𝐬𝐞𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐝𝐞 𝐣𝐞𝐭-𝐬𝐤𝐢 no Lago Paranoá, em Brasília, como se nada estivesse acontecendo, enquanto famílias enterravam seus mortos sem poder sequer velar os corpos.


E o desprezo não parou por aí. Em outubro de 2020, sabotou publicamente a compra da CoronaVac, vacina que poderia salvar milhares de vidas, apenas por questões ideológicas e políticas. Em 10 de novembro de 2020, quando o país já chorava mais de 𝟏𝟔𝟎.𝟎𝟎𝟎 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐞𝐬, declarou que era preciso “𝐝𝐞𝐢𝐱𝐚𝐫 𝐝𝐞 𝐬𝐞𝐫 𝐮𝐦 𝐩𝐚𝐢́𝐬 𝐝𝐞 𝐦𝐚𝐫𝐢𝐜𝐚𝐬”.

No início de 2021, com a situação descontrolada e os hospitais colapsados, Bolsonaro continuou zombando. No final de fevereiro, quando o Brasil ultrapassou 𝟐𝟓𝟎.𝟎𝟎𝟎 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐨𝐬, afirmou: “𝐜𝐡𝐞𝐠𝐚 𝐝𝐞 𝐟𝐫𝐞𝐬𝐜𝐮𝐫𝐚, 𝐝𝐞 𝐦𝐢𝐦𝐢𝐦𝐢, 𝐯𝐚̃𝐨 𝐟𝐢𝐜𝐚𝐫 𝐜𝐡𝐨𝐫𝐚𝐧𝐝𝐨 𝐚𝐭𝐞́ 𝐪𝐮𝐚𝐧𝐝𝐨?” 𝐌𝐚𝐢𝐬 𝐝𝐞 𝟕𝟎𝟎 𝐦𝐢𝐥 𝐛𝐫𝐚𝐬𝐢𝐥𝐞𝐢𝐫𝐨𝐬 𝐩𝐞𝐫𝐝𝐞𝐫𝐚𝐦 𝐚 𝐯𝐢𝐝𝐚, 𝐞 𝐁𝐨𝐥𝐬𝐨𝐧𝐚𝐫𝐨, 𝐝𝐞 𝐟𝐨𝐫𝐦𝐚 𝐭𝐨𝐭𝐚𝐥𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐝𝐞𝐬𝐮𝐦𝐚𝐧𝐚, 𝐣𝐚𝐦𝐚𝐢𝐬 𝐝𝐞𝐦𝐨𝐧𝐬𝐭𝐫𝐨𝐮 𝐭𝐫𝐢𝐬𝐭𝐞𝐳𝐚 𝐨𝐮 𝐨𝐟𝐞𝐫𝐞𝐜𝐞𝐮 𝐪𝐮𝐚𝐥𝐪𝐮𝐞𝐫 𝐜𝐨𝐧𝐬𝐨𝐥𝐨 𝐚̀𝐬 𝐟𝐚𝐦𝐢́𝐥𝐢𝐚𝐬 𝐞𝐧𝐥𝐮𝐭𝐚𝐝𝐚𝐬.

Tudo isso ocorreu a despeito dos alertas dos cientistas e das autoridades de saúde, que pediam isolamento, distanciamento social e a suspensão de aglomerações. Bolsonaro fez exatamente o contrário: participou e incentivou várias manifestações em Brasília no auge da pandemia, em 2020, sem máscara e cercado de apoiadores. Promoveu motociatas em diversas capitais do país em 2021, reunindo milhares de pessoas em plena crise sanitária, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Também visitava feiras e locais públicos, cumprimentando pessoas de mãos dadas e abraçando apoiadores, tudo televisionado, como se fosse uma demonstração de força política contra a ciência e contra os governadores que tentavam conter o vírus. O presidente, que deveria dar o exemplo, transformou a negação das medidas de saúde pública em espetáculo e estratégia de mobilização política.

E ainda houve episódios de humilhação pública e escárnio: Bolsonaro 𝐢𝐦𝐢𝐭𝐨𝐮 𝐩𝐞𝐬𝐬𝐨𝐚𝐬 𝐦𝐨𝐫𝐫𝐞𝐧𝐝𝐨 𝐜𝐨𝐦 𝐟𝐚𝐥𝐭𝐚 𝐝𝐞 𝐚𝐫, em frente às câmeras, como se o sofrimento de quem morria asfixiado fosse motivo de piada. Isso não é comportamento de um ser humano normal.

A cada aumento no número de vítimas, em vez de solidariedade, oferecia ironia; em vez de liderança, espalhava desinformação; em vez de compaixão, fazia chacota. Como tantas outras mentiras que ele e sua família espalharam, até a suposta depressão de Bolsonaro é fake.

Se hoje ele diz estar deprimido por não poder sair de casa, seria de se imaginar que, diante do luto coletivo de centenas de milhares de famílias, estivesse completamente destroçado. Mas não esteve. Pelo contrário, agiu com frieza diante do sofrimento nacional.

Por isso, antes de pedir compaixão para si, Bolsonaro deveria reconhecer sua completa ausência de empatia naqueles anos sombrios em que o país sangrava. A depressão que agora alega sentir contrasta de forma cruel com a dor real, profunda e irreparável de milhões de brasileiros. E é nesse contexto que precisamos revisitar sua cronologia: uma sucessão de descasos, deboches, aglomerações e negligências, em meio a uma das maiores tragédias da história do Brasil.

Até o final desta semana, Bolsonaro deverá ter recebido a sua pena. Sugiro que compre antecipadamente os antidepressivos fluoxetina ou sertralina, porque desconfio que ele vai precisar muito desses remédios.

Cláudio Nogueira

quinta-feira, 31 de julho de 2025

𝐓𝐫𝐮𝐦𝐩 𝐞 𝐨 𝐓𝐚𝐫𝐢𝐟𝐚𝐜̧𝐨: 𝐐𝐮𝐞𝐦 𝐑𝐞𝐚𝐥𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐏𝐚𝐠𝐚 𝐚 𝐂𝐨𝐧𝐭𝐚?


A partir de 6 de agosto (e não mais dia 1º), entram em vigor o tarifaço que Trump impôs ao Brasil. Hoje, o Secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, disse algo mais ou menos assim: “O Japão vai pagar 10%, a União Europeia 15% e o Brasil 50% de tarifa.”

Isso é mais retórica política do que economia real. Nenhum país que transaciona com a América vai pagar mais. Esse é o valor do imposto de importação que os importadores americanos vão recolher ao governo sobre os produtos comprados no exterior.

O importador americano paga a tarifa na entrada do produto. Para não reduzir o lucro, ele a repassa parcial ou totalmente ao consumidor final. Em tese, quem acaba arcando com essa tarifa é o consumidor nos Estados Unidos. Isso significa que, embora a narrativa oficial seja de “punir” países exportadores, o efeito imediato é inflacionário dentro da própria economia americana, corroendo o poder de compra da população

Se o importador não conseguir repassar tudo — porque o consumidor pode deixar de comprar —, ele absorve parte da perda ou vende menos. É aí que surgem consequências para o país exportador: exportará menos, reduzindo sua receita. Em alguns casos, o exportador estrangeiro reduz seu preço para não perder mercado, dividindo o prejuízo. Aqui se vê um paradoxo: enquanto os EUA dizem proteger seus produtores internos, podem acabar apenas criando turbulência nos fluxos comerciais globais.

Não por acaso, alguns importadores americanos já prometeram entrar na Justiça contra a medida, alegando que não há justificativa econômica para um tarifaço dessa magnitude, já que os Estados Unidos mantêm um superavit comercial de US$ 7 bilhões em relação ao Brasil. Para eles, a decisão é puramente política e fere princípios de livre concorrência e acordos internacionais.

Para entender melhor, basta olhar para alguns exemplos concretos. O café brasileiro, responsável por cerca de 30% do café consumido nos EUA, movimentou US$ 2 bilhões em 2024 só no mercado americano. Com a tarifa de 50%, o custo para os torradores nos EUA dispara, e os preços ao consumidor — já em alta de quase 9% em 2025 — devem subir ainda mais. Pequenos produtores brasileiros, que operam com margens estreitas, ficam sem fôlego, e a competitividade do café nacional no maior mercado mundial despenca. Isso deverá levar os importadores a buscarem fornecedores alternativos, como Colômbia e Vietnã — o que pode abrir espaço para o Brasil tentar reconquistar mercados, mas a um custo elevado e sem garantia de sucesso.

A situação é semelhante na carne bovina. No primeiro semestre de 2025, o Brasil exportou para os EUA cerca de 181 mil toneladas, gerando US$ 1 bilhão em receita — cerca de 12% do total exportado. Após o anúncio da tarifa, os embarques despencaram: eram 47,8 mil t em abril, e em julho apenas 9,7 mil t — queda de mais de 80%. A tarifa de 50% soma-se a outras já existentes, e o ônus final pode alcançar 76% sobre a carne brasileira. Estima-se uma perda de até US$ 1 bilhão no segundo semestre, com risco de triplicar em 2026. Os importadores americanos tendem agora a aumentar compras de países como Austrália e México, enquanto o Brasil tenta redirecionar volumes para mercados do Oriente Médio e Ásia — mas sem garantia de preço ou participação.

Todas as vezes que ocorrem problemas com os laranjais da Flórida ou Califórnia, o suco de laranja sobe no Brasil, porque a exportação aumenta, reduzindo a oferta doméstica. Com o tarifaço, acontece o inverso: mais oferta interna, mas menos entrada de dólares, pressionando o real.

No fundo, tarifas deste tipo são mais armas políticas do que políticas econômicas sustentáveis. Podem agradar certos eleitores no curto prazo, mas fragilizam a confiança internacional e prejudicam a economia americana. O ganho imediato está na arrecadação e no discurso político. Mas, como mostram os exemplos do café e da carne, as perdas tendem a ser muito maiores que os ganhos.

     Como alerta, o economista Paul Krugman, prêmio Nobel, qualificou o plano como “grotescamente ilegal” e criticou o argumento de que o governo americano não repassaria a tarifa ao consumidor. Segundo ele, “ninguém tem margem de lucro para absorver isso” e exortou que, uma vez que ficou evidente que a política veio para ficar, “acabará sendo o consumidor americano quem pagará” (wunc.org, Reuters).

Não há, portanto, ganho real para o crescimento do PIB americano. A medida não estimula a produção interna de forma sustentável: encarece a importação, reduz o poder de compra do consumidor — que responde por cerca de 70% do PIB dos EUA — e eleva os custos de empresas que dependem de insumos importados. O resultado líquido é negativo: mais inflação, menos consumo e menor investimento, o que corrói o PIB potencial.

Até o dia 6 de agosto tudo pode mudar — e nessa equação ainda falta a resposta de reciprocidade do Brasil prometida pelo governo. Vale lembrar também que 694 produtos ficaram fora do tarifaço, o que ainda permite espaço para negociações. Mas o que não parece possível é imaginar que uma anistia a Bolsonaro - exigida por Trump - pudesse ser usada como moeda de troca para impedir o tarifaço. Seria ingenuidade do Brasil cogitar isso sem qualquer garantia - até porque, com ou sem anistia, o tarifaço viria de qualquer jeito.

Enquanto isso, o brasileiro pode, ao menos por ora, aproveitar os preços mais baixos no mercado interno. Ironicamente, foi Trump quem acabou ajudando Lula a cumprir uma promessa de campanha: picanha mais barata para o churrasco. Agora só falta baixar o preço da cerveja.

 Cláudio Nogueira


PS. Para melhor entender o comércio  entre as nações sugiro ler: Alguém tem de apresentar David Ricardo a Donald Trump

𝐓𝐫𝐮𝐦𝐩 𝐚𝐧𝐝 𝐭𝐡𝐞 𝐓𝐚𝐫𝐢𝐟𝐟 𝐒𝐡𝐨𝐜𝐤: 𝐖𝐡𝐨 𝐑𝐞𝐚𝐥𝐥𝐲 𝐏𝐚𝐲𝐬 𝐭𝐡𝐞 𝐏𝐫𝐢𝐜𝐞?

 To my dear teach who lives in Atlanta.

   Starting on August 6 (and no longer on August 1), the heavy tariffs Trump imposed on Brazil will take effect. Today, U.S. Secretary of Commerce Howard Lutnick said something along the lines of: “Japan will pay 10%, the European Union 15%, and Brazil 50% in tariffs.”

This is more political rhetoric than real economics. No country trading with America will pay more. This is the amount of import tax that American importers will pay to the government on goods purchased abroad.

The U.S. importer pays the tariff at the border. To avoid reducing profit margins, they pass it on—partially or entirely—to the final consumer. In theory, it is the American consumer who ultimately bears the cost. This means that, although the official narrative is about “punishing” exporting countries, the immediate effect is inflationary within the U.S. economy itself, eroding households’ purchasing power.

If the importer cannot pass on the full cost—because consumers may stop buying—they absorb part of the loss or reduce sales. That’s where the impact hits the exporting country: fewer exports, therefore less revenue. In some cases, the foreign exporter lowers prices to avoid losing market share, sharing the loss. Here lies a paradox: while the U.S. claims to protect domestic producers, it may end up only creating turbulence in global trade flows.

Not surprisingly, some American importers have already vowed to take the matter to court, arguing that there is no economic justification for such a massive tariff, given that the United States maintains a $7billion trade surplus with Brazil. In their view, the decision is purely political and violates the principles of free competition and international agreements.

To better understand, let’s look at some concrete examples. Brazilian coffee, which accounts for about 30% of U.S. coffee consumption, generated $2billion in 2024 in the American market alone. With a 50% tariff, costs for U.S. roasters will soar, and consumer pricesalready up nearly 9% in 2025are set to climb further.

Small Brazilian farmers, who already operate on thin margins, are left breathless, and the competitiveness of Brazilian coffee in the worlds largest market collapses. Importers will likely turn to suppliers such as Colombia or Vietnam—forcing Brazil to chase other markets at high cost and with no guarantee of success.

The story is similar for beef. In the first half of 2025, Brazil exported about 181,000 tons to the U.S., generating $1billionaround 12% of its total beef exports. After the tariff announcement, shipments plunged: from 47,800 tons in April to just 9,700 tons in Julya drop of more than 80%. The 50% tariff stacks on top of existing duties, bringing the total burden on Brazilian beef as high as 76%. Losses in the second half of the year are estimated at up to $1billion, with risks tripling in 2026. U.S. importers are expected to increase purchases from countries like Australia and Mexico, while Brazil attempts to divert volumes to the Middle East and Asia—but with no guarantee of price or market share.

Whenever citrus crops in Florida or California are hit by problems, orange juice prices in Brazil rise because exports surge, reducing domestic supply. With this tariff shock, the opposite occurs: more supply at home, but fewer dollars entering the country, putting pressure on the Brazilian real.

Ultimately, tariffs of this kind are more political weapons than sustainable economic policy. They may please certain voters in the short term but undermine international trust and harm the U.S. economy. The immediate gain lies in revenue collection and political messaging. But as the coffee and beef examples show, losses tend to far outweigh the gains.

As Nobel laureate economist Paul Krugman has warned, the plan is “grotesquely illegal” and based on the false claim that the U.S. government would not pass tariffs on to consumers. According to him, “no one has profit margins to absorb this”, and once it’s clear the policy is here to stay, “it will ultimately be the American consumer who pays.” (wunc.org, Reuters).

There is, therefore, no real gain for U.S. GDP growth. The measure does not sustainably boost domestic production: it makes imports more expensive, cuts consumer purchasing power—which accounts for about 70% of U.S. GDP—and raises costs for companies reliant on imported inputs. The net result is negative: more inflation, less consumption, and lower investment, which erodes potential GDP.

Until August 6, everything could still change—and Brazil’s reciprocal response, promised by its government, is yet to come. It is also worth noting that 694 products were left out of the tariff list, leaving room for negotiations. What seems impossible, however, is the notion that an amnesty for Bolsonaro—allegedly demanded by Trump—could be used as a bargaining chip to stop the tariff plan. It would be naïve for Brazil to even consider this without any guarantee—especially since, with or without amnesty, the tariffs were coming anyway.

Meanwhile, Brazilians can, at least for now, enjoy lower domestic prices. Ironically, it was Trump who ended up helping Lula fulfill a campaign promise: cheaper steak for the barbecue. Now we’re only waiting for beer prices to drop.

 

Cláudio Nogueira

 

quinta-feira, 19 de junho de 2025

A Presença Real de Cristo na Eucaristia

A Eucaristia: presença viva de Cristo entre nós

“Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é verdadeira bebida.” (João 6, 53-55)

Diante de palavras tão fortes e misteriosas, um grande questionamento se impõe: como é possível comer a carne e beber o sangue de Cristo - não apenas naquele momento, mas por todas as gerações, até o fim dos tempos?

Jesus falava de algo muito além do literal. Ele falava de um mistério eterno, que se realizaria plenamente na Eucaristia, o sacramento do seu Corpo e Sangue, instituído na Última Ceia. E para que isso pudesse continuar acessível em todos os tempos e lugares, Ele mesmo providenciou os meios: a consagração do pão e do vinho, realizada pelos sacerdotes da Igreja Católica, em sua missão de agir na pessoa de Cristo.
É o mistério da fé encarnada e continuada sacramentalmente, onde o eterno se torna presente, e o invisível se entrega ao visível para alimentar a alma.

      A Última Ceia: cumprimento da promessa

Na Última Ceia (Mt 26,26-28), Jesus concretizou o que havia anunciado em João 6, 53-55.

Ele tomou o pão e disse: “Isto é o meu corpo.”

E tomando o cálice, declarou: “Este é o meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança, que será derramado por vós.”

Ele não disse “isto representa”, mas “isto é”. Com essas palavras, instituiu a Eucaristia, não como símbolo, mas como presença real. O pão e o vinho, depois da consagração, deixam de ser apenas pão e vinho. Tornam-se, na fé da Igreja, o próprio Cristo: Corpo, Sangue, Alma e Divindade, oferecido em sacrifício e dado como alimento.

Se fosse meramente representativo, como poderia de fato se cumprir a exigência-promessa de Jesus em João 6,53-55 ? 

Como poderíamos comer sua carne e beber seu sangue, se Ele nos deixasse apenas um símbolo ? Um mero memorial simbólico não comunica a vida eterna; somente o próprio Cristo vivo na Eucaristia pode ser verdadeiro alimento e verdadeira bebida.

Santo Inácio de Antioquia em carta aos Esmirnenses, capítulo 7, versículo 1 escreveu:

“Abstêm-se eles da Eucaristia e da oração, porque não reconhecem que a Eucaristia é a carne de nosso Salvador Jesus Cristo, carne que padeceu por nossos pecados e que o Pai, em Sua bondade, ressuscitou.”

O próprio Cristo nos adverte sobre as consequências de rejeitar essa comunhão:

“Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós.”

Essa Palavra revela que a vida verdadeira, a vida eterna, está intimamente ligada à participação na Eucaristia - a comunhão com Jesus, que se entregou por nós para nos salvar.

São Francisco em carta a todos os fiéis (1224) escreveu:

“Adorai o Santíssimo Sacramento com toda a devoção do coração, porque é o corpo do Senhor Jesus, verdadeiramente presente sob as espécies do pão e do vinho.”

A Consagração: palavra eficaz de Cristo, pronunciada pelo sacerdote.

Para que essa realidade continue acontecendo através dos séculos, Cristo confiou à Igreja o poder de repetir esse gesto, dizendo: “Então Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós; façam isto em memória de mim.” (Lucas 22:19)

Essa “memória” não é mera lembrança, mas tornar presente o que foi realizado uma vez por todas na cruz. Quando o sacerdote, na missa, pronuncia as palavras da consagração, ele o faz na pessoa de Cristo, com o mesmo poder e eficácia. Nesse momento, por ação do Espírito Santo, o pão e o vinho são transformados substancialmente no Corpo e Sangue de Jesus. Esse mistério é chamado pela Igreja de transubstanciação.

Santo Ambrósio na obra “Sobre os Sacramentos”,  capítulo 4, parágrafo 4 dizia:

“A palavra de Cristo que pôde criar do nada o que não existia, não pode transformar em algo diferente aquilo que existe? De fato, não é menos dar às coisas uma natureza totalmente nova do que mudar aquela que já tem. (…) Este corpo que produzimos sobre o altar é o corpo nascido da Virgem. (…) Com certeza é a verdadeira carne de Cristo que foi crucificada, que foi sepultada; é, portanto, realmente o sacramento da sua carne. (…) O próprio Senhor Jesus proclama: ‘Este é o meu corpo.”

 Milagres Eucarísticos: Quando a fé se torna visível.

Ao longo da história, Deus permitiu que, em alguns momentos extraordinários, o mistério da Eucaristia se tornasse visível aos olhos humanos - como um sinal para fortalecer a fé na presença real de Cristo.

Lanciano (Itália, séc. VIII): Um monge que duvidava da presença real consagrou o pão e o vinho, e viu a hóstia transformar-se em carne e o vinho em sangue diante de seus olhos. Séculos depois, exames científicos comprovaram que a carne é tecido de um coração humano vivo e o sangue pertence ao tipo AB, o mesmo encontrado no Santo Sudário.

 Santarém (Portugal, séc. XIII): Uma mulher, em crise matrimonial, procurou uma feiticeira. Para agradá-la, roubou uma hóstia consagrada. No caminho, a hóstia começou a sangrar em sua mão. Esse milagre é venerado até hoje, e o sangue continua visível em Santarém.

Cássia (Itália, séc. XIV): Um sacerdote foi chamado às pressas para levar os sacramentos a um doente. Em dúvida sobre sua fé, ele guardou a hóstia entre as páginas do breviário. Quando o abriu, viu que a hóstia havia sangrado, manchando as páginas. O milagre é preservado até hoje no convento de Santa Rita.

Eu já tive a felicidades de está na presença desses milagres. Em Lanciano foram duas vezes. Em Cássia foram três vezes. Lá ficava ao lado do corpo da Santa, mas recentemente, deslocou-se para um local de maior destaque, mas não tão longe do corpo incorrupto de Santa Rita. Santarém é uma cidade um pouco ao sul de Fátima.

Além desses, a Igreja reconhece dezenas de outros milagres eucarísticos, como os de Buenos Aires (Argentina), Sokolka (Polônia) e Tixtla (México), todos documentados com laudos médicos e testes científicos modernos - sempre revelando tecido vivo do coração humano com sinais de sofrimento.

Esses milagres não criam uma nova verdade, mas confirmam a fé constante da Igreja: na Eucaristia, está realmente presente Jesus Cristo vivo.

O beato Carlo Acutis, que será canonizado em 7 de setembro próximo pelo Papa Leão XIV compilou em um site mais de cem milagres eucarísticos (clique/carregue aqui para entrar/aceder) Os Milagres Eucarísticos no Mundo 

   Sinais de união: êxtase místico diante da Eucaristia

 Além dos sinais visíveis da Eucaristia em alguns milagres extraordinários, Deus também manifestou sua presença por meio da vida interior de muitos santos, que experimentaram uma união tão íntima com Cristo Eucarístico que entravam em êxtase espiritual após a comunhão. Esses momentos eram tão intensos que os sentidos físicos pareciam ceder diante da plenitude do divino.

  Santa Teresa de Ávila, grande mística carmelita e Doutora da Igreja, relatou experiências sublimes após receber o Corpo de Cristo. Em seus escritos, especialmente no Livro da Vida, ela descreve como, após comungar, muitas vezes sua alma era tomada por uma presença divina irresistível. Ela dizia que parecia “sair de si” e ser levada por Deus, sentindo-se imersa em um amor tão profundo que nenhuma palavra humana podia descrever. A Eucaristia era, para ela, alimento que não apenas fortalecia a alma, mas que a transportava à morada interior onde Deus habita.

  São Pio de Pietrelcina, sacerdote capuchinho do século XX, também vivia a Eucaristia com tal intensidade que frequentemente caía em êxtase durante ou logo após a Missa. Testemunhas relatam que, ao comungar, seu rosto transfigurava-se, tomado por lágrimas e silêncio, como quem contemplava o próprio céu. Em muitas ocasiões, permanecia imóvel, absorto na presença real de Cristo, alheio a tudo ao seu redor. A Eucaristia era, para ele, o centro da vida e o maior de todos os milagres, fonte de sua união com o Crucificado, que ele também trazia nos estigmas.

  Essas experiências não foram simples emoções religiosas, mas sinais da eficácia sobrenatural da Eucaristia em almas totalmente entregues a Deus. Elas confirmam que a comunhão, vivida com fé, pode conduzir a uma verdadeira transformação interior – até mesmo à contemplação mística da presença viva de Jesus.

    A Continuidade: Para todas as gerações.

Jesus não instituiu um rito passageiro, mas um sacramento eterno. Seu comando: “fazei isto”, é uma ordem perpétua. Por isso, a Igreja, em obediência a Cristo, celebra diariamente a Eucaristia em todos os cantos do mundo.

Cada Missa é uma participação real no sacrifício do Calvário, feito presente sacramentalmente. Não se trata de repetir o sacrifício, mas de tornar presente o único e eterno sacrifício de Cristo de forma incruenta.

No livro Mysterium Fidei, abordado também no Catecismo da Igreja Católica (nº 1375), São João Crisóstomo afirma:

“Não é o homem que faz com que as coisas oferecidas se tornem o Corpo e Sangue de Cristo, mas o próprio Cristo, que foi crucificado por nós. O sacerdote, figura de Cristo, pronuncia estas palavras, mas a sua eficácia e a graça são de Deus. ‘Isto é o meu Corpo’, diz ele. Esta palavra transforma as coisas oferecidas.”

   A Sucessão Apostólica: Garantia da autenticidade.

Para que essa graça se perpetuasse, Jesus confiou aos Apóstolos não apenas o poder de celebrar, mas também o de ordenar outros ministros. Assim nasceu a sucessão apostólica, pela qual o sacerdócio é transmitido de geração em geração, garantindo que a Eucaristia continue sendo celebrada validamente até o fim dos tempos. Essa transmissão se dá sacramentalmente por meio do rito da ordenação, especialmente pela imposição das mãos, conforme praticado desde os tempos apostólicos (cf. At 6,6; 1Tm 4,14; 2Tm 1,6). Ao impor as mãos, o bispo comunica, com a oração consagratória, o dom do Espírito Santo e a autoridade recebida dos próprios Apóstolos. Trata-se de uma verdadeira linha ininterrupta que une cada sacerdote à missão confiada por Cristo aos Doze, assegurando a autenticidade do ministério eucarístico em toda a Igreja.

 O Mistério da Fé.

Diante da promessa de Cristo -  “quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna” - vemos que a resposta de Deus é clara, poderosa e contínua: a Eucaristia é o modo pelo qual essa promessa se cumpre.

Por isso, a Igreja proclama com fé em cada Missa: “Eis o mistério da fé!”

E este mistério é Cristo vivo entre nós, que se oferece como alimento de salvação, sustentando-nos nesta vida e prometendo-nos a ressurreição no último dia.

Felizes somos nós que participamos do banquete do Senhor: “Eis o Cordeiro de Deus. Eis aquele que tira os pecados do mundo.”