Pesquisar este blog

sábado, 20 de julho de 2013

Alyrio Lima, o Padre Construtor

Dia 22 deste mês celebra-se os 70 anos da chegada,na Amazônia, dos padres Redentoristas da Congregação do Santíssimo Redentor (CSsR), fundada por Santo Afonso Maria de Liguori. Dez dias antes desta data morreu o padre Alyrio Lima dos Santos, mas conhecido com padre Lima. Primeiro brasileiro redentorista da Vice- Província de Manaus. 
Faço o registro para homenageá-lo - considerando que os redentoristas americanos foram embora - e para que os redentoristas que estão dando continuidade a Vice-Província (VP) de Manaus, inclusive expandindo-a para o Acre, conheçam um pouco de sua própria história.

Esse texto foi possível devido à duas importantes fontes. A primeira é um texto detalhado escrito em 1996 pela senhora Jane Rocha, da paróquia de São Geraldo, por ocasião dos quarenta anos de sacerdócio do Pe. Lima. A outra fonte é uma colaboração do amigo Nelson Peixoto. Somam-se a essas fontes uma entrevista filmada com o Pe. Lima, que fiz em 7 de março de 2012, já pensando em colher dados sobre os setenta anos da chegada dos Redentoristas.

Padre Lima nasceu em 19 de dezembro de 1931; portanto, tinha 81 anos. Em 1990, se desvinculou da Congregação Redentorista e foi incardinado na Arquidiocese de Manaus, como padre diocesano.
Apesar da idade ainda celebrava, eventualmente, missas na igreja de São Geraldo e, regularmente, do outro lado da rua, na igreja do convento das Irmãs Adoradoras do Sangue de Cristo. 
Fez os votos temporários ainda muito jovem, em janeiro de 1951; com apenas 19 anos, e foi ordenado 1956, com 24 anos.
Era o filho mais novo de uma  família pobre com quatro filhos; seus pais tiveram que lutar muito para educá-los.

O Primeiro Seminário
Terminado o curso primário, com onze anos de idade ingressou no Seminário Diocesano, o qual após vários anos sem funcionar, havia sido reativado por Dom João da Mata, bispo da Diocese de Manaus. 
Nesta “nova primeira turma” estava alguns colegas que se tornaram mais tarde bastante conhecidos na sociedade manauense, entre os quais os padres: Luiz Ruas, Tiago de Souza Braz, Jorge Normando, Manuel Bessa Filho e  Francisco Pinto; além do médico  Platão Araújo e do professor  Orígenes Martins. 
Neste seminário ficou apenas dois anos (1942-43). Foram os dois primeiros anos do “ginásio”.  Prosseguiu o ginásio e o “clássico” no colégio Dom Pedro II. Nesse meio tempo, os Padres Redentoristas chegaram a Manaus (1943) e iniciaram suas atividades justamente no bairro de Aparecida, onde morava com a família. Não demorou muito para o ex-seminarista  se envolver na nova paróquia  e começar a sentir mais uma vez a centelha da vocação, desta vez de uma maneira mais consciente.
“Devido às atividades de coroinha, por entender um pouco de latim, nas missas celebradas na rua Ramos Ferreira, na vila são Vicente de Paulo” [onde hoje é um depósito de bebidas, em frente à Escola de Samba de Aparecida] pelo padre Thomas Murphy [futuro bispo auxiliar de Salvador e titular de Juazeiro, na Bahia], foi que decidi entrar para a Congregação Redentorista”.
Em Coari os Redentoristas já tinham iniciado o seu próprio seminário com as primeiras vocações regionais. Como Alyrio Lima estava bem mais adiantado, foi enviado para a Província Redentorista de São Paulo; completando os estudos  no seminário de  Aparecida do Norte. Em seguida fez o ano do noviciado em Pindamonhangaba. Era o Ano Santo de 1950. Concluído o noviciado, em janeiro de 1951, Alyrio Lima, com 19 anos de idade, fez os votos temporários; seguindo com seus colegas de turma para a cidade de Tietê, onde ficava o seminário maior dos paulistas. Ali estudou dois anos de Filosofia e Teologia.  As matérias de Teologia cativaram o jovem “frater” (assim são chamados os seminaristas maiores). Os superiores Redentoristas em Manaus (americanos) julgaram que o frater Lima devia ter um banho de cultura americana, uma vez que, mais tarde, já como padre, deveria conviver com confrades americanos. Frater Lima foi, então, enviado para o seminário maior Imaculada Concepção, em Oconomowoc, no estado de Wisconsin, para completar seus estudos superiores. Lá teve como colegas futuros padres que um dia trabalhariam na Amazônia, como o padre Carlos Steiner, Pascoal Stenger e Noé Aggeler.

Seminário nos Estados Unidos
A vida nos States não foi inicialmente fácil. Seus conhecimentos da língua inglesa eram rudimentares. Havia aprendido inglês básico no colégio Dom Pedro II, em Manaus. Teve que aprender o restante no sufoco e na observação, “...mas foi um tempo prazeroso e de encantamento. Tudo era novidade, a começar pelo clima do centro-norte americano, aonde a temperatura chega até 20 graus negativos.O grande lago que banhava parte do terreno do seminário congelava completamente e se prestava aos esportes de inverno.” Frater Lima aprendeu logo a patinar no gelo e tomou gosto pelo esporte.  Em Oconomowoc foi ordenado padre no dia 2 de julho de 1956, junto com Alfred Ernest Novak e John Moffit, respectivamente, padres Alfredo e João no Brasil. 
Padre Alfredo Novak trabalhou até abril de 1979 no Amazonas, quando se tornou bispo auxiliar de São Paulo. Em 1989, Dom Alfredo Novak tornou-se bispo de Paranaguá até a sua aposentadoria em 2006.
Como o padre Lima era o primeiro redentorista amazonense a se ordenar nos Estados Unidos, a Província Redentorista de St. Louis procurou dar o máximo de divulgação ao evento. Assim foram programadas duas “primeiras missas”: uma em Chicago e a outra em Detroit. Ambas com muita pompa e circunstâncias.  Para um neo sacerdote, com apenas 24 anos de idade, recém-saído do seminário com um regime de formação completamente fechado, enfrentar de repente duas celebrações ruidosas, mesmo que cercado de pessoas acolhedoras, mas completamente desconhecidas, foi muito interessante para a assembleia, mas aterrorizante para o homenageado; ainda mais que ele teve de fazer as suas duas primeiras homilias num idioma que ainda não dominava totalmente.
Terminadas as festividades, os novos padres tiveram que voltar para Oconomowoc para mais seis meses de estudos, na condição de “padres-estudantes”. Nesse período as práticas pastorais faziam parte do aprendizado. Os sobressaltos continuaram. Nos finais de semana cada padre-estudante era escalado para celebrar missa em alguma cidadezinha da vizinhança; e ouvir confissões. "Isso foi também um difícil teste."  Nas primeiras confissões que atendeu padre Lima estava com mais medo do que os penitentes, pois, alguns pecados eram confessados em gíria que ele desconhecia.  
De Oconomowoc sua turma seguiu para Pine City, no estado de Minnesota. Foram mais seis meses fazendo o “segundo noviciado”. Era o último estágio de formação para enfrentar o ministério sacerdotal.

De editor de revista a estudante em Roma
Pe. Lima voltou para Manaus no início de 1958, após 9 anos de ausência. Celebrou mais uma “primeira missa” na nova igreja de Aparecida. Sua primeira missão foi na cidade de Coari. Ali ensinava inglês e religião no Seminário Menor, e era o vigário coadjutor na paróquia. Essa última função incluía algumas viagens nos finais de semana para atender pequenas comunidades ribeirinhas às margens do Solimões e do lago de Coari.  Essas pequenas viagens eram feitas em pequenos barcos, em “voadeiras” ou até em canoas com motor de rabeta; pequenas aventuras. 
Permaneceu em Coari por quase quatro anos. Nesta época foi organizada pela VP uma pequena editora com sede em Belém com o objetivo de publicar e distribuir folhetos populares de formação cristã nas missas dominicais.  O nome do folheto era “Lê e Vê”. Foi escolhido para ser o editor. A tiragem desse folheto começou com 50.000 mil unidades, inicialmente para as cidades de Belém e Manaus. Não demorou muito para alcançar outras capitais em praticamente todas as regiões do país, inclusive São Paulo e Rio de Janeiro. 
A partir do Rio de Janeiro - paróquia de Santo Afonso, na Tijuca - pretendia-se chegar a todas as paróquias e não apenas as redentoristas. Era um sonho da Congregação dotar aqui no Brasil uma editora católica do tipo que tinham na Província Redentorista de Saint Louis, Missouri." 
Essa experiência teve curta duração, pois, os superiores determinaram que Pe. Lima fosse para Roma fazer um curso  em Direito Canônico. Não era assunto de sua predileção, mas foi por obediência alto. “O lado prazeroso dessa experiência foi a oportunidade de conhecer a beleza e as preciosidades históricas da Cidade Santa.” E também outros lugares entraram no roteiro. Ele aproveitava o período de férias para conhecer outros países da Europa e fazer pequenos cursos de verão.

De volta ao Amazonas
Em 1964 retornou à VP de Manaus e mais uma vez foi nomeado para Coari. Logo que lá chegou, Dom Mário Anglim - recém assumido como primeiro bispo de Coari - o escolheu para ser seu vigário geral. Assumindo também a direção da Rádio Educação Rural de Coari.  
Esse foi o período mais longo e frutuoso da sua missão na prelazia de Coari. Foi nessa época que Pe. Lima, por necessidade, começou a se envolver em pequenos projetos de engenharia. Na verdade essa “vocação paralela” começou bem antes, quando ele ainda era seminarista no Seminário Maior de Tietê, SP. 
No início dos anos 50, o Pe. João McCormick, o vice-provincial, pediu ao frater Lima que esboçasse um projeto para a nova igreja da paróquia de Aparecida, em Manaus.  O pretensioso frater aceitou o desafio, mas parece que seu projeto foi considerado ousado demais. O projeto escolhido foi o do engenheiro Jatyr Pacu de Aguiar. Mais tarde, já como padre, ainda na sua primeira experiência em Coari, foi-lhe confiado um novo projeto: o novo seminário que a VP decidira construir próximo a Belém, nos limites das cidades de Marituba e Benevides, no estado do Pará. Dessa vez o projeto vingou e o prédio foi realmente construído de acordo com a planta apresenta
Padre Alrio Lima dos Santos - 2012
da. Foi, porém, na sua volta a Coari que Pe. Lima, apesar de suas funções de vigário-geral e diretor da rádio, se envolveu em diversos projetos de construção. O primeiro foi um centro de treinamento para lideranças da zona rural. Em seguida, a reestruturação de um pequeno prédio para abrigar os novos estúdios para a emissora de rádio. Depois veio a reforma e ampliação da catedral de Coari, a capela de Santo Afonso, outro centro de treinamento na cidade de Codajás, a igreja na cidadezinha de Anamã e outras pequenas obras.
A administração da rádio foi tarefa muito difícil; as pequenas empresas da cidade não tinham força financeira que desse sustentação econômica para a emissora. Por outro lado, era o período da ditadura militar que impunha uma série de limitações, que dificultavam o funcionamento da emissora. Assim se passaram vários anos. 

Contador-Tesoureiro
No final de 1971, Pe. Lima foi nomeado ecônomo (algo como contador e tesoureiro - administrador dos bens) da Vice-Província Redentorista de Manaus. Continuou dirigindo a rádio, em Coari, até a nomeação de um substituto.
Sua gestão como ecônomo foi bastante tumultuada, "mas profissional". Foi um período de decisões radicais na Vice-Província; as quais exigiam renúncias por parte dos confrades e até leigos sob a sua direção. Exigiam, também, trâmites legais perante órgãos do governo. Tudo isso tinha de ser “executado” por ele, na qualidade de ecônomo. 
Na época os redentoristas da VP trabalhavam em Manaus, nas paróquias de Nossa Senhora Aparecida  - constituída pela igreja matriz e pela capela de Perpétuo Socorro - Santa Luzia, na Matinha e São Geraldo; em Manacapuru, Codajás, Coari, Anori, Anamã, no Amazonas; no seminário de Marituba/Benevides e na paróquia de Perpétuo Socorro, em Belém. 
Nas paróquias, ao lado das igrejas, havia também os colégios gratuitos pertencentes à Congregação. Foi nesse período que a VP se desfez do prédio residência dos padres na paróquia de Aparecida, onde hoje funciona a Faculdade de Farmácia da UFAM. Foi vendida também a propriedade conhecida como Pedreiras (hoje o Parque do Mindú)
Muitas outras decisões polêmicas tiveram de ser tomadas. Todas essas mudanças mexeram com muita gente; e o ecônomo, que era apenas o executor, foi alvo de muitas críticas. "Ele pôs a VP na legislação do Terceiro Setor como Organização Filantrópica, assim como foi um ecônomo fiel aos princípios da vida fraterna, plantou o futuro que daqui para frente às gerações missionárias serão beneficiadas."

De Volta a Vida Pastoral
Em 1979, Pe. Lima deixou o cargo de ecônomo e foi premiado com um “ano sabático” nos Estados Unidos. Foi um tempo de repouso para refletir, meditar e reorganizar os neurônios e se atualizar com os avanços da teologia e das pastorais. De volta a Manaus, lecionou Direito Canônico no CENESC (atual CETESP) por um semestre. Em 1981, assumiu a administração da comunidade N.S. do Perpétuo Socorro, na rua Leonardo Malcher esquina com a rua Luís Antony, ligada à paróquia de Nossa Senhora Aparecida. Além das atividades pastorais, mobilizou os paroquianos para a reforma completa da pequena igreja. Quando deixou a comunidade sete anos depois, a reforma já estava concluída, exceto por alguns detalhes externos. No decorrer da sua gestão nessa comunidade foi nomeado pároco de Aparecida, ofício que exerceu por três anos. Depois voltou a se dedicar somente a comunidade do Perpétuo Socorro. 
Em maio de 1987, Dom Clóvis Frainer, arcebispo de Manaus, nomeou-o presidente do Tribunal Eclesiástico Regional Norte I; e em setembro do mesmo ano,
Igreja de São Geraldo, sua última obra
 Pe.Lima foi empossado pároco da paróquia de São Geraldo. Continuou, simultaneamente, à frente da comunidade do Perpétuo Socorro. Por mais de um ano o novo pároco dividiu sua cura pastoral entre essas duas comunidades. Na paróquia de são Geraldo fez a sua última construção: a nova igreja.

Pe. Lima esteve à frente de muitos outros trabalhos não mencionados aqui. Tanto na VP redentorista quanto na paróquia de são Geraldo, onde motivou o profundo engajamento dos leigos, com a criação da Escola de Teologia.
Deve ser lembrada a sua participação no Movimento Eclesial de Base (MEB) em Coari. Por uma questão de espaço outras atividades deixaram de ser mencionadas.
“Outro trabalho na Congregação foi a elaboração da Constituição - um tipo de Estatuto da VP de Manaus, onde teve um protagonismo, marcando-o com os conteúdos da Conferência de Medellin e com a radicalização do seguimento de Santo Afonso para estar no meio dos pobres. A Teologia da Libertação, a Liturgia bem encarnada e a Leitura da Palavra de Deus na vida do povo e nas notícias foram pontos fortes que resultaram desse protagonismo. Uma piedade encarnada e nada piegas foi a marca dos Redentoristas naqueles tempos que anteciparam a Conferência Episcopal de  Puebla. Pe. Lima conseguia conciliar de forma inteligente essas vertentes que para alguns pareciam contraditórias. Ele ia ao essencial da mensagem e saia-se sempre consistente em suas argumentações.”
Pe. lima se destacou, também, por uma inteligência privilegiada. Em certa ocasião, em 1978, Pe. Daniel Nugent, CSsR., disse a esse escriba: “Às vezes, em nossas reuniões, recebíamos um texto de algumas páginas para lermos e debatermos. O Lima dava uma olhada nas páginas e pronto. Pensávamos que não tinha lido porque foi muito rápido. Quando começávamos a discussão percebíamos  que ele havia entendido tudo.”

Por todo o seu trabalho e dedicação, espero que Deus na sua misericórdia, tenha recebido o padre  Alyrio Lima em sua morada. Porque na casa do Pai há muitas moradas nos esperando.


Cláudio Nogueira.







3 comentários:

  1. Cláudio, amigo meu! Fico feliz com a trajetória que colheste e escreveste minado de amor pelo Redentor e seus seguidores, dentro ou fora do cânone, com diria o Pe. Lima. Amor e Missão, devoção e veneração à NSPS, coração do Mestre Jesus que já pertencem cultura espiritual síntese desses 50 anos da Prelazia de Coari e 70 de Santo Afonso no Amazonas!
    Parabéns, amigo! Posso imaginar o valor e a emoção que teu livro vai conter para os nossos netos e missionários do futuro! Um abraço fraterno ab immo corde!

    ResponderExcluir
  2. Claudio, muito legal sua homenagem a este Grande Homem e Padre que foi o Lima.

    ResponderExcluir
  3. Muito boa homenagem. Pe. Lima inteligente e talentoso confrade. Tive a satifacao de ensinar-lhe uma coisa: Fui com ele pro um prédio de muitos e ensinei o em q andar seria o qto #340.

    ResponderExcluir