Sábado, primeiro de agosto de
2009, festa de Santo Afonso Maria de Liguori, fundador da Congregação dos Padres Redentoristas. Sem me dar conta disso eu vou para mais uma missa na igreja
de Aparecida. Não pela festa, pois não me lembrava dela, mas porque era o
primeiro sábado do mês, dia para se comungar em honra e fazer pedido ao
Imaculado Coração de Maria.
A primeira surpresa é que a
igreja está lotada, muito cheia, o altar tem pintura nova. Na grande parede-painel
do altar está escrito: O Espírito do Senhor está
sobre mim, porque me ungiu; e me enviou para a anunciar a boa nova ao pobres,
para publicar o ano da graça do Senhor (Lc. 4,18) e em cima uma pintura
muito bonita: o pôr do sol, o rio, as vitórias-régias e um missionário andando
de canoa. Alguém me informa que vai haver a ordenação de um padre. Márcio é o
nome do diácono que será ordenado.
Olho para um lado, olho para o
outro, e constato que aquele povo que tomou toda a igreja não é do bairro, não
vejo quase ninguém conhecido. Na realidade, no decorrer da cerimônia, aprendi
que além do Japiim, bairro onde nasceu o futuro padre, os fiéis vieram de
comunidades de Manacapuru e Coari, locais em que o Pe. Márcio trabalhou.
Todos a postos, o altar está
cheio de padres, diáconos e seminaristas. A cerimônia, presidida por D. Luís
Viera, arcebispo de Manaus, vai começar.
Mas peraí! Quem são esses
padres?
Entre idas e vindas, há
cinquenta anos frequento essa paróquia. Quem são esses caras ou essas caras? O
altar está cheio de gente desconhecida. Esses padres não são a nossa paróquia.
Quem é esse povo que invadiu e se apossou de nossa igreja? Cadê os redentoristas
americanos, que estão aqui desde 1943? Deve ter alguma coisa errada. Não tem
nenhum padre conhecido neste altar. É verdade, que já tinha visto o rosto de um
ou dois celebrando novenas nas terças-feiras. Mas, isso é normal, porque não
raro padres de outras paróquias ajudam nas novenas.
Na assembleia, nos primeiros
bancos da ala lateral esquerda, no seu lugar cativo, procuro o meu padrinho, o Dr. Paulo Feitoza, para ter certeza que não entrei na igreja errada. Ele não
está lá. Quem toca e canta é um grupo de jovens; portanto, não tento procurar a
madrinha ao piano e a ao seu lado Dona Georgina, sua irmã. No sábado, na segunda metade
da igreja, também na lateral esquerda, é infalível encontrar o Mário e a sua
irmã, Mariazinha Toledo. Dou uma olhada, e eles também não estão. Não tem
ninguém conhecido nessa igreja ?
Finalmente apareceu um, padre Manoel Soares, provincial regional dos Redentoristas.
Nem tudo está perdido, há um elo que nos liga ao passado desta paróquia e da
congregação.
Uma emoção forte toma conta de
mim, uma certa tristeza. Quem estava ao lado deve ter imaginado que eu estava
emocionado com a celebração, pensando que seria amigo ou parente do novo padre.
Mas na realidade, a única coisa que me vinha a cabeça é que a paróquia que
conheci e de onde saí aos quarenta anos - mas que mesmo não morando mais no
bairro, frequento muitas vezes - não existia mais.
Bons Amigos
Bons Amigos
Alguns padres redentoristas
eram como se fossem parentes. É verdade que sempre achei que isso um dia iria
acontecer e, que haveria um processo de transição; os velhos amigos indo
embora, e outros amigos, desta vez brasileiros, chegando. Assim foi o caso do
padre Walter, caboco brasileiro, que
há anos é o pároco. Mas cadê o Pe. Walter ? Também não está. Fico pensando como
o Pe. Soares, que está há mais de quarenta anos na Congregação, se sentia. Possivelmente, por ser menos emotivo,
nem se dê conta de que todo mundo que ele conheceu foi embora, para casa, para
os States ou para o céu. Estaria
feliz com a ordenação de mais um redentorista na vice-província. Mas
conversando com ele no coquetel, que seguiu a cerimônia e, falando-lhe da minha
tristeza, me disse que também se sentiu assim quando mês passado morreu Pe. Normando (Norman
Muckerman), que estava na casa dos
noventa e tantos anos, e foi um dos fundadores da paróquia.
Conversei, em 2008, por telefone, com o padre Normando, que há anos vivia na casa dos padres aposentados, St. Clement Health Center, em Liguori, Missouri; mesma casa onde hoje vive o padre Marcos. Impressionante ! Pe. Normando voltou para os Estados Unidos em 1953, mas ainda falava português. Me disse que foi um dia um dos mais altos da congregação, agora, possivelmente, era um dos mais baixo: teve as pernas amputadas.
Conversei, em 2008, por telefone, com o padre Normando, que há anos vivia na casa dos padres aposentados, St. Clement Health Center, em Liguori, Missouri; mesma casa onde hoje vive o padre Marcos. Impressionante ! Pe. Normando voltou para os Estados Unidos em 1953, mas ainda falava português. Me disse que foi um dia um dos mais altos da congregação, agora, possivelmente, era um dos mais baixo: teve as pernas amputadas.
Toda essa emoção está ligado
ao papai. Esses padres são elos que nos ligavam a existência dele. Padres com
quem ele trabalhou e amigos que ele conviveu. A partida do Pe. Marcos Weninger,
para os Estados Unidos em 2001, que segundo informações, não deverá demorar
muito a partir em definitivo, me causou muita tristeza, e a sensação do início
do fim desta conexão. Padre Marcos gostava muito do papai, isso me disse várias
vezes. Ambos tinham a mesma idade, com apenas três dias de diferença.
Ele poderia ser encontrado,
diariamente, ao meio dia, sentado dentro da igreja, lendo um livro ou
meditando. Eu, sempre que podia, ia conversar com ele. Foram longas e boas
conversas. Foi o modo que encontrei para me conectar ao papai. E ele não
deixava de me provocar com uma possível vocação religiosa. Em certa ocasião lhe
disse:
- Padre Marcos, andei pensando
no que o senhor me disse e chequei a conclusão que Deus está gagá, está velho, já não ouve
bem. Eu pergunto o que Ele quer de mim, mas Ele não responde.
- ÓÓÓÓ quem está surdo é você.
Ele já lhe respondeu há muito tempo, você é quem não ouve.
Terminado a conversa com a
expressão favorita dele: Ora bolas !
Nem tudo está perdido
Ao fim da bonita cerimônia, onde
o grupo de jovens mandou ver bem, descubro
que o meu padrinho estava lá, e que a D. Maria do Carmo era quem estava ao
piano, com D. Georgina ao lado. Não os tinha visto porque onde estava sentado,
as colunas do templo não me permitiam vê-las; bem como o the last one, o último americano presente, Pe. Miguel (Thomas) McIntosh. Os outros
americanos que ainda trabalham no Amazonas, Pe. Carlos, semana passada partiu
de férias; Pe. Domingos, desconheço o seu paradeiro e o Pe. João trabalha no
interior.
O altar, agora, tem até
redentoristas nigerianos, sulistas e uma turma de padres e seminaristas, cujas
alturas se igualam a do seu pequeno-grande provincial. Novos redentoristas. Se
foram os grandões brancos de olhos azuis, agora chegou a vez dos cabocos roxos de baixas estaturas, com
raras exceções. Há dois padres novos que estão sempre rindo. Fico pensando: presença
de Deus, felicidade, paz de espírito?
Não me refiro ao Pe. Domingos, o padre Dunga, o risadinha.
Foi um celebração muito
bonita. Viva Santo Afonso ! Viva Nossa Senhora Aparecida por mais um padre
redentorista !
D. Luís me disse que há, em
Manaus, paróquias grandes sem padres. “São 120 padres em Manaus, mas o mínimo
necessário seria 300 padres.”
Os americanos se foram e deixaram saudades. Lembro-me de vários e, principalmente, dos que mais convivi: Pe. Geraldo (Gerard Brinkmann), que foi visitar a mãe doente, e não voltou; morreu dormindo; Pe. Leonardo (Thomas O'Leary), que constituiu família; Pe. Daniel (William) Nugent, quando voltou, tornou-se Provincial; o único a morrer no cargo; Pe. Marcos (Ronald) Weninger, Pe. Luís (Donnell) Kirchner, que ninguém pronunciava direito e Pe. Noé (Vincent) Aggeler. Os nomes brasileiros são todos fakes, obviamente. E Graças a Deus, Pe. Carlos ainda trabalha aqui. Se ao menos o Jackson, Dom Jackson Damasceno Rodrigues, que conheci ainda seminarista, ainda estivesse entre nós... Seria a ligação da nossa história com os antigos missionários. Essa é missão dos padres dos brasileiros Soares e D. Gutemberg, dos americanos Carlos, Domingos, Miguel, que estão há mais de cinquenta anos no Brasil, e que um dia nos deixarão.
Os americanos se foram e deixaram saudades. Lembro-me de vários e, principalmente, dos que mais convivi: Pe. Geraldo (Gerard Brinkmann), que foi visitar a mãe doente, e não voltou; morreu dormindo; Pe. Leonardo (Thomas O'Leary), que constituiu família; Pe. Daniel (William) Nugent, quando voltou, tornou-se Provincial; o único a morrer no cargo; Pe. Marcos (Ronald) Weninger, Pe. Luís (Donnell) Kirchner, que ninguém pronunciava direito e Pe. Noé (Vincent) Aggeler. Os nomes brasileiros são todos fakes, obviamente. E Graças a Deus, Pe. Carlos ainda trabalha aqui. Se ao menos o Jackson, Dom Jackson Damasceno Rodrigues, que conheci ainda seminarista, ainda estivesse entre nós... Seria a ligação da nossa história com os antigos missionários. Essa é missão dos padres dos brasileiros Soares e D. Gutemberg, dos americanos Carlos, Domingos, Miguel, que estão há mais de cinquenta anos no Brasil, e que um dia nos deixarão.
Esse é - segundo o meu ponto
de vista de observador externo, que dá opinião onde não foi consultado - o
problema da vice-província: há os padres acima dos sessenta, setenta e oitenta
anos, e há os padres na casa dos trintas (poucos) e a grande maioria abaixo
desta faixa. Há um vazio nas idades intermediárias. O Pe. Soares está na
terceira gestão como provincial regional. Quem com experiência, disposição e
maturidade irá substitui-lo ?
Deus é fiel.
Deus é fiel.
Houve uma época que havia missionários redentoristas americanos em
Belém, com um enorme seminário em Benevides, onde estudaram milhares de jovens;
Manacapuru; Coari, onde foi construído o primeiro seminário; Codajás, Anamá,
Anori, etc. E em várias paróquias de Manaus: Aparecida, Matinha, São Geraldo,
Perpétuo Socorro, etc. Hoje ainda trabalham na Redenção e Hiléia. Eles eram
abundantes quando não haviam muitas vocações locais. Estão indo embora aos
poucos, e fizeram um excelente trabalho. Trocaram o white christmas, pelo, muitas vezes, infernal calor amazônico.
Viveram épocas difíceis, sem nenhum conforto material, em lugares, que, para os
padrões americanos ou qualquer outros padrões, estavam muito atrasados. Se
fizeram cabocos, aprenderam a comer
peixe com farinha, a tomar tucupi. Pe. Carlos, por exemplo, é um caboco que apreceia tudo que é da região. Pe. Domingos uma vez me disse que,
em Codajás, o molho de sua salada de legumes, era açai. Deram a vida por nossa
região. D. Mário se naturalizou brasileiro, Pe. Clemente foi embora, contra a
sua vontade, por questões de saúde. Só embarcava quando lhe apresentavam a
passagem de volta. Fizeram a sua parte, agora é hora de fazermos a nossa.
Talvez para não perdermos a
conexão com o passado foi que a Providência Divina, enviou para trabalhar na
paróquia, o bispo aposentado de Coari, D. Gutemberg Régis.
O único senão, não é a partida
dos americanos. A queixa é contra o padre que vem de fora, e não observa o que
se faz há mais de 60 anos. A novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, às
terças-feiras, com mais de vinte mil fiéis, durante todo o dia, tem um em
livrinho, vendido pela Congregação, com as orações. Mas há dois anos atrás
tinha um padre brasileiro, que veio de fora, que fazia, em determinada parte da
novena, sua própria oração; embora, nós já tivéssemos a nossa há 60 anos, e esta
estivesse impressa no livrinho.
Outra coisa que não entendo, e
há uns dois anos tenciono escrever um texto protestando, mas a minha mãe me
impede: é a liturgia paralela. Eu sempre
acreditei que o rito tem uma sequência e, que não há duas ‘coisas’ simultâneas.
Mas nas novenas há. De repente pode, eu é que não sabia.
Há padre que se estendem na
homília e, como as novenas são horárias, quando o tempo está terminando e, se
aproxima a hora da próxima, ocorre que mesmo antes do fim da distribuição da
comunhão por ele e pelos ministros, o padre começa a liturgia de adoração ao
Santíssimo; o povo fica fazendo duas ‘coisas’ ao mesmo tempo.
Os fieis por sua vez, dão mais
valor a benção na cabeça, que os padres concedem ao final da novena, do que a
Eucaristia. Quem comungou o corpo de Cristo não precisa de benção nenhuma. Não
sou contra, nem poderia; mas o povo corre e se cotovela para receber a benção.
Deveria ter mais entusiasmo para receber a Eucaristia do que o desespero para
receber a benção.
Após um ano fora de Manaus,
fiquei triste com a nova música do Tatum Ergo, cantada na novena na hora da
adoração. Morna, lenta e sem graça. Lembro-me de tê-la ouvida neste ritmo, em
1980, na novena dos redentoristas na paróquia de Perpétuo Socorro, em Belém. A
letra era a mesma, mas a música era arrastada, a nossa era melhor, mas alegre.
Agora, cantamos como se canta no Pará. Perguntei à pianista, dona Maria Amélia, o motivo da
mudança, a resposta que ela me deu foi: “O novo padre quem mandou, porque assim
que se canta na Rede Vida.” Deve ser porque assim é que se canta na terra dele.
Soube que há um padre brasileiro
que veio do sul e está administrando a paróquia, Padre Edson, espero que ele
respeite as nossas tradições e não venha querer nos colonizar. Caso contrário,
façamos um baixo assinado, e mandamos buscar o padre Luís Kichnner, cujo sobrenome
todos pronunciam errado. Padre Luís ficou conhecido, entre outras coisas, por
ser um bom orador e, por ter chegado aqui há quarenta anos extremamente magro,
como uma vara de tira fruto em palmeira alta, voltou gordo de tanto comer xibé
de farinha.
Em 2007 a nossa igreja matriz
completou 50 anos, foi uma festa linda; mas em 2003, a comemoração dos 60 anos
da chegada dos Redentoristas na Amazônia foi uma festa pífia, muito aquém da
importância da data. Embora criança, lembro-me bem das comemorações dos 25 anos e, principalmente, das dos 50 anos, quando vieram para festa
bispos redentoristas e vários missionários que aqui trabalharam, mas que já
haviam voltado para os Estados Unidos.
Deus é fiel sempre
Deus é fiel sempre
Reclamações a parte. Há muito tempo não se via tantas vocações
brasileiras. Ficou a saudade, mas não ficou o vácuo. Os americanos estão sendo bem
substituídos. Talvez, Deus esteja nos dizendo, como disse Jesus à Madre Teresa em
1947: “Eu quero uma congregação de indianas.” Madre Teresa era europeia e
pertencia a congregação das irmãs de Loreto, de onde se desligou para fundar as
Missionárias da Caridade. Estaria Ele nos dizendo: “Quero uma congregação de cabocos amazonenses” ?
É bom lembrarmos do passado,
mas com muita fé no futuro. Confiando sempre na Copiosa Redenção, pedindo ao
Senhor, sempre mais operários para a messe. Mandai-nos, ó Senhor, novos
Jacksons, Soares e Gutembergs.
Santo Afonso Maria de Liguori
rogai por nós.
Cláudio Nogueira.
PS 1. Esse texto foi escrito em 2009. A liturgia paralela não existe mais. Até foi trocado a ordem. Antes vinha a comunhão depois a adoração. Hoje está investido. Mas a música arrastada do Tantum Ergo permaneceu.
PS2. A "festa", em 2013, dos 70 anos da chegada dos redentoristas na Amazônia também foi fraquíssima. Os novos padres, segundo informou em uma reunião o provincial na época, hoje bispo, optaram em comemorar nos 75 anos, porque é Ano Santo. Será em 2018. Vamos esperar pra ver.
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