Do livro “Os Quinze do Beco”
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“Diz para o teu pai que a comida está pronta. Pergunta dele se eu posso servir ou ele vai tomar banho.” Todo domingo era a mesma coisa. Todo domingo tinha essa pergunta. Eu detestava ir perguntá-lo, pois já sabia a resposta. Estávamos morrendo de fome e a resposta era: “Diz pra ela que eu vou tomar banho.”
Por que é que ela não fazia essa pergunta um pouco antes de aprontar a comida? Eu sempre pensava nisso. Assim não teríamos de esperar mais quando a comida estivesse pronta.
Domingo era o único dia que sentávamos todos a mesa. Dia de semana isso era impossível. Além do papai trabalhar – apesar de vir almoçar em casa todos os dias – havia aqueles que estudavam à tarde. Nenhum menino podia senta-se a mesa sem camisa e ninguém podia se levantar sem receber a autorização. Só saímos da mesa quando o almoço era dado por encerrado pelo pai. Aí daquele que se levantasse sem ser autorizado. “Onde você pensa que vai seu moço?” Papai perguntava.
Ele tinha sempre de encerrar o almoço comendo algo doce. Se não tivesse uma sobremesa, ele dizia: “Me traz o açucareiro.” E comia uma colherinha de açúcar.
Domingo era assim: mamãe na cozinha e o papai no atelier de costura. Nome chique para o que chamávamos de quartinho. Um cubículo de menos de dez metros quadrado; onde tinha todo o material necessário para uma pequena alfaiataria: réguas enormes, retas e curvas; tesouras normais e gigantes; dedal, giz de alfaiate, para fazer marcas no tecido; agulhas e tubos de linhas de todas as cores, pequenos e grandes. Além da máquina de costura Necchi, que um dia foi manual, mas agora era elétrica, apesar de ser um modelo antigo. É claro que não faltava a mesa enorme que ocupava um terço do espaço.
Mas havia domingo que o papai não costurava; aí, nós: Geraldo, eu, Thomaz, Júnior e algumas vezes o Vicente, íamos tomar banho de rio.
O beco da Indústria deságua na rua Wilkes de Matos, bem na frente da Companhia de Eletricidade de Manaus (CEM), cujo prédio inicia-se na rua Alexandre Amorim e termina no rio Negro. No final da Wilkes de Matos, na frente da CEM ficava o Estaleiro do Plano Inclinado. A rua acabava no rio. E era por aí que entravamos no rio Negro. Lembro-me muito bem e com saudade das inúmeras vezes que tomamos banho ali. Tomar banho no rio Negro foi a opção encontrada de se refrescar em águas correntes, depois que os padres redentoristas venderam as Pedreiras, na época, um pequeno paraíso na Terra; hoje é o Parque do Mindu.
Nosso banho dominical era nas águas escuras e limpas do rio Negro. Papai de calção e com os peitos enormes de homem gordo. Nadava muito bem. Ficava parado,ereto, barriga para cima. Parecia uma tora de madeira flutuando. Nunca vi ninguém fazer isso. Ás vezes íamos para o porto das catraias que ligavam a Aparecida com o São Raimundo, no final da rua Dr. Aprígio, ao lado da serraria Hore, no igarapé do são Raimundo. A rua Dr. Aprígio é paralela a rua Wilkes de Matos, onde estava localizado a fábrica de cerveja Miranda Corrêa. Lá havia uma coisa interessante: uma mini-cachoeira, onde a CEM devolvia ao igarapé a água retirada do rio Negro. Era bom porque saia norma. Ficávamos lá até alguém vir avisar: “Papai, a mamãe mandou avisar que o almoço está pronto.”
Vou plagiar um pouco: belas tardes de domigos, quantas alegrias. Belos tempos. Belos dias.
Quanto saudade do meu velho.
Cláudio Nogueira
Belas lembranças que nos deixam morrendo de saudade. Página muito bem escrita.
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