Em junho de 2000, após dez anos, eu voltava a
estudar no Japão. Desta vez era um curso de curta duração sobre desenvolvimento
econômico oferecido em Tóquio pela JICA (Japan International Cooperation
Agency). O curso foi um pouco menos de dois meses. Éramos uns vinte “alunos” de diversos
países.
Fui e voltei em voo de primeira classe. Isso
logo chamou a minha atenção. Chegando lá, no primeiro dia de aula, após as apresentações,
percebi que o único peão ali era eu. Todos os outros tinham cargos importantes
em diversos ministérios de seus governos. Lembro-me bem de um russo, que de dia
falava alegre da nova Rússia livre e a noite chorava lamurias e mal dizia
Mikhail Gorbachev que “acabou” com a poderosa URSS (União da Repúblicas
Socialistas Soviéticas).
O sujeito queria o melhor dos dois mundos.
Queria uma Rússia na qual podia-se sair e entrar a hora que desejasse; e ninguém
corria o risco de ir para cadeia só por achar o secretário geral do Partido
Comunista feio, e o mesmo tempo reclamava que a Rússia não era mais uma
superpotência militar respeitada e admirada.
Superpotência militar ainda era, mas não era
mais temida. A URSS não existia mais.
Com os constantes manifesto da população em
Berlim oriental; quando mais de um milhão de pessoas foram mais de uma vez as
ruas e, em 9 de novembro de 1989, marcharam até o Muro de Berlim e decidiram derrubá-lo,
os regimes comunistas nos países de Cortina de Ferro acabaram.
Antes disso, com uma Rússia falida, sem
condições de acompanhar a corrida armamentista com o Ocidente (leia-se OTAN –
Organização do Tratado do Atlântico Norte), Mikhail Gorbachev, inicialmente secretário
geral do Partido Comunista, depois presidente da Rússia, implantou o que foi
denominado Glasnost, abertura política, e a Perestroika, reformar
do sistema econômico e político para tirá-la da estagnação que se encontrava.
Esses movimentos não tinham como objetivo acabar com o comunismo na União
Soviética, mas torná-lo mais eficiente.
A queda do Muro de Berlim foi sentida na
Rússia. A Estônia já havia se declarado estado independente dentro da União em
1988. Mas foi a Lituânia o primeiro país a se declarar fora da URSS, em 1990.
Isso em outra época seria motivo para serem invadidas; mas a situação de
falência do regime comunista era tão acentuada que a Rússia não teve força para
reagir. No final 1991 os líderes das três repúblicas maiores e fundadoras da URSS,
Rússia, Ucrânia e Bielorrússia declararam que esta não mais existia. Estava extinto
o regime implantado com a revolução de 1917. Em seu lugar nascia a Comunidade
de Estados Independentes. Era o fim da Guerra Fria.
Em
2004 os estados bálticos, Estônia, Letônia e Lituânia, que fazem fronteira com
a Rússia, e a maioria dos antigos estados do Pacto de Varsóvia tornaram-se
parte da União Europeia e aderiram à OTAN.
A
OTAN literalmente chegou na fronteira da Rússia. Mas ainda faltava a Ucrânia que
desde a década de 90 demonstra interesse em ser membro da OTAN e ser membro da
União Europeia. Deveria ter entrado quando as repúblicas bálticas entraram. Com
certeza a Rússia teria protestado, mas no estado que essa se encontrava, estava
sem muitas forças para resistir.
Mikhail
Gorbachev foi posto para fora do cargo e, em 1991, Boris Yeltsin foi eleito
presidente Rússia; reeleito ficou no cargo até 1999. Sendo o
responsável pela implantação do capitalismo na Rússia.
Apesar
dos esforços de Yeltsin para recuperar a economia, em 2000, o PIB da Rússia era
195,9 bilhões de dólares. Para se ter uma ideia, em 1988, quando estava em
andamento a restruturação de Gorbachev, que já achava a situação crítica, o PIB
russo era de 554,7 bilhões de dólares.
Embora,
a situação econômica fosse desastrosa, a paz reinava com o fim da Guerra Fria.
Os russos podiam, em seu território, tomar Coca Cola e comer Big Mac.
Sai
Boris Yeltsin e entra em cena o tough guy, o macho man, ex-agente e
tenente-coronel da KGB, Vladimir Vladimirovich Putin, para restaurar o orgulho
russo. Aquele orgulho que o meu colega de curso no Japão sonhava em ser
restaurado.
Putin
foi, em 1999 e 2000, o primeiro-ministro do governo de Boris Yeltsin. Em
seguida foi eleito presidente, ficando no cargo de 2000 a 2008. Impedido de
concorrer um terceiro mandato consecutivo, ele inverteu a posição nos cargos,
de 2008 a 2012, seu ex-primeiro-ministro, Dmitry Medvedev, tornou-se
presidente, e Putin o primeiro-ministro.
Em
2012 Putin foi eleito presidente novamente; numa eleição cheia de protestos e
acusações de fraude. Resumindo: Putin deseja ficar no cargo a vida inteira e
mais seis meses. “Daqui não saio. Daqui ninguém me tira”. Conseguiu mudar a
lei. No momento ela lhe permite ficar no poder, se reeleito, até 2036.
Nos
seus dois primeiros mandatos o PIB subiu muito. Chegando a 1,661 trilhão de
dólares em 2008. Em 2013 o PIB era de 2,293 trilhões de dólares. Sendo o maior
valor obtido até hoje. Nos últimos anos o PIB russo tem decrescido. Mas isso
não impediu de russos se considerarem uma nação importante novamente, graças ao
nacionalismo imposto por Putin. Há dois anos, em um pronunciamento à nação,
disse que a Rússia possuía uma super arma. Algo jamais fabricado. Capaz de destruiu
qualquer inimigo.
Estava
tudo numa relativa paz até a Ucrânia começar a namorar a Europa Ocidental.
Putin considerou isso traição. Foi ciúme mesmo. “O lugar da Ucrânia é junto com
a Rússia.” Se não disse, pensou. Aí a Ucrânia, a infiel, demonstrou interesse
em ser membro da OTAN. Isso foi provocação demais para os russos.
Quem
não se lembra a confusão, no início dos anos 60, quando a URSS quis colocar
misseis em Cuba? É claro que os Estados Unidos não poderiam permitir uma
aproximação tão grande de forças soviéticas ao seu território. Agora imaginem
se a Rússia colocasse armas no México, que tem ligação territorial com os
Estados Unidos. É isso que a OTAN quer fazer. Se a Ucrânia se tornar membro da
Organização, a Rússia vai ter na sua fronteira armas do “inimigo.”
A
pergunta que não quer calar é: Por que a Rússia não permite que a Ucrânia seja
parte da OTAN, mas os países bálticos são membros de Organização e fazem
fronteira com a Rússia ?
Terceiro
porque a Rússia vê a Ucrânia como uma parceira que tem de ser ligada a ela e
não ao Ocidente. Putin acredita que laços culturais, históricos, linguísticos, fazem
com que a Ucrânia e a Bielorrússia devam se unir a Rússia. E, primeiro, porque a Ucrânia tem o quarto
mais poderoso Exército do mundo, atrás do dos Estados Unidos, Rússia e França.
Trump
adotou o slogan “Make America Great Again”; ou “Tornar a América Grande Novamente.”
Quando Trump vem como o milho, o Putin já está tomando café com pamonha. Tornar a Rússia um
importante e respeitado player novamente sempre esteve na cabeça dele.
Lembro-me que li há mais de quatro anos um analista de política internacional
dizendo porque o Putin se metia na guerra da Síria. A resposta é porque o
governo sírio pedia ajuda a ele; e ele gostava disso. Isso era muito importante
para ele mostrar ao povo da Rússia e ao mundo, que ela era respeitada no cenário
internacional. E por isso que ele foi na Venezuela dá o seu apoio ao Maduro. É
por isso que ele recebeu o Bolsonaro. Nesse caso foi uso mútuo. Ambos queriam
mostrar como são importantes para seus eleitores.
Há
dois dias o presidente da França propôs um tête-a-tête, um olho no olho,
entre Joe Biden e Vladimir Putin. Um analista da CNN escreveu que Putin está
criando essa situação toda para “restaurar o prestígio” que os russos tinham na
Guerra Fria. E acrescenta que embora a Rússia tem ainda um respeitável arsenal atômico,
sua força hoje é muito mais reduzida. O que ele deseja é sentar-se com Biden e discutir,
como nos velhos tempos, o destino do mundo. Só que agora não existe mais a URSS,
que era poderosa, temida e constituída por muitos países.
Putin
tem culpa no cartório. Ao anexar a Criméia em 2014 ele estava fazendo um balão
de ensaio. Queria ver como seria a reação caso invadisse a Ucrânia. Mas dessa
vez a reação foi bem diferente.
“Os
russos estão exigindo uma garantia de que a Ucrânia nunca será autorizada a
ingressar na Otan e querem que a aliança retire armas e tropas de Estados
membros que já estiveram atrás da Cortina de Ferro, como Polônia, Hungria e
Romênia. Essa condição é inegociável para o Ocidente, que diz que cabe às
nações decidirem seus destinos.” (CNN americana online)
Há
quem diga que ele tinha razão em tomar a Criméia porque ela um dia pertenceu a
Rússia. Se todo mundo pensar assim, vai ser guerra para todos os lados. Nos
últimos dos séculos, sem irmos muito longe, os territórios de vários países, principalmente
na Europa, mudaram de tamanho, uns cresceram, outros diminuíram devido uns Estados
se apossarem de terras de outros. Como ficaria Portugal e Espanha ? Áustria e
Alemanha ? As terras tomadas por Israel na Guerra dos Seis Dias ?
Eu
acredito que a invasão da Ucrânia pela Rússia e, consequentemente, o início da
guerra, transmitida pela TV, com uma audiência maior que a entrega do Oscar,
não vai acontecer. Putin já viu as consequências desse ato. Embora não se consiga
imaginar a catástrofe que seria, analistas têm uma certa ideia do que
aconteceria com a economia da Rússia se entrarem em vigor as punições que os
países da OTAN imporiam a ela.
Quando
a Rússia invadiu o Afeganistão em 1979. Os Estados Unidos protestaram,
reclamaram, mas de concreto mesmo foi apenas o boicote americano as Olimpíadas de
Moscou de 1980.
Agora
os tempos são outros. Putin colocou 150.000 soldados cercando a Ucrânia, mas
devido a reação que teve a esse ato, não creio que vá invadir. Ele diz que são
exercícios regulares da Forças Armadas e que já retirou milhares de soldados e
armas. Mas até agora ninguém acreditou nisso.
Talvez
ele precise desse encontro com o presidente americano; para ficar bem na foto
com o povo dele.
No
momento muito há propaganda dos dois lados. Vamos esperar para vermos esse
desfecho.
Cláudio
Nogueira
PS1. A Rússia acaba de reconhecer as regiões que desejam se separar da
Ucrânia, causando indignação geral. E diz que vai entrar nessas regiões com uma
força de paz. Acredite se quiser !
PS2. O que foi dito aqui se confirmou. Putin disse na TV: "Enfatizo
mais uma vez que a Ucrânia para nós não é apenas um país vizinho. É parte
integrante da nossa própria história, cultura, espaço espiritual. São nossos
camaradas, parentes, entre os quais não somos apenas colegas, amigos,
ex-colegas, mas também parentes, pessoas ligadas a nós por laços de sangue,
parentes." Putin disse que a Ucrânia não tem direito de existir como nação
independente. Ela pertence a Rússia, segundo o pensamento dele. Disse que a
Ucrânia era uma invenção de Stalin.
PS3. Nas primeiras horas do dia 24 de fevereiro a
Rússia invadia a Ucrânia.
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