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sábado, 12 de abril de 2025

Por que Caifás Matou Jesus ? Ou... A Profecia de Caifás: atirou no que viu e acertou no que não viu.

 

O Evangelho da manhã deste sábado, 12 de abril de 2025 - véspera de Domingo de Ramos - é o de São João 11, 45-53, que relata a profecia de Caifás sobre a morte de Jesus.

45 Muitos judeus que tinham ido à casa de Maria, e viram o que Jesus fizera, creram nele.
46 Mas alguns deles foram ter com os fariseus e lhes contaram o que Jesus realizara.
47 Então os príncipes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o conselho e disseram
46 Mas alguns deles foram ter com os fariseus e lhes contaram o que Jesus realizara.
47 Então os príncipes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o conselho e disseram [ e pensaram: Basta ! Já chega ! Agora Ele foi longe demais.]: “Que faremos? Este homem faz muitos milagres”.
48 Se o deixarmos assim, todos crerão nele, e virão os romanos e destruirão a nossa cidade e a nossa nação.”
49 Um deles, chamado Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano, disse-lhes: “Vós nada entendeis!
50 Não compreendeis que vos convém que morra um só homem pelo povo, e não pereça toda a nação?”
51 Ora, ele não disse isso por si mesmo, mas sendo o sumo sacerdote daquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação.
52 E não somente pela nação, mas também para reunir na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos.
53 E desde aquele dia resolveram tirar-lhe a vida.
 

    Essa passagem da Bíblia sempre me intrigou. Todas às vezes que eu a ouço, eu penso: por que São João disse que Caifás profetizou?                                                                Nessa manhã, após a missa na igreja de Nossa Senhora de Fátima do Amial, aqui no Porto, decidi tirar essa dúvida com o frei Fernando, O.F.M. Mas fui interrompido por pessoas que aguardavam o frei terminar a missa para se confessarem. 

    O que é profecia, no sentido bíblico ?

Para responder essa pergunta, primeiro é preciso lembrar que quem fazia profecias eram os profetas. Caifás não era um profeta. Na realidade, ele estava muito longe de sê-lo.

Um profeta era alguém chamado por Deus para transmitir mensagens divinas: oráculo do Senhor. Mensagens direcionadas, com fins específicos.

Por conta disso, eu fico pensando, refletindo profundamente, todas as vezes que ouço essa passagem. Nunca entendi muito bem por que São João disse isso. Sem poder contar com a ajuda do frei, vou tentar entendê-la sozinho. Aí é que mora o perigo.

 Quem era Caifás ?

Caifás não era flor que se cheire. Ele era o sumo sacerdote do Sinédrio, o tribunal religioso judaico, indicado pelo governo romano. A sua “profecia” sobre Jesus, em resumo, foi: Ele morrerá porque vamos assassiná-Lo. Profecias desse jeito podem ser concretizadas facilmente, se “profetizadas” por Putins, Netanyahus e outros.

Ele liderou o julgamento ilegal de Jesus (Mateus 26,57-68), acusando-O de blasfêmia por declarar-se Filho de Deus (João 11,49-53). Também alegou “Se o deixarmos assim, todos crerão nele, e virão os romanos e destruirão a nossa cidade e a nossa nação.”

Essa afirmação vem logo após a ressurreição de Lázaro, um milagre que causou grande alvoroço. Muitos começaram a crer em Jesus por causa desse sinal, e isso preocupou os líderes religiosos, que viram sua autoridade e estabilidade ameaçadas.

O Medo dos Líderes Religiosos

Qual era o medo deles? Jesus estava se tornando extremamente popular entre o povo. Os líderes temiam perder o controle religioso e político. Jesus estava se tornando um líder religioso e denunciou a corrupção no Templo. Isso foi interpretado comum ataque direto à estrutura de poder controlada por Anás e Caifás.



Eles tinham temor da reação romana. A Judeia era uma província do Império Romano. Os romanos toleravam certa autonomia judaica, especialmente religiosa, desde que não houvesse revoltas. Um movimento messiânico, como o que Jesus parecia representar, poderia ser visto como uma ameaça política.

Destruirão a nossa cidade e a nossa nação.” Eles temiam que, se o povo proclamasse Jesus como rei ou Messias (no sentido político), os romanos reagiriam com força, destruindo Jerusalém e o Templo - o centro da identidade judaica.

Essa desculpa para matar Jesus para “salvar a nação” acabou se mostrando um argumento falacioso. Trinta e sete anos depois da morte de Cristo, no ano 70, os romanos realmente destruíram Jerusalém e o Templo, como Jesus havia profetizado (Lucas 19, 43-44).

Essas foram as desculpas usadas para mascarar a verdadeira motivação: a inveja. Ele e outros líderes religiosos sentiam inveja do prestígio crescente de Jesus.

Por que condenar alguém que só fez o bem? Jesus curou vários cegos (Mateus 20,29-34, Marcos 10,46-52, Lucas 18,35-43, Marcos 8,22-26, João 9,1-12 e Mateus 9,27-31) e paralíticos (Mateus 9,1-8, Marcos 2,1-12, Lucas 5,17-26, João 5,1-15, Mateus 12,9-13, Marcos 3,1-6, Lucas 6,6-1, Mateus 8,5-13, Lucas 7,1-10,). O número exato é difícil de se determinar: “Vieram a Ele grandes multidões, trazendo consigo coxos, aleijados, cegos, mudos e muitos outros, e os colocaram aos seus pés; e Ele os curou.” (Mateus 15,30-31). “E foram ter com Ele no templo cegos e coxos, e Ele os curou.” (Mateus 21,14).

Ele ressuscitou mortos, como o filho da viúva de Naim (Lucas 7,11-17), a filha de Jairo (Marcos 5,35-43) e Lázaro (João 11,1-44). Curou leprosos: “Os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados...” (Mateus 11,5; Lucas 7,22). De uma única vez curou dez leprosos (Lucas 17,11-19); depois mais outro (Mateus 8,1-4, Marcos 1,40-45, Lucas 5,12-16). Tocar um leproso era impensável - Jesus quebra barreiras com compaixão.

Ele pregou o amor e mansidão como ninguém jamais havia feito. Numa  época em que vigorava a “lex talionis” ou Lei do Talião ou da retaliação: “Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé...” (Êxodo 21,24, Levítico 24,20, Deuteronômio 19,21). Disse coisas absurdas para todas as épocas: “Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” (Mateus 5,39). E ainda: “Se alguém quiser tirar-te a túnica, dá-lhe também o manto” (Mateus 5,40).

Sua vida foi dedicada à compaixão, à justiça e à misericórdia: “Jesus viu uma grande multidão e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor” (Marcos 6:34). “Movido de compaixão, Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: Quero. Seja purificado! (Marcos 1:41)

Pede que amemos o próximo com gestos concretos: dar comida, água, abrigo, a quem precisar (Mateus 25:35,40)

Mesmo no sofrimento extremo, Jesus responde com misericórdia e o perdão: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.” (Lucas 23:34).

Mesmo assim, foi rejeitado e assassinado. Jesus morreu não por causa de sua vida, mas por causa da inveja, do medo e do orgulho dos que não suportavam sua luz.

Inveja, teu nome é Caifás e Anás, teu sobrenome.

 Os Responsáveis pela Assassinato de Jesus

Quem era Anás? Em João 18,12-24, Jesus é levado primeiro a Anás, ex-sumo sacerdote, antes mesmo de ser apresentado a Caifás. Isso mostra como ele ainda era politicamente influente, mesmo sem o título oficial.

“Levaram-no primeiro a Anás, pois era sogro de Caifás, o sumo sacerdote daquele ano.” (João 18,13)

Anás interrogou Jesus sem autoridade legal, numa espécie de “pré-julgamento” informal. Isso já mostra que o “processo” contra Jesus era, de fato, manipulado desde o começo.

Caifás e Anás são os principais responsáveis pela morte de Jesus. Pilatos declarou: “Eis que vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele crime algum.” (João 19,4). “Tomai-o vós e crucificai-o; quanto a mim, não acho nele culpa.” (João 19,6).

Religião Decadente

A vinda de Jesus, naquele momento da história da humanidade, está intimamente ligada às figuras religiosas, como Caifás, Anás, fariseus, saduceus, mestres e doutores da lei. Foi uma escolha divina profundamente significativa. Era uma época em que apesar da aparência de religiosidade, o coração do povo – e, principalmente, de seus líderes - estava distante de Deus. A religião institucionalizada dos judeus havia se tornado, em muitos aspectos, uma estrutura secularizada, mais preocupada com poder, controle e aparências do que com a essência da fé: o amor a Deus e ao próximo. Jesus veio num tempo de profunda decadência espiritual. Ele veio quando a religião - que deveria conectar o homem a Deus - havia se tornado apenas uma aparência, um sistema, uma estrutura fria e distante do coração do Pai.

Os líderes religiosos da época ocupavam posições de poder e influência; seus corações estavam longe de Deus. O que deveria ser a "igreja" de Israel, a guardiã da aliança, havia se tornado uma instituição vazia, voltada para o controle, o lucro e a aparência. Jesus denunciou essa hipocrisia com palavras fortes:

“Ai de vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: belos por fora, mas por dentro cheios de ossos e de toda podridão.”
(Mateus 23,27)

O Templo de Jerusalém, símbolo máximo da fé judaica, era a imagem real da decadência religiosa. Já não era mais um lugar de verdadeira adoração.

“Jesus entrou no templo e expulsou todos os que ali vendiam e compravam. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e lhes disse:
‘Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração! Mas vocês estão fazendo dela um covil de ladrões!”
(Mateus 21,12-13).

“Covil de ladrões !?” Jesus viu o que não vimos. Ele sabia o que estava dizendo.

Foi nesse cenário que Jesus surgiu - não como um reformador do sistema religioso, mas como a encarnação do próprio amor e da justiça de Deus. Ele veio trazer uma fé viva, baseada na compaixão, na verdade e na presença do Reino de Deus entre os homens.

“Este povo me honra com os lábios, mas o coração está longe de mim.”
(Mateus 15:8)

Jesus veio justamente porque o coração da religião havia se perdido. Veio para chamar os cansados, os oprimidos, os rejeitados - e oferecer um caminho de reconciliação com Deus, não baseado em aparências ou regras humanas, mas em graça e verdade.

Os fariseus ensinavam a Lei de Moisés, mas não viviam o que pregavam. Disse Jesus: “Fazei, pois, e observai tudo o que eles vos disserem, mas não imiteis as suas ações! Pois eles falam e não fazem.

Atam fardos pesados e insuportáveis e os põem sobre os ombros dos outros, mas eles mesmos não os querem mover sequer com um dedo.” (Mateus 23,3-4)

A fé tornou-se um fardo. O amor a Deus foi substituído por regras. A misericórdia deu lugar à condenação. A justiça, à manipulação. A religião virou política.

Em síntese: Jesus veio para resgatar a essência do relacionamento com Deus, que os fariseus haviam reduzido a ritos vazios. Ele veio para nos dizer o quanto o Pai nos ama, que Ele é bom e  misericordioso. Cristo nos revela um Deus que não está distante, mas que caminha conosco, que acolhe os quebrantados, cura os feridos e convida todos a viver uma fé viva, íntima e transformadora.

... E a profecia de Caifás ?

Aparentemente, este texto tomou um rumo diferente do que foi proposto inicialmente. O meu questionamento era: por que São João disse que Caifás profetizou? Isso me levou a explorar quem era Caifás.

Vamos recapitular ao que deu origem a tudo isso. Disse Caifás: “Vós nada sabeis, nem considerais que nos convém que um só homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação.” (João 11,50). E João comenta: “Ora, ele não disse isso de si mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir em um só corpo os filhos de Deus que andavam dispersos.” (João 11, 51-52)

Vou tentar encontrar uma explicação para porque São João chamou isso de profecia, para não me importunar mais com essa afirmação. Vou me autoconvencer que ele tem razão. Afinal trata-se do “discípulo que Jesus amava”, o único a estar ao pé da cruz, o único não martirizado e que teve a honra de nos representar a todos como filhos de Maria.

O discurso de Caifás foi político e cínico. Estava buscando a solução do que era um “problema” para os seus interesses. Ele não estava, conscientemente, “profetizando” no sentido de ser movido pelo Espírito de Deus, mas sim racionalizando um assassinato como sendo "necessário" para preservar a segurança nacional. Para ele, Jesus era um risco, um problema a ser resolvido e não o redentor.

Caifás achava que estava salvando Israel de Roma ao matar Jesus. Mas, sem perceber, ele disse a verdade: Jesus de fato morreria pelo povo - não para salvá-los de Roma, mas do pecado. Não apenas por Israel, mas por todos os filhos de Deus em todo e para sempre. 

"Ele  disse isso não como quem sabia o que dizia, mas como instrumento da profecia divina (...) Deus pode falar até mesmo por meio dos ímpios." Santo Agostinho em Tractatus in Ioannem, Trato 49.

Caifás, em sua intenção, não profetizou nada espiritual - ele apenas articulou um plano maquiavélico disfarçado de pragmatismo religioso e político.

“Disse isto não por si mesmo, mas como sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou. (...) Pois como outrora o Espírito falou por meio de Balaão, assim também falou agora por meio de Caifás.” São Tomás de Aquino em  Catena Aurea.

São Tomás de Aquino vê aí uma “profecia involuntária”. Algo parecido com o que acontece com Balaão, “profeta pagão” no Antigo Testamento: um homem que não estava em sintonia com Deus, mas que ainda assim foi usado por Ele para dizer algo verdadeiro (Números 22-24).

Em resumo: São João revela que Deus transformou aquela decisão política em parte do Seu plano de redenção. É uma das ironias mais profundas da Bíblia: o sumo sacerdote que condenou Jesus sem querer declarou a verdade sobre Sua missão.

Será que é por isso que dizem que “Deus escreve certo por meio de linhas tortas ?”

Tenham todos uma abençoada Semana Santa.

 Cláudio Nogueira

PS. Se não tivesse pecadores na igreja do Amial, esse texto não existiria.  

 

 

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