O Evangelho da manhã deste sábado, 12 de abril de 2025 - véspera de Domingo de Ramos - é o de São João 11, 45-53, que relata a profecia de Caifás sobre a morte de Jesus.
46 Mas alguns deles foram ter com os fariseus e lhes contaram o que Jesus realizara.
47 Então os príncipes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o conselho e disseram
46 Mas alguns deles foram ter com os fariseus e lhes contaram o que Jesus realizara.
47 Então os príncipes dos sacerdotes e os fariseus reuniram o conselho e disseram [ e pensaram: Basta ! Já chega ! Agora Ele foi longe demais.]: “Que faremos? Este homem faz muitos milagres”.
49 Um deles, chamado Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano, disse-lhes: “Vós nada entendeis!
50 Não compreendeis que vos convém que morra um só homem pelo povo, e não pereça toda a nação?”
51 Ora, ele não disse isso por si mesmo, mas sendo o sumo sacerdote daquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação.
52 E não somente pela nação, mas também para reunir na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos.
53 E desde aquele dia resolveram tirar-lhe a vida.
Para responder essa pergunta, primeiro é preciso lembrar
que quem fazia profecias eram os profetas. Caifás não era um profeta. Na
realidade, ele estava muito longe de sê-lo.
Um profeta era
alguém chamado por Deus para transmitir mensagens divinas: oráculo do Senhor.
Mensagens direcionadas, com fins específicos.
Por conta disso,
eu fico pensando, refletindo profundamente, todas as vezes que ouço essa
passagem. Nunca entendi muito bem por que São João disse isso. Sem poder contar
com a ajuda do frei, vou tentar entendê-la sozinho. Aí é que mora o perigo.
Quem era Caifás ?
Caifás não era flor que se cheire. Ele era o sumo
sacerdote do Sinédrio, o tribunal religioso judaico, indicado pelo governo
romano. A sua “profecia” sobre Jesus, em resumo, foi: Ele morrerá porque
vamos assassiná-Lo. Profecias desse jeito podem ser concretizadas
facilmente, se “profetizadas” por Putins, Netanyahus e outros.
Ele liderou o
julgamento ilegal de Jesus (Mateus 26,57-68), acusando-O de blasfêmia por
declarar-se Filho de Deus (João 11,49-53). Também alegou “Se o deixarmos
assim, todos crerão nele, e virão os romanos e destruirão a nossa cidade e a
nossa nação.”
Essa afirmação vem
logo após a ressurreição de Lázaro, um milagre que causou grande alvoroço.
Muitos começaram a crer em Jesus por causa desse sinal, e isso preocupou os
líderes religiosos, que viram sua autoridade e estabilidade ameaçadas.
O Medo dos Líderes
Religiosos
Qual era o medo deles? Jesus estava se tornando extremamente popular entre o povo. Os líderes temiam perder o controle religioso e político. Jesus estava se tornando um líder religioso e denunciou a corrupção no Templo. Isso foi interpretado comum ataque direto à estrutura de poder controlada por Anás e Caifás.
Eles tinham temor
da reação romana. A Judeia era uma província do Império Romano. Os romanos
toleravam certa autonomia judaica, especialmente religiosa, desde que não
houvesse revoltas. Um movimento messiânico, como o que Jesus parecia
representar, poderia ser visto como uma ameaça política.
“Destruirão a
nossa cidade e a nossa nação.” Eles temiam que, se o povo proclamasse Jesus
como rei ou Messias (no sentido político), os romanos reagiriam com força,
destruindo Jerusalém e o Templo - o centro da identidade judaica.
Essa desculpa para
matar Jesus para “salvar a nação” acabou se mostrando um argumento falacioso. Trinta
e sete anos depois da morte de Cristo, no ano 70, os romanos realmente
destruíram Jerusalém e o Templo, como Jesus havia profetizado (Lucas 19, 43-44).
Essas foram as
desculpas usadas para mascarar a verdadeira motivação: a inveja. Ele e outros
líderes religiosos sentiam inveja do prestígio crescente de Jesus.
Por que condenar
alguém que só fez o bem? Jesus curou vários cegos (Mateus 20,29-34, Marcos 10,46-52,
Lucas 18,35-43, Marcos 8,22-26, João 9,1-12 e Mateus 9,27-31) e paralíticos (Mateus
9,1-8, Marcos 2,1-12, Lucas 5,17-26, João 5,1-15, Mateus 12,9-13, Marcos 3,1-6,
Lucas 6,6-1, Mateus 8,5-13, Lucas 7,1-10,). O número exato é difícil de se
determinar: “Vieram a Ele grandes multidões, trazendo consigo coxos,
aleijados, cegos, mudos e muitos outros, e os colocaram aos seus pés; e Ele os
curou.” (Mateus 15,30-31). “E foram ter com Ele no templo cegos e coxos,
e Ele os curou.” (Mateus 21,14).
Ele ressuscitou
mortos, como o filho da viúva de Naim (Lucas 7,11-17), a filha de Jairo (Marcos
5,35-43) e Lázaro (João 11,1-44). Curou leprosos: “Os cegos veem, os coxos
andam, os leprosos são purificados...” (Mateus 11,5; Lucas 7,22). De uma
única vez curou dez leprosos (Lucas 17,11-19); depois mais outro (Mateus 8,1-4,
Marcos 1,40-45, Lucas 5,12-16). Tocar um leproso era impensável - Jesus quebra
barreiras com compaixão.
Ele pregou o amor
e mansidão como ninguém jamais havia feito. Numa época em que vigorava a “lex talionis” ou
Lei do Talião ou da retaliação: “Olho por olho, dente por dente, mão por
mão, pé por pé...” (Êxodo 21,24, Levítico 24,20, Deuteronômio 19,21). Disse
coisas absurdas para todas as épocas: “Se alguém te bater na face direita,
oferece-lhe também a outra” (Mateus 5,39). E ainda: “Se alguém quiser
tirar-te a túnica, dá-lhe também o manto” (Mateus 5,40).
Sua vida foi
dedicada à compaixão, à justiça e à misericórdia: “Jesus viu uma grande
multidão e teve compaixão deles, porque eram como ovelhas sem pastor” (Marcos
6:34). “Movido de compaixão, Jesus estendeu a mão, tocou-o e disse: Quero.
Seja purificado! (Marcos 1:41)
Pede que amemos o
próximo com gestos concretos: dar comida, água, abrigo, a quem precisar (Mateus
25:35,40)
Mesmo no
sofrimento extremo, Jesus responde com misericórdia e o perdão: “Pai,
perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.” (Lucas 23:34).
Mesmo assim, foi
rejeitado e assassinado. Jesus morreu não por causa de sua vida, mas por causa
da inveja, do medo e do orgulho dos que não suportavam sua luz.
Inveja, teu nome é
Caifás e Anás, teu sobrenome.
Os Responsáveis pela Assassinato de Jesus
Quem era Anás? Em
João 18,12-24, Jesus é levado primeiro a Anás, ex-sumo sacerdote, antes mesmo
de ser apresentado a Caifás. Isso mostra como ele ainda era politicamente
influente, mesmo sem o título oficial.
“Levaram-no
primeiro a Anás, pois era sogro de Caifás, o sumo sacerdote daquele ano.” (João 18,13)
Anás interrogou
Jesus sem autoridade legal, numa espécie de “pré-julgamento” informal. Isso já
mostra que o “processo” contra Jesus era, de fato, manipulado desde o começo.
Caifás e Anás são
os principais responsáveis pela morte de Jesus. Pilatos declarou: “Eis que
vo-lo trago fora, para que saibais que não acho nele crime algum.” (João 19,4).
“Tomai-o vós e crucificai-o; quanto a mim, não acho nele culpa.” (João
19,6).
Religião Decadente
A vinda de Jesus,
naquele momento da história da humanidade, está intimamente ligada às figuras
religiosas, como Caifás, Anás, fariseus, saduceus, mestres e doutores da lei. Foi
uma escolha divina profundamente significativa. Era uma época em que apesar da
aparência de religiosidade, o coração do povo – e, principalmente, de seus
líderes - estava distante de Deus. A religião institucionalizada dos judeus
havia se tornado, em muitos aspectos, uma estrutura secularizada, mais
preocupada com poder, controle e aparências do que com a essência da fé: o amor
a Deus e ao próximo. Jesus veio num tempo de profunda decadência espiritual. Ele
veio quando a religião - que deveria conectar o homem a Deus - havia se tornado
apenas uma aparência, um sistema, uma estrutura fria e distante do coração do
Pai.
Os líderes
religiosos da época ocupavam posições de poder e influência; seus corações
estavam longe de Deus. O que deveria ser a "igreja" de Israel, a
guardiã da aliança, havia se tornado uma instituição vazia, voltada para o
controle, o lucro e a aparência. Jesus denunciou essa hipocrisia com palavras
fortes:
“Ai de
vocês, mestres da Lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados:
belos por fora, mas por dentro cheios de ossos e de toda podridão.”
(Mateus 23,27)
O Templo de
Jerusalém, símbolo máximo da fé judaica, era a imagem real da decadência
religiosa. Já não era mais um lugar de verdadeira adoração.
“Jesus
entrou no templo e expulsou todos os que ali vendiam e compravam. Derrubou as
mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e lhes disse:
‘Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração! Mas vocês estão
fazendo dela um covil de ladrões!” (Mateus 21,12-13).
“Covil de ladrões
!?” Jesus viu o que não vimos. Ele sabia o que estava dizendo.
Foi nesse cenário
que Jesus surgiu - não como um reformador do sistema religioso, mas como a
encarnação do próprio amor e da justiça de Deus. Ele veio trazer uma fé viva,
baseada na compaixão, na verdade e na presença do Reino de Deus entre os
homens.
“Este povo
me honra com os lábios, mas o coração está longe de mim.”
(Mateus 15:8)
Jesus veio justamente
porque o coração da religião havia se perdido. Veio para chamar os cansados, os
oprimidos, os rejeitados - e oferecer um caminho de reconciliação com Deus, não
baseado em aparências ou regras humanas, mas em graça e verdade.
Os fariseus ensinavam a Lei de Moisés, mas não
viviam o que pregavam. Disse Jesus: “Fazei, pois, e observai tudo o que eles
vos disserem, mas não imiteis as suas ações! Pois eles falam e não fazem.
Atam fardos pesados e insuportáveis e os põem sobre os
ombros dos outros, mas eles mesmos não os querem mover sequer com um dedo.” (Mateus 23,3-4)
A fé tornou-se um
fardo. O amor a Deus foi substituído por regras. A misericórdia deu lugar à
condenação. A justiça, à manipulação. A religião virou política.
Em síntese: Jesus veio
para resgatar a essência do relacionamento com Deus, que os fariseus haviam
reduzido a ritos vazios. Ele veio para nos dizer o quanto o Pai nos ama, que
Ele é bom e misericordioso. Cristo nos
revela um Deus que não está distante, mas que caminha conosco, que acolhe os
quebrantados, cura os feridos e convida todos a viver uma fé viva, íntima e
transformadora.
... E a profecia de Caifás ?
Aparentemente,
este texto tomou um rumo diferente do que foi proposto inicialmente. O meu
questionamento era: por que São João disse que Caifás profetizou? Isso me levou
a explorar quem era Caifás.
Vamos recapitular
ao que deu origem a tudo isso. Disse Caifás: “Vós nada sabeis, nem
considerais que nos convém que um só homem morra pelo povo, e que não pereça
toda a nação.” (João 11,50). E João comenta: “Ora, ele não disse
isso de si mesmo; mas, sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou que
Jesus devia morrer pela nação. E não somente pela nação, mas também para reunir
em um só corpo os filhos de Deus que andavam dispersos.” (João 11,
51-52)
Vou tentar
encontrar uma explicação para porque São João chamou isso de profecia, para não
me importunar mais com essa afirmação. Vou me autoconvencer que ele tem razão.
Afinal trata-se do “discípulo que Jesus amava”, o único a estar ao pé da
cruz, o único não martirizado e que teve a honra de nos representar a todos
como filhos de Maria.
O discurso de
Caifás foi político e cínico. Estava buscando a solução do que era um “problema”
para os seus interesses. Ele não estava, conscientemente, “profetizando” no
sentido de ser movido pelo Espírito de Deus, mas sim racionalizando um
assassinato como sendo "necessário" para preservar a segurança
nacional. Para ele, Jesus era um risco, um problema a ser resolvido e não o
redentor.
Caifás achava que estava salvando Israel de Roma ao matar Jesus. Mas, sem perceber, ele disse a verdade: Jesus de fato morreria pelo povo - não para salvá-los de Roma, mas do pecado. Não apenas por Israel, mas por todos os filhos de Deus em todo e para sempre.
"Ele disse isso não como quem sabia o que dizia, mas como instrumento da profecia divina (...) Deus pode falar até mesmo por meio dos ímpios." Santo Agostinho em Tractatus in Ioannem, Trato 49.
Caifás, em sua intenção, não profetizou nada espiritual - ele apenas articulou um plano maquiavélico disfarçado de pragmatismo religioso e político.
“Disse isto
não por si mesmo, mas como sendo sumo sacerdote naquele ano, profetizou. (...)
Pois como outrora o Espírito falou por meio de Balaão, assim também falou agora
por meio de Caifás.” São Tomás de Aquino em
Catena Aurea.
São Tomás de
Aquino vê aí uma “profecia involuntária”. Algo parecido com o que acontece com
Balaão, “profeta pagão” no Antigo Testamento: um homem que não estava em
sintonia com Deus, mas que ainda assim foi usado por Ele para dizer algo
verdadeiro (Números 22-24).
Em resumo: São
João revela que Deus transformou aquela decisão política em
parte do Seu plano de redenção. É uma das ironias mais profundas da Bíblia: o
sumo sacerdote que condenou Jesus sem querer declarou a verdade sobre
Sua missão.
Será que é por
isso que dizem que “Deus escreve certo por meio de linhas tortas ?”
Tenham todos uma
abençoada Semana Santa.
Cláudio Nogueira
PS. Se não tivesse
pecadores na igreja do Amial, esse texto não existiria.
Excelente texto.
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