Para Maria Fernanda, João Paulo,
Pedro Henrique e Maria Rafaela.
Obs. clique uma vez na foto que ela aumenta.
Obs. clique uma vez na foto que ela aumenta.
No primeiro semestre de 1986, eu
trabalhava como engenheiro na Gradiente. Um dia o meu chefe, querido e saudoso
amigo Aldenir Alencar, perguntou a todos: “Quem sabe inglês para ir buscar um
protótipo no Japão?” Eu sei um pouquinho, respondi. “Um pouquinho não serve.” Disse Aldenir, me descartando.
Fiquei com aquilo na cabeça. Já
havia estudado inglês nos ensinos fundamental e médio; e mal sabia falar o verbo to be. Além do que já tinha acabado de fazer 27 anos. E
papagaio velho não aprende a falar.
Georgia Tech - Março de 2014 |
A minha promoção não agradou ao Mário, nosso desenhista industrial. Um sujeito bastante alto e magro, que faturava uns extras como cantor da noite.
Ele passou a cantarolar músicas me provocando. Do tipo: “ Mal chegou já virou
chefe, só porque é amigo do chefe.” Isso durou um mês, até nos embolarmos
dentro da fábrica e sermos mandados para rua. Não sabia, mas era o que estava precisando.
Por
orientação do Vicente, meu irmão, fui ao ICBEU, conhecida escola de inglês de
Manaus, em busca de panfletos de cursos de inglês nos States. Mostrei-lhe vários
cursos. Ele disse: “Essa aqui é muito boa. E o preço está bom.” Era o
Georgia Institute of Technology, em Atlanta, Estado da Georgia. E o custo-benefício
também era bom quando comparado com outras escolas: 25 horas-aulas por semana,
5 horas por dia.
Fiz as contas. Vi quanto tinha na poupança e quanto estava o valor da moeda americana, e pensei: acho que vai dar. A taxa de câmbio era 14 cruzeiros por dólar. Nesse mesmo ano, o Plano Funaro, que congelou o preços dos bens, mudou o nome de nossa moeda para Cruzado.
Partir com três mil dólares, para morar, comer e estudar por doze
semanas. Hoje não seria nem dez mil reais. Lembro-me da minha cunhada Nega,
Ozeneide Casanova, dizendo: “Esse ainda vai voltar com uns mil e quinhentos.” A
verdade é que o dinheiro ficou curto, mas arranjei um bico que ajudou bastante.Fiz as contas. Vi quanto tinha na poupança e quanto estava o valor da moeda americana, e pensei: acho que vai dar. A taxa de câmbio era 14 cruzeiros por dólar. Nesse mesmo ano, o Plano Funaro, que congelou o preços dos bens, mudou o nome de nossa moeda para Cruzado.
O
Visto
Naquela época, muito longe de 11
de setembro de 2001, o visto americano era tirado em Manaus mesmo. A
documentação era entregue no Consulado americano, cujo cônsul era Jaime ou James Fish,
um americano, casado com brasileira, e que já estava por essas bandas há muito
tempo.
Mandei toda a documentação exigida, mas
o visto foi negado. Foi um choque. Naquela época vinha uma carta dizendo o
motivo da negação. O meu era porque “não apresentou motivos suficientes de que
deseja voltar para o Brasil quando acabar o curso”,Vinha assinado - lembro-me
bem do primeiro nome - por Eugênia.
Se inscrever em um curso de
inglês - para quem desejava ficar lá em definitivo - era o golpe mais velho que existia para tirar
visto americano. Eu me enquadrava no perfil; jovem e solteiro. E de quebra
bonito. Tá rindo de quê ?O Visto. Nem um dia a mais |
James Fish era amigo de longa
data da família, desde quando era padre redentorista. Fui lá com ele. E lhe
pedi uma coisa inacreditável. Pedi para ele ligar para a dona Eugênia. Ele me
pediu que colocasse todos os dólares que possuía na sua frente. Ele ligou para
ela, falou umas coisas e passou a ligação pra mim. Eu disse a ela: eu sou
engenheiro elétrico, tenho emprego fixo (nem tinha mais), não tenho intenção
nenhum de lavar pratos nos Estados Unidos, preciso aprender inglês para crescer
profissionalmente, blá, blá... Ela me mandou requerer o visto novamente. Foi
concedido tão somente para as doze semanas do curso, nem um único dia a mais. O
curso terminava dia 5 de setembro, e o visto também.
Volto a citar James Fish
novamente, no post “Saindo do Caritó” que republico todos os anos no facebook no dia 26 de junho, aniversário do meu casamento. Onde conto como conheci a minha esposa. Mr. James Fish um dia me disse que “estava no caritó” (encalhado), insinuando que não casaria mais. Mas isso é outra história.
A Partida e a Chegada.
Dia 15 de junho sai de Manaus,
pelo Lloyd Aero Boliviano, via Caracas, chegando em Miami, quando o sol tinha acabado
de nascer, no dia 16. Estava preocupado como eu iria assistir, naquele dia o
jogo entre Brasil e Polônia, pelas oitavas-de-final, na Copa do Mundo no
México.
Desci em Miami, e na saída do
aeroporto me dei conta que eu não havia me informado sobre o que fazer ao
chegar lá. Como chegar em Atlanta. E agora José ?
Mas como Deus é grande, soprou no
ouvido do Thomaz, outro irmão, a seguinte frase, que ao nos despedirmos no
aeroporto me disse: “Quando chegares ao aeroporto pede ao taxista que te leve
para a Greyhound Station.” Estação de onde partiam os ônibus interrurbanos para
diversas cidades americanas. Dito e feito.
No
guichê de passagens, um sujeito falando espanhol, me informou que o próximo
ônibus para Atlanta partiria às 17 horas. Restando-me umas 10 horas para
turistar em Miami. No que fiz zanzando por downtown. Lá vi uma coisa
interessante. Mas não compreendi bem a situação porque não entendia nada do que
falavam em inglês. Vi uma pessoa americana, conhecida nossa, que morou muitos anos na Amazônia,
e especialmente em Manaus, vendendo alguma coisa ao público. Falava muito.
Fiquei com vontade de me aproximar e me identificar, mas não tive coragem.
Foram 17 horas de viagem até
Atlanta. Cansado, dormi muito. Acabei com a polícia dentro do ônibus pedindo os
passaportes de todos. Depois acordei de novo. Estavam todos rindo. Um rapaz me
acordou e me disse em espanhol que estava roncando muito
Cheguei a Atlanta às 10 da manhã.
Fiquei decepcionado como tamanho da “rodoviária”, muito pequena quando
comparadas com algumas nas grandes cidades do Brasil.
De novo o frio na espinha. Aquele
calafrio que senti ao desembarcar em Miami se repetiu. E agora o que é eu faço?
Por que não planejei isso no Brasil ? Como no aeroporto, ia para fora e voltava
para dentro da estação, pensando no que iria fazer. Fiz isso várias vezes.
Depois de me acalmar e pedir ajuda
a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, peguei um taxi, e escrevi
num pedaço de papel, a seguinte frase: hotel near Georgia Tech. E
mostrei ao taxista. Ele me levou para um hotel na frente da GA Tech, na North
Ave. Na front desk uma moça perguntou ao motorista (não sei com entendi) se eu
tinha reserva. Não. Respondeu. “Só com reserva.” Respondeu ela. Outro calafrio.
O motorista me levou para um Days
Inn, na Peachtree Street na frente do
cinema Loew’s Grand Theatre, onde foi
feita a première do filme E o Vento
Levou, em 15 de dezembro de 1939. Na realidade, ele foi demolido em 1978 devido
a um grande incêndio, há outro prédio no local, mas era o que nos ensinavam:
“Ai nesse local foi a première de E o Ventou Levou.”
Para quem não se lembra, Margaret Mitchell, autora do livro era de Atlanta; e a história se passa lá. Lembram-se do incêndio de Atlanta, no filme?
Para quem não se lembra, Margaret Mitchell, autora do livro era de Atlanta; e a história se passa lá. Lembram-se do incêndio de Atlanta, no filme?
Mal me instalei no hotel, desci
os poucos quarteirões que nos separavam da Georgia Tech. Dirigi-me a recepção
do Intensive English Program do Language Institute, no Swann Building,
localizado na 613 Cherry St. NW, esquina com a North Ave.
Eu havia pago 375 dólares para
ficar as 12 semanas num dormitório da universidade. Queria sair o mais breve do
hotel.
Na recepção encontrei uma moça
bonita, por volta dos seus 25 anos, Gretchen. Era casada com um dos professores
do curso, Kurt Belgum. Perguntei a ela se falava espanhol, e disse-lhe que era do Brasil. Nesse instante
saiu de dentro de uma sala um alemão falando portunhol: “ Tudo bem ? Eu falo
espanhol.” Era o Dr. Louis Zhan, diretor do Instituto.
Depois de uma breve conversa, na qual me acalmou, disse-me para não me preocupar que eu iria aprender inglês. E me informou que o dormitório somente estaria disponível no sábado, dia 21. Estávamos na segunda-feira, dia 16. As aulas começariam uma semana depois, dia 23 de junho.
Depois de uma breve conversa, na qual me acalmou, disse-me para não me preocupar que eu iria aprender inglês. E me informou que o dormitório somente estaria disponível no sábado, dia 21. Estávamos na segunda-feira, dia 16. As aulas começariam uma semana depois, dia 23 de junho.
Gretchen e Rosângela |
Eles me convidaram a ficar na
casa deles, que era repartida com mais dois estudantes americanos, até a minha
ida para o dormitório da universidade. Eles moravam na 10th St. NW,
perto do campu. Mas atrás dele, um pouco afastado de onde eu estava.
No dia 17 fiz o check out no
hotel, e peguei um taxi para a casa do Jeff, como era chamado, e do Ronaldo.
Mas antes liguei para o Brasil; queria informar que cheguei bem e queria saber
se o Brasil ainda estava na Copa. Estava. Ganhamos de 4 a 0 da Polônia, como
gols de Sócrates, Josimar, Edinho e Careca. Dia 21, sábado, seria contra a
França.
Jeff, Ronaldo e Mauro, que morava
num apartamento dentro do campus, se tornaram grandes amigos meus; e me
ajudaram bastante. Mas o Mauro, pela proximidade da idade, dois anos mais novo,
se tornou mais íntimo. E graças ao fato de possuir um carro (um Toyota Tercel)
foi possível conhecer e ir a vários lugares. Lembro-me que ele fez amizade com
três brasileiras de Recife. Com elas fomos ao cinema e jogamos peladas de
vôlei.
Um belo dia
disse para o Mauro que numa festa de brasileiros um sujeito estava falando do
‘filho da Coca Cola’, mas não entendi nada. Ele ficou calado. Só bem mais tarde
vim, a saber, que o sujeito estava falando do Mauro, que era filho de um
executivo da Coca Cola em uma capital no Brasil. Com o tempo percebi certa
inveja que alguns tinham dele. Da situação social e porque falava inglês muito
bem. Mas ele se virava. Chegou a trabalhar no cinema da universidade para fazer
uns extras. Hoje, o Dr. Mauro Conti Pereira é um respeitado professor
universitário, e está em Michigan fazendo pós-doutorado.
Em 1986 a Aids era uma grande incógnita e metia muito medo. Lembro-me bem do radialista Joaquim Marinho dizendo no seu programa de rádio: “Ninguém sabe exatamente como ela é transmitida. Muita gente tem medo de vaso sanitário público, de espiros , de todo tipo de contato...”
Em 1986 a Aids era uma grande incógnita e metia muito medo. Lembro-me bem do radialista Joaquim Marinho dizendo no seu programa de rádio: “Ninguém sabe exatamente como ela é transmitida. Muita gente tem medo de vaso sanitário público, de espiros , de todo tipo de contato...”
Um dia o Mauro e eu fomos a um
night club. Andarmos uns metros no salão e subimos para o andar superior; então
vimos dois caras se beijando. Eu me lembrei do que ouvi no rádio. O Mauro disse,
parecendo que leu o meu pensamento: “Não toca em nada. Não toca no corrimão. Vamos
sair daqui, nós vamos pegar Aids.”
Lembro-me também de outra boate
onde andávamos sobre vidros. O chão era de vidro, e debaixo dos nossos pés
andavam onças e outros felinos. Mas nessa eu fui com outros brasileiros.
Mauro, Jeff, Cláudio, Cris |
E assim fiquei a primeira semana
na casa dos brasileiros, Jefferson e Ronaldo. No sábado, 21, seria o jogo Brasil
x França pela quartas-de-final. Veio para assistir conosco uma brasileira, cujo
marido era o diretor da Aliança Francesa de Atlanta, e trouxe junto uns cinco franceses.
Eles e nós assistimos juntos em um canal espanhol. O narrador torcia
descaradamente pelo Brasil. “Peligro ! Peligro ! Peligro!” gritava desesperado quando a França atacava. E adorava chamar o Sócrates de doutor.
“Doutor Sócrates ! Doutor Sócrates !” Gritava.
Zico perdeu um pênalti dentro do
jogo. O final, no tempo regulamentar, foi 1 a 1; com gols de Careca e Platini.
Na decisão em pênaltis, Sócrates e Júlio César perderam os gols pelo Brasil, e
Platini pela França. Resultado: a França se classificou ganhando de 4 a 3, e o
Brasil voltou para casa. A Argentina foi a campeã.
Depois do jogo,
uns tristes e outros felizes, fomos todos jogar futebol numa quadra de basquete
sem traves. Mas o Mauro tinha feito traves de canos de PVC, que eram montadas,
desmontadas e levadas pra casa em cada jogo. Depois do jogo me instalei num
dormitório de estudantes, onde ficaria pelas próximas doze semanas.
Meu dormitório masculino era o Harris Hall, localizado no número 633 da Techwood Drive NW, do lado do estádio de futebol, Bobby Dodd Stadium, a sede dos Yellow Jackets, o time de futebol americano da Georgia Tech. Ele tem a capacidade de 55 mil pessoas. Mas em 1973, num jogo contra o arquirrival Panthers da Georgia State University, o público registrado foi de 60.316 espectadores. Deve ter tido gente que sentou no colo de alguém.
Meu dormitório masculino era o Harris Hall, localizado no número 633 da Techwood Drive NW, do lado do estádio de futebol, Bobby Dodd Stadium, a sede dos Yellow Jackets, o time de futebol americano da Georgia Tech. Ele tem a capacidade de 55 mil pessoas. Mas em 1973, num jogo contra o arquirrival Panthers da Georgia State University, o público registrado foi de 60.316 espectadores. Deve ter tido gente que sentou no colo de alguém.
Não temos no Brasil nada parecido
com o futebol universitário americano. Ele rende milhões de dólares; é
disputadíssimo em estádios enormes. Dele saíram vários jogadores para o futebol
profissional. O mesmo acontece com o basquete universitário. Ambos são como a
segunda divisão do profissional. Adorava assistir partidas de basquete do
Yellow Jackets no Alexander
Memorial Coliseum, o ginásio de esportes da Geogia Tech. Nele foram realizadas
as lutas de boxe das Olímpiadas de 1996, em Atlanta.A
mascote dos Yellow Jackets é uma abelha. Isso me lembrava o símbolo do nosso então
prefeito, que como dizia o povo, quando não estava viajando, estava fazendo
cera.
The
Varsity
No deslocamento do hotel para a
Georgia Tech, logo nas primeiras horas da minha chegada em Atlanta, descobri o
Varsity, uma lanchonete.
Peraí. Agora eu
falei besteira. O Varsity não é uma lanchonete. É a lanchonete. The Varsity,
como é
anunciado no local e na sua homepage é o “maior restaurante [ lanchonete]
drive-in do mundo.” Drive-in nos lembra assistir filme dentro do carro. Estamos
mais acostumados com drive-thu. É a mesma coisa: você fica dentro do carro, e
alguém lhe atende. Mas o Varsity também serve dentro dos seus salões.
Obama no Varsity em junho de 2012 |
O que tem de especial nele é a sua
história. Presidente americano e artistas famosos não vão a Atlanta sem comer
um cachorro quente no Varsity. As fotos nas paredes não me deixam mentir. São
75 anos de história. Clark Gable, após a première de E o Vento Levou, foi fazer
uma boquinha lá. Em 1982 foi a vez do presidente Jimmy Carter comer um cachorro
quente. E George Bush pai esteve no local em 1990. Bill Clinton, em 1994, e o
Obama em junho de 2012. Cláudio Nogueira esteve lá várias vezes em 1986, e com
a esposa e filhos, em março de 2014. E com a minha sogra preferida, em maio do
mesmo ano. Mas isso se esqueceram de registrar na parede.
No site deles tem a seguinte
pergunta: O que faz o Varsity ser tão especial? Resposta: “Localizado no centro
de Atlanta com mais dois acres [mais de 8 mil metros quadrados], podendo acomodar
600 carros e mais de 800 pessoas no seu interior. Nos dias em que os Y
ellow
Jackets da Georgia Tech estão jogando em casa, mais de 30.000 pessoas visitam o
Varsity.” O Estádio da Georgia Tech fica
a menos de 700 metros dali
Nós no Varsity - Março de 2014 |
.
Continuando a
resposta: “Duas milhas [3,6 km] de cachorros-quentes, uma tonelada de cebolas,
2500 libras [mais de uma tonelada] de batatas, 5000 tortas e 300 galões [1.135
litros] de chilli [molho apimentado] são feitos diariamente.”
Mas a minha estreia no local não foi
muito boa. Depois de tentativas orais sem sucesso, tive de partir para os
gestos, apontando com o dedo para fazer o meu pedido. Aí veio a decepção.
Recebi um pão cortado longitudinalmente com uma salsicha no meio. Só isso ?
Comparado como Kikão da praça de São Sebastião, em Manaus, aquilo era um
desastre. No Kikão vinha sobre a salsicha, o molho, a maionese e a batata
palha.
Recebi o meu hot dog decepcionado.
Olhei em volta e vi que era eu quem colocava o molho, a mostarda, etc. na
quantidade que desejasse.
O
Início
Identidade de Estudante |
Todos numa sala grande; uma senhora assanhada e com cara de mandona ou de chefe dando as informações e instruções. Entendi muito pouco. Na realidade só entendi duas coisas: todos tinham de comprar o seguro de saúde que a universidade dispunha e havia uma taxa para utilização do ginásio e de toda estrutura esportiva oferecida.
Primeiro dia. Muito medo. Será que vou um dia aprender inglês? Quando estava no processo de inscrição, uma cunhada, que havia morando um tempo nos Estados Unidos, ligou para a GA Tech ao meu pedido. Quando a ouvi falando, quase desisti. Eu pensei: nunca vou falar assim.
Como já disse, eram 25
horas-aulas por semana; cinco por dia. Um pedaço de manhã, o restante à tarde.
Intervalo de uma hora, entre 12 e 13 horas. Era o tempo mais do que suficiente
para, literalmente, correr ladeira abaixo até o dormitório; eu e um costa riquenho,
Alejandro. E depois correr ladeira acima para novas aulas.
Eu corria para a
cozinha coletiva do meu andar para preparar macaroni & cheese, queijo com
macarrão. O queijo vem em pó. E ambos vêm em uma caixinha. Eu até hoje gosto
muito. Era o que o dinheiro dava. Era e continua sendo muito barato. É muito
consumido pelo povo de baixa e baixíssima renda nos States. Era só ferver a
água; amolecer o macarrão e misturar o queijo. Fazia isso todos os dias.
Eu havia alugado uma geladeira
pequena, tipo frigobar. Todo aluno no dormitório faz isso. Nela guardava outras
coisas que reforçavam a dieta.
O
dormitório tinha banheiro coletivo, com cabines individuais; e uma cozinha
coletiva com tudo que se precisava. No banheiro me chamou atenção que cada
homem tinha o seu secador de cabelo. Era comum ver cinco seis machos na frente
dos espelhos secando os cabelos.
A Georgia Tech funcionava em “quarters”, ou seja, o ano escolar era dividido em quatro períodos. Em setembro, quando saí do dormitório porque o “quarter” do verão havia acabado, eu ganhei uma graninha retirando essas geladeiras dos quartos. O dono delas vinha com caminhões baús e nós íamos
A Georgia Tech funcionava em “quarters”, ou seja, o ano escolar era dividido em quatro períodos. Em setembro, quando saí do dormitório porque o “quarter” do verão havia acabado, eu ganhei uma graninha retirando essas geladeiras dos quartos. O dono delas vinha com caminhões baús e nós íamos
Cozinhando |
Aqui vi outra coisa interessante.
No final do serviço se formou uma fila de ajudantes para receber o pagamento, que
era feito com cheques. A pessoa que nos pagava, quase cem por cento das vezes,
perguntava: “Como é que se escreve o seu sobrenome ?” Que após a resposta,
perguntava: “Como se soletra ?”
Embora, oficialmente, no meu
passaporte só constasse U$970 - pois quando comprávamos dólares no banco, era
registrado no passaporte - levei três mil dólares. Para saber quanto isso representa
hoje, seria necessário multiplicá-lo pela inflação americana nos últimos 30
anos. Era pouco, posso afirmar. Após pagar a tuition (valor do curso), o seguro
obrigatório, a taxa esportiva e o dormitório, sobrou um pouco mais de mil
dólares. O curso era de 10 semanas, acabaria em setembro, pois tinha duas
semanas de férias no meio, mas tencionava ficar até março.
Fazendo
Mudanças e Making Money
A salvação da lavoura foi conhecer, numa festa de brasileiro, o Mauro mineiro. Outro Mauro, esse era de Minas, filho de um engenheiro de classe média alta.
A salvação da lavoura foi conhecer, numa festa de brasileiro, o Mauro mineiro. Outro Mauro, esse era de Minas, filho de um engenheiro de classe média alta.
Esse Mauro também falava muito bem inglês, pois havia estudado high school nos States. Era uma
cara com uns 35 anos, bem parecido, morava só numa casa muito boa, tinha um bom
carro e uma moto. Já estava há algum tempo nos Estados Unidos. Estava
preparando uma surpresa para o seu pai. Queria finalmente dá-lhe essa alegria.
Fazia curso de piloto de helicóptero. E para pagar o curso trabalhava como
garçon, ajudante de pedreiro e fazia mudanças.
Quando conheci o Mauro mineiro, ele estava trabalhando como motorista do caminhão baú de um amigo brasileiro, Mário, que estava de férias em Minas. Perguntei-lhe se não havia trabalho pra mim. Assim virei ajudante de mudanças. Os valores eram os seguintes: 45 dólares por hora para ele (que pagavam o serviço dele e o caminhão), e 8 dólares por hora pra mim. Isso foi um reforço e tanto no caixa. Só para se ter uma ideia, o salário mínimo por hora hoje é de 15 dólares.
Lembro-me que desta forma conheci e fiquei encantado com as casas americanas. Eram casas no subúrbio. Com a gasolina muito barata, o americano não se importava de morar longe. Era um serviço muito cansativo. No intervalo do almoço íamos para um rodízio e comíamos como dois estivadores. O Mauro de vez em quando fumava maconha no deslocamento da mudança. Ele me ofereceu umas vezes, mas nunca aceitei. Disse-lhe que se soubesse que iria fazer serviço pesado, teria trazido guaraná em pó. Voltando de uma viagem de NY, ele me disse: “Taqui o teu energético.” Era pó de guaraná.
Quando conheci o Mauro mineiro, ele estava trabalhando como motorista do caminhão baú de um amigo brasileiro, Mário, que estava de férias em Minas. Perguntei-lhe se não havia trabalho pra mim. Assim virei ajudante de mudanças. Os valores eram os seguintes: 45 dólares por hora para ele (que pagavam o serviço dele e o caminhão), e 8 dólares por hora pra mim. Isso foi um reforço e tanto no caixa. Só para se ter uma ideia, o salário mínimo por hora hoje é de 15 dólares.
Lembro-me que desta forma conheci e fiquei encantado com as casas americanas. Eram casas no subúrbio. Com a gasolina muito barata, o americano não se importava de morar longe. Era um serviço muito cansativo. No intervalo do almoço íamos para um rodízio e comíamos como dois estivadores. O Mauro de vez em quando fumava maconha no deslocamento da mudança. Ele me ofereceu umas vezes, mas nunca aceitei. Disse-lhe que se soubesse que iria fazer serviço pesado, teria trazido guaraná em pó. Voltando de uma viagem de NY, ele me disse: “Taqui o teu energético.” Era pó de guaraná.
Nilce, eu e Marlene |
Ficamos muitos preocupados, e
ligamos para outros brasileiros. Que nos tranquilizaram dizendo: “Isso não é a
primeira vez. Ele vai pagar a fiança e vai sair. Depois vai para frente de um
juiz.” Dito e feito. Pagou 200 dólares e saiu.
Graças a essa grana vinda do
trabalho como ajudante de mudanças que pude continuar estudando quando as 12
semanas que estavam pagas acabaram.
Só vi problemas nas mudanças duas vezes.
Uma vez uma mulher reclamou que estávamos muito lentos. A outra foi pior. O
Mauro jogou para mim um prato, e eu deixei cair no chão e o prato se quebrou. A
minha sorte foi que o dono da casa viu e pôs a culpa nele. Chamou o Mauro e lhe
disse: “Você vai me indenizar. Vou ver se consigo outro prato igual a esse.
Esse prato é comemorativo da inauguração do Disney Word na Flórida, em 1971.”
Quando Mário, o dono do caminhão baú,
voltou das férias, às vezes trabalhávamos juntos.
Mas deixa eu dar uma explicação
aqui. Entrou na história Nilce Mendonça, como Pilatos entrou no Credo. A Nilce
era, e continua sendo, uma amiga de longa data de Manaus. Ela havia ido passar
férias em Norfolk, na Virginia, na casa de uma conterrânea dela de Manacapuru,
que era casada com um marinheiro. Ela entrou em contato comigo e me perguntou
se não dava para ela estudar inglês na Georgia Tech. Deu. A Rosângela era uma
brasileira de São Paulo, que também estudava inglês, e onde consegui alojar a
Nilce. Depois que acabaram as 12 semanas na GA Tech, a Nilce estudou
comigo na
escola de línguas ESL de Atlanta.
Encontro de brasileiros |
Dela ouvi uma
história muito engraçada que aconteceu em Norfolk. Vamos ver quem leu até aqui.
Se me perguntar eu conto.
Mauro, o estudante de engenharia, descobriu outro brasileiro na GA Tech, Cris, filho de seu Valdemar e dona Úrsula. Seu Valdemar era mecânico e trabalhava no aeroporto de Congonhas, dona Úrsula também trabalhava no aeroporto. Ela era alemã, mas só falava com o marido e os filhos em português, Quando conheci o Cris, o português dele estava bastante esquecido. Uma vez esse me disse, em determinada situação: “Se nós era ...”. Era um cara muito fino. Imigraram para NY, e depois se estabeleceram em Atlanta. Em 1987, quando estudava estudando em Baton Rouge, na Louisiana, fui a Atlanta e fiquei na casa dele.
Mauro, o estudante de engenharia, descobriu outro brasileiro na GA Tech, Cris, filho de seu Valdemar e dona Úrsula. Seu Valdemar era mecânico e trabalhava no aeroporto de Congonhas, dona Úrsula também trabalhava no aeroporto. Ela era alemã, mas só falava com o marido e os filhos em português, Quando conheci o Cris, o português dele estava bastante esquecido. Uma vez esse me disse, em determinada situação: “Se nós era ...”. Era um cara muito fino. Imigraram para NY, e depois se estabeleceram em Atlanta. Em 1987, quando estudava estudando em Baton Rouge, na Louisiana, fui a Atlanta e fiquei na casa dele.
Então, a turma foi ficando
grande, juntos e misturados. Os Mauros, Cris, Nilce, Rosângela, Cecília,
Jefferson, Ronaldo, Alexandre e vários outros brasileiros. Depois se juntou ao
grupo um americano, Jeff, um rapaz novo, que era professor auxiliar no ESL de
Atlanta.
Uma vez fui uma festa numa casa
que tinha brasileiros, outros latinos e americanos. Tinha um cara que acho que
estava nos testando. Ele sabia o nome de todos os grupos clandestinos de
esquerda da América Latina. Falava dos brasileiros, do Tupamaro, e vários
outros.
The
Book is on the Table
Certficado de conclusão |
As classes eram
de gramática (grammar), leitura e compreensão (reading comprehension), inglês
falado (spoken English) e audição (listening),
ou seja, ouvir e entender. Essa última era no laboratório. Lembro-me bem de
ouvirmos a música “Hello” de Lionel Richie. Ouvíamos a música, e tínhamos a
letra na nossa frente faltando palavras, deveríamos preencher as lacunas em
branco. “Hello” estava nas paradas junto com “Papa don’t Preach”, a história da menina
que engravidou, de Madonna. Eu ouvi essa música mais de vinte vezes para entender a letra.
Livro texto |
Minha professora de grammar e listening
era Mrs. Linda Grant, de reading comprehension era Dr. Linda Arthur, que todos
chamavam de doctor Arthur. Ela no primeiro
dia foi logo avisando: “Vocês podem perguntar qualquer coisa menos a minha
idade.” Era muito amiga da Rosângela, que a levou para comer uma feijoada, e nos
disse que teve uma flatulência braba. A professora de spoken English, era Ms.
Jane Boss, que nos ensinava o inglês correto, depois dizia como o americano falava.
Tipo assim: ‘vambora’, ou invés de ‘vamos embora.’ Com ela aprendíamos a
reduzir o sotaque. Lembro-me de uma situação engraçada. Ela me perguntou
quantas “children” (crianças) meus pais tinham. Eu respondi: não tem mais
crianças na minha família, tinha adolescentes, mas não crianças. Depois de
muita confusão e ela se esforçando pra se fazer entender, compreendi que
“children” originalmente significa crianças, mas também pode significar filhos.
Mas
as minhas aulas preferidas eram com Mrs. Grant. Gostava do método usado; o qual
acho de uma eficácia extraordinária. O livro texto ajudava muito (tenho todos
até hoje). Mas também ela trazia também textos avulsos. O método é muito
simples. Ele é constituído de frases: eu sou brasileiro, eu sou gordo, eu sou
magro, eu sou .... Assim, não só aprendíamos o verbo to be como saímos da aula com um vocabulário novo de 50 palavras.
Depois mudava o verbo. Eu posso nadar, eu posso cozinhar, eu posso falar inglês,
etc.
Em 2007 quando fomos morar no
Canadá, usei esse método como os meus filhos, que iam para a escola, mas
aprenderam a ler comigo. Escrevi mais de 500 frases e preguei-as nas paredes.
Todos os dias eles liam elas feito mantras.
Fabiana e Linda |
Ela se tornou uma escritora bem sucedida de livros didáticos para o ensino da língua inglesa. Seus livros são vendidos no amazon.com e adotados por várias escolas, por isso viaja muito. Ano passado esteve em três países da Europa dando palestras e falando dos seus livros, cuja coleção se chama “Well Said.”
Seu
ou Dele ?
Lembro com clareza de muitas
aulas, mas tem duas que me lembro sempre, ambas na aula de gramática com Linda. Eu disse-lhe, e todos ouviram, que estava contente porque uma namorada
de Manaus, possivelmente, viria me visitar. Era o que tinha dito em uma carta.
Ai ela me perguntou: “O que você vai fazer com ela?” Prontamente procurei a
palavra namorar no dicionário. Provavelmente deveria ter mais de uma tradução,
mas respondi em voz alta a primeira que vi: to make love ou fazer amor. Linda
corou e mudou de assunto.
Eu me relembro da outra situação
todas às vezes que ouça uma frase assim: “Roberto Carlos e sua banda”, “Fulano
e seus amigos.” Em inglês não se fala assim. A frase em inglês é: “Roberto
Carlos e a banda dele.” Mrs. Grant me fez uma pergunta, e para exemplificar a
situação, é como seu eu tivesse lhe respondido: a Madona e sua (your) banda.
Ela disse: “A minha banda?” Aí não entendi nada. Depois da explicação dela foi
que entendi que teria de dizer: a Madonna e a banda dela (her). Isso vem na
minha cabeça todas às vezes que ouço frases em português usando as palavras
seu, sua, no sentido de dele, dela.
Ao estudar o inglês percebi
algumas coisas engraçadas no português. Nós dizemos ‘o pneu furou’, ‘cortei o
meu cabelo’. O pneu nesse caso é o autor
da ação. Quem foi que ele furou? Ele
furou o asfalto? Nada disso. O pneu sofre a ação. O pneu foi furado, seria o
correto. ‘Cortei o meu cabelo’. Você mesmo cortou o seu cabelo ou alguém o
cortou pra você? O correto seria dizer: cortaram o meu cabelo ou tive meu
cabelo cortado.
Também há expressões em inglês
que soam engraçado para nós. Por exemplo: I am cooking
myself. A
ideia é ‘ eu cozinho’ ou ‘eu sei cozinhar’, mas a tradução ao pé da letra
parece dizer: ‘eu estou me cozinhando.” Nesse caso, os próprios americanos
divergem sobre se isso está correto. Um amigo me disse que por questão de
clareza seria mais correto dizer: ‘I am doing the cooking myself.’ A
ideia de que você mesmo cozinha fica mais clara. Mais um exemplo. Uma pessoa
casada pode dizer: I am married with a kid. A tradução ao pé da letra em
português é: eu sou casada com uma criança. É claro que o sentido é: eu sou
casada e tenho uma criança.
Segundo dicionário Merriam Webster “to fix” é “to repair (something)”. Ou seja consertar alguma coisa. Tem outras definições, mas nenhuma delas significa cozinhar; no entanto, é dito em inglês: “I fix lunch every day”, ou eu cozinho almoço todos os dias.
Segundo dicionário Merriam Webster “to fix” é “to repair (something)”. Ou seja consertar alguma coisa. Tem outras definições, mas nenhuma delas significa cozinhar; no entanto, é dito em inglês: “I fix lunch every day”, ou eu cozinho almoço todos os dias.
Aprendendo
Inglês com os Irmãos
Havia 45 dias que as aulas tinham
começado. Andando pelo campus vi uma faixa que dizia: “Venha conversar, comer
uns salgadinhos e tomar uns refrigerantes conosco.” Era um encontro de
evangélicos. Fui. Chegando lá, um gordinho se aproximou, e antes que ele
começasse a falar, fui logo dizendo às frases que sabia: eu sou do Brasil, eu
não falo inglês, eu sou estudante do inglês intensivo, eu cheguei faz 45 dias.
Ele respondeu: “Seja bem vindo. Você está falando em inglês”. Depois me disse
que falava espanhol, e que estudou no México. Chamou os outros e me apresentou.
Aí eu disse: nice to meet you, e o cara respondeu: “nice to meet YOU.”
Aumentando a entonação ao dizer ‘you’.
Aí pensei: por que ele falou assim? Será que assim é o correto? Comentei isso
com a Linda, que me explicou, que ele estava querendo dizer que o prazer era
dele em me conhecer. É como se fala.
Convidaram-me para um Bible
studies, estudos da Bíblia, e para frequentar a igrejas deles, no que aceitei
imediatamente.
A igreja deles era o maior
barato. Enorme, cheia de loiras bonitas. É aqui que eu fico. Pensei. Lá não
tinha essa das evangélicas usarem roupas escondendo os joelhos, sem baton, etc.
Me enturmei. Ia lá sempre que podia. Fui na festa de halloween deles. Coisa
impensáv
el para os evangélicos do Brasil. Porque no Brasil halloween é festa
das bruxas.
Nós e Linda em 2014 |
Fui até um retiro no Alabama com
eles, no break de duas semanas que tive. Quatro dias rezando, ouvindo
palestras, discutindo em grupos, comendo churrasco (a moda deles) e jogando
vólei. Onde eu podia me meter para praticar o inglês, eu me metia.
No domingo, ia à missa dentro do campus. Lá encontrava o Mauro, o mestrando de engenharia, e o Jeff. O campus tinha tudo. Cinco mil pessoas moravam dentro deles. É a cidade universitária. Tinha igreja ou templos de várias denominações. Participei também na igreja Católica, cujo pároco era o padre Mário, da St. Francis Table que distribuía sopa para os podres.
Eu estudava muito. Estava sempre estudando. Até quando andava. Sempre com o dicionário nas mãos querendo matar a curiosidade do que certas frases significavam. No domingo, depois da missa, eu ia para o Lenox Square, um shopping center. Ia assistir filmes. Eram muitas salas com uma entrada em comum; acabava um filme, eu ia para a outra sala. A desvantagem é que os filmes não mudavam toda semana. E como não entendia muito bem, assisti Top Gun, com Tom Cruise mais de dez vezes.
No domingo, ia à missa dentro do campus. Lá encontrava o Mauro, o mestrando de engenharia, e o Jeff. O campus tinha tudo. Cinco mil pessoas moravam dentro deles. É a cidade universitária. Tinha igreja ou templos de várias denominações. Participei também na igreja Católica, cujo pároco era o padre Mário, da St. Francis Table que distribuía sopa para os podres.
Eu estudava muito. Estava sempre estudando. Até quando andava. Sempre com o dicionário nas mãos querendo matar a curiosidade do que certas frases significavam. No domingo, depois da missa, eu ia para o Lenox Square, um shopping center. Ia assistir filmes. Eram muitas salas com uma entrada em comum; acabava um filme, eu ia para a outra sala. A desvantagem é que os filmes não mudavam toda semana. E como não entendia muito bem, assisti Top Gun, com Tom Cruise mais de dez vezes.
A vida no campus
era muito animada. Lembro-me da festa do homecoming, que acontece no início do
ano escolar setembro. Ex-alunos, alguns já bem velhinhos, se juntam aos novos.
Homecoming
seria como que voltando pra casa; para casa que você estudou,
estuda, ou vai começar a estudar. É uma festa como muita gente e famílias por
todas as partes do campus. As fratenity e as sorority, cujos nomes são três
letras gregas, residências-associações de estudantes, onde só entram quem os internos aceitam, fizeram
decorações e carros alegóricos.
Mas tinha uma coisa que era demais para a minha cabeça. Via, nos intervalos ou depois das aulas e em outras ocasiões, alunos e alunas brincando de skate e patins. Do lado do meu dormitório tinha uma área que eles, de noite, jogavam vôlei e comiam churrasco. Para mim era um bando de alienados. E me perguntava: eles não discutem política?
Fratenity enfeitada para o homecoming |
Mas tinha uma coisa que era demais para a minha cabeça. Via, nos intervalos ou depois das aulas e em outras ocasiões, alunos e alunas brincando de skate e patins. Do lado do meu dormitório tinha uma área que eles, de noite, jogavam vôlei e comiam churrasco. Para mim era um bando de alienados. E me perguntava: eles não discutem política?
Para quem pegou o regime militar
na universidade, com greves, passeatas e discussão política a toda hora, aquilo
era muito estranho. Mais estranho era o “nacionalismo” das lojas de automóveis
cheias de bandeiras dos Estados Unidos. Nesse período, muito diferente de hoje,
a bandeira brasileira era usada somente pelos militares. Então na minha cabeça
aquelas bandeiras nas lojas de automóveis não faziam sentido.
Tirando
o CPF
Meus amigos na sala de aula era
Alejandro, da Costa Rica, que morava no mesmo dormitório e Gonzalo, um
engenheiro mecânico da Colômbia. Um dia perguntei a ele: quanto tempo vais
ficar aqui nos Estados Unidos ? “A vida toda.” Me respondeu.
Fiquei com pena dele quando fomos
buscar os nossos cartões com o número do Social Security, uma espécie de CPF,
que é necessário para você trabalhar legalmente, e é usado como identificação
em várias outras situações O meu, que tenho até hoje, veio sem restrições, o
dele veio com uma observação: “não é válido para trabalhar”. Ele queria saber
como hav
ia conseguido o meu sem restrições.
Georgia Institute of Technology |
Uma vez fui buscar a minha
correspondência nos Correios da universidade – todos tínhamos uma caixa postal
– encontrei trabalhando lá uma conhecida, Cecília, uma brasileira de 20 anos, filha de executivo americano de SP, que nasceu na Argentina mas a mãe era paulista,
tinha três nacionalidades, fazia engenharia química.Ela me disse que a
legislação permitia que ela trabalhasse até 20 horas por semana dentro do
campus. Quando fomos levados pelo staff do curso de inglês para o office do
Social Security, tive que preencher um formulário. Lá tinha uma pergunta: “Deseja
trabalhar nos Estados Unidos?” Respondi que sim. Fui chamado para justificar
isso oralmente. Aí disse que pretendia trabalhar dentro do campus. Sem ser
minha intenção de ter um Social Security sem restrição, acabei recebendo um, que me foi útil pelas outras vezes que voltei a morar nos Estados Unidos: Miami, Baton Rouge (Louisiana), White Plains (NY – morando lá e
estudando em Boston) e Gainesville (FL).
Adeus Georgia Tech
Dia 5 de
setembro acabaram as aulas. Tinha de sair do dormitório. Haveria duas semanas
de férias para o início do próximo “quarter”. E sob o pretexto de que não
queria parar de estudar, avisei para a Mrs. Grant que não voltaria para as
próximas doze semanas, apesar de ter sido aprovado para cursar o nível 4. Ela
lamentou. Mas na realidade não tinha dinheiro para pagar as doze semanas
integralmente. Fui para outra escola onde poderia pagar mês a mês conforme o
dinheiro fosse entrando. Além do que tinha medo que a GA Tech pedisse para ver
o meu visto, que já estava vencido. Dia 8 de setembro comecei na escola de línguas ESL de
Atlanta, para estudar trinta horas por semana.
Comparado com a Georgia Tech, o
ESL era bastante bagunçado. Na mesma sala havia alunos em níveis diferentes. Uma hora o professor
dizia: “Isso é para os alunos do nível X, e agora é para os alunos do nível Y”.
Havia muitos brasileiros na minha sala. Fiquei lá um mês e saí. O diretor Steve
era amigo da Mrs. Grant e me concedeu uma bolsa, mas não aceitei, era muito
confuso níveis diferentes na mesma sala.
Certificado do ELS |
Voltei para a
casa dos brasileiros, que me deixaram dormir no sofá da sala. Mas isso não
durou muito. Vi no Student Center da universidade, um sujeito chamado Steve
(também) procurando roommate, ou companheiro de quarto, nesse caso seria
homemate, companheiro de casa. Era uma casa antiga e grande, como dezenas em
volta do campus onde moravam milhares de estudantes. Nela já morava o Steve, mais
um venezuelano e um turco. Havia, depois da cozinha, um quarto bem pequeno nos fundos. Assim me mudei para o número 1043 da Hampton St. NW. Era apenas duas
quadras da casa do Jefferson e do Ronaldo.
Vizinho à casa dos brasileiros tinha a Mrs.
Louise, 80 anos, que morava só. Tornei-me amigo dela, e sempre que possível ia
conversar com ela. Um bolo estava sempre me esperando. Chegava sempre dizendo: vim
praticar o inglês com a senhora. No que ela respondia: “Seja bem vindo.”
ELS - conclui o nível 7 no total de 9 |
Lembro me que lhe perguntei se
tinha visto uma Atlanta diferente no início do século. Ela me disse que tinha
visto as ruas sem asfaltos e as carruagens circulando.
Aproveitei para trabalhar mais horas
como ajudante de mudanças, assistir mais TV e conversar com a Mrs. Louise. Além
do que comprei livros e passei a estudar sozinho. Na Ga Tech, se você levasse fitas cassetes virgens, eles
gravavam aulas para você estudar em casa. Mrs. Grant gravou algumas para nós.
Eu tinha várias delas; estava me preparando para isso, para estudar sozinho em casa. Funcionou. No ESL fui para o nível 7 do total de 9. E em 5 de
setembro de 1987 - exato um ano depois
de ter acabado de estudar doze semanas na Georgia Tech - depois do casamento do
meu irmão Brígido Jr. embarquei para Louisiana, para estudar inglês por mais
doze semanas no Lousiana State University, na cidade Baton Rouge, perto de Nova
Orleans. Fui pra lá porque eram sete horas-aulas por dia. Fui colocado no nível
cinco do total de seis.
A
Volta
Na última quinta-feira de novembro de 1986, dia de Ação de
Graças, ou Thanksgiving, estava na casa de uma
Magic Kingdom. 04.12.1986 |
Fiz o caminho de volta. Mas com uma parada. Fui de Atlanta para Orlando de ônibus. Passei um dia dentro do Magic Kingdom, da Disney World, à noite viajei para Miami; no dia seguinte embarquei de volta para o Brasil. Já não era mais o mesmo.
Deus seja louvado !
Cláudio
Nogueira
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