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segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dilma responde ao Washington Post

An interview with Dilma Rousseff, Brazil's president-elect
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/12/03/AR2010120303241.html
By Lally Weymouth
Friday, December 3, 2010

The Washington Post
Uma entrevista com a presidente eleita do Brasil
Quatro semanas atrás, os brasileiros elegeram sua primeira presidente do sexo feminino - Dilma Rousseff, a candidata escolhida pelo Luiz Inácio Lula da Silva, o popular presidente do Brasil que se despede do cargo. Dilma Rousseff chega ao poder com um percurso invulgar: Ela lutou nos anos 60 contra o regime militar que então governava o Brasil, e ela foi presa e torturada entre 1970 e 1972. Ela então começou na política local [Porto Alegre] e entrou para o governo Lula, em 2002, como ministra de Minas e Energia, tornando-se sua chefe de gabinete. Em 02 de dezembro, em sua primeira entrevista longa desde da eleição, Dilma Rousseff falou sobre seus planos para os próximos quatro anos. Trechos da entrevista:

Ter sido preso político dar-lhe mais simpatia por outros presos políticos?
Não há dúvida sobre isso. Devido ao fato de que eu experimentei pessoalmente a situação de um preso político, eu tenho um compromisso histórico para todos aqueles que foram ou estão presos apenas porque expressam seus pontos de vista, suas opinião pública, suas próprias opiniões.

Então, isso afetará sua política em relação ao Irã, por exemplo? Por que o Brasil apoiar um país que permite que as pessoas sejam apedrejadas, e põe os jornalistas nas cadeias?
Creio que é necessário para que façamos uma diferenciação no [o que queremos dizer quando nos referimos ao Irã]. Eu considero [importante], uma estratégia de construção da paz no Oriente Médio. O que vemos no Oriente Médio é a falência de uma política - de uma política de guerra. Estamos falando do Afeganistão e do desastre que foi a invasão do Iraque. Nós não conseguimos construir a paz, nem conseguimos resolver os problemas do Iraque. Hoje o Iraque está em guerra civil. Todo dia, soldados de ambos os lados morrem. Tentar construir a paz e não para ir para a guerra é o melhor caminho.
[Mas] eu não endosso apedrejamento. Eu não concordo com as práticas que têm características medievais [quando se trata de] para as mulheres. Não há nuances, não vou fazer quaisquer concessões a esse respeito.

Brasil se absteve de votar sobre a recente resolução sobre os direitos humanos da ONU.
Eu não sou o presidente do Brasil [hoje], mas eu me sentiria desconfortável como uma mulher presidente eleita, em não dizer nada contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando eu tomar posse. Eu não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é minha posição.

Muitos norte-americanos tinham simpatia pelo povo iraniano que se protestaram nas ruas. É por isso que eu quis saber se a sua posição sobre o Irã seria diferente da do seu atual presidente, que tem boas relações com o regime iraniano.
O presidente Lula tem a sua própria reputação. Ele é um presidente que defendeu os direitos humanos, um presidente que sempre defendeu a construção da paz.

Como você vê a relação do Brasil com os Estados Unidos? Como você gostaria de vê-la evoluir?
Considero que a relação com os EUA muito importante para o Brasil. Vou tentar estreitar os laços com os EUA, eu tive grande admiração pela eleição do presidente Obama. Eu acredito que os EUA naquele momento mostraram grande capacidade para mostrar que é uma grande nação, e surpreendeu o mundo. Pode ser muito difícil de ser capaz de eleger um presidente negro nos EUA - como era muito difícil eleger uma mulher presidente no Brasil.
Eu acredito que os EUA tem uma grande contribuição a dar ao mundo. E acima de tudo, acredito que o Brasil e os EUA têm de desempenhar um papel em conjunto no mundo. Por exemplo, temos um grande potencial para trabalhar juntos na África, porque na África, podemos construir uma parceria para disponibilizar tecnologias agrícolas, produção de biocombustíveis, [e] ajuda humanitária em todos os campos.
Acredito também, neste momento de grande instabilidade devido à crise global, é fundamental que encontremos maneiras que garantam a recuperação das economias dos países desenvolvidos, pois isso é fundamental para estabilidade do mundo. Nenhum de nós no Brasil se sentirá bem, se os EUA carrega altos índices de desemprego. A recuperação dos EUA é importante para o Brasil, porque os EUA tem um mercado consumidor extraordinário. Hoje, o maior superávit comercial dos EUA estão com o Brasil.

Você culpa que a flexibilização quantitativa?
A flexibilização quantitativa é um fato que nos preocupa muito porque isso significa uma política de desvalorização do dólar, que tem efeitos sobre o nosso comércio exterior e também na desvalorização de nossas reservas de divisas que são em dólares. Para nós, uma política de dólar fraco não é compatível com o papel que os EUA têm devido ao fato de que a moeda dos EUA serve como reserva internacional. E uma política de desvalorização sistemática do dólar pode provocar reações de protecionismo, que nunca é uma boa política a seguir.

Quando você planeja visitar os Estados Unidos? Eu sei que você foi convidado para ir antes de sua posse, em 01 de janeiro, mas você não pode ir.
Eu não estou aceitando todos os convites que recebo. Eu não estou visitando todos os países estrangeiros. Eu tenho que montar o meu próprio governo. Eu tenho 37 ministros a nomear. Estou planejando visitar o presidente Barack Obama no primeiro dia após minha posse, se ele me receber.

E então você vai convidar o presidente Barack Obama para vir ao Brasil?
Já o convidei informalmente, durante a reunião do G-20.

Existem preocupações na comunidade empresarial dos EUA sobre se o Brasil vai continuar no caminho econômico definido pelo presidente Lula.
Não há dúvida sobre isso. Por quê? Porque, para nós esta foi a grande conquista do nosso país. Não é uma conquista de uma administração única - é uma conquista do Estado brasileiro, do povo de nosso país. O fato de que conseguimos controlar a inflação, ter um regime de câmbio flexível e da consolidação orçamental assim que hoje estamos entre os países no mundo que tem a menor relação dívida-PIB. Além disso, temos um déficit que não é muito significativo. Eu não quero me gabar, mas nós temos um déficit de 2,2 por cento. Pretendemos, nos próximos quatro anos reduzir a relação dívida - PIB e garantir essa estabilidade inflacionária.

Você já disse publicamente que gostaria de ver as taxas de juros baixarem. Você vai cortar o orçamento ou reduzir o aumento anual dos gastos do governo?
Não há nenhuma maneira que você possa cortar as taxas de juros, a menos que você reduza seu déficit fiscal. Nós somos muito cautelosos. Nós temos um objetivo em mente: a de que as nossas taxas de juros sejam convergentes com as taxas de juros internacionais. Para conseguir chegar lá, uma das questões mais importantes é a redução da dívida pública. A outra questão importante é melhorar a competitividade da nossa produção e da agricultura. Também é muito importante que o Brasil racionalizar o seu sistema fiscal.
Se você quiser trazer as taxas de juros, você deve cortar gastos ou aumentar a poupança doméstica.
Você não pode esquecer sobre o crescimento econômico. Você tem que combinar muitas coisas.

Qual é seu plano?
Meu plano é continuar a trajetória que temos seguido até hoje. Conseguimos reduzir nossa dívida de 60 por cento para 42 por cento. Nosso objetivo é chegar a 30 por cento do nosso PIB. Eu preciso racionalizar os meus gastos e, ao mesmo tempo ter um aumento do nosso produto interno bruto, que conduzirá o país para frente.

Então o que você quer dizer quando diz "racionalizar gastos"?
Não estamos em uma depressão aqui. Nós não temos que cortar os gastos do governo. Nós vamos cortar despesas, mas continuar crescendo.
Estamos seguindo um caminho muito especial. Este é um momento onde o país está crescendo. Nós temos a estabilidade macroeconômica e, ao mesmo tempo, temos muito orgulho no fato de termos conseguido reduzir a extrema pobreza no Brasil.
Nós trouxemos 36 milhões de pessoas para classe média. Tiramos 28 milhões da pobreza extrema. Como conseguimos isso? Políticas de transferência de renda. O Bolsa Família é um dos seus principais exemplos.

Explique como funciona o Bolsa Família.
Nós pagamos um salário, que é uma bolsa de renda para os pobres. Eles ganham um cartão e retiram os seu rendimentos, mas eles têm duas obrigações que têm de respeitar: Eles têm que colocar seus filhos na escola, e eles têm que provar que comparecem a 80 por cento das aulas. Ao mesmo tempo, as crianças também devem receber todas as vacinas, e eles têm que passar por uma avaliação médica quando recebem suas vacinas. Este foi um fator que foi responsável, mas não foi o único.
Nós criamos 15 milhões de novos empregos durante a administração do Presidente Lula. Este ano, já criamos 2 milhões de novos empregos.

Você é tão próxima do presidente Lula. Você realmente vai ser diferente, ou vai ser apenas uma continuação do seu governo?
Eu acredito que o meu governo será diferente do presidente Lula. O governo do presidente Lula, que eu fazia parte, construiu uma base a partir da qual vou avançar. Não vou repetir a sua administração, porque a situação no país hoje é muito melhor do que era em 2002. Eu tenho os programas governamentais em andamento, que eu ajudei a desenvolver, como o chamado Minha Casa, Minha Vida, que é um programa de habitação.
Meus desafios são outros. Vou ter de resolver questões como a qualidade dos cuidados de saúde pública no Brasil. Vou ter que criar soluções para problemas de segurança pública.
O Brasil passou por mais de 30 anos sem investir em infraestrutura em uma quantidade suficiente. O governo do presidente Lula começou a mudar isso. Eu tenho que resolver as questões rodoviárias no Brasil, as ferrovias, as rodovias, os portos e aeroportos.
Mas há uma boa notícia: Descobrimos petróleo em águas profundas.

Você está sugerindo que esse achado vai financiar a infraestrutura?
Criamos um Fundo Social [em que] alguns dos recursos do governo vindos do óleo serão investidos em educação, saúde, ciência e tecnologia.

Vocês têm que preparar o país para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.
Sim, mas eu também tenho outro compromisso, e que é para acabar com a pobreza absoluta no Brasil. Nós ainda temos 14 milhões na pobreza. Esse é o meu grande desafio.

Todos os empresários que eu encontrei em São Paulo disseram que tinham que estar muito preparados para se encontrarem com você porque você está muito familiarizada com a maioria dos projetos.
Sim, é verdade. Eu acho que é uma característica feminina. Nós apreciamos os detalhes. Eles não.

O que significa para você ser a primeira mulher presidente do Brasil?
Ainda acredito que é surpreendente.

Quando você decidiu que queria ser presidente?
Esse foi um processo. Não há nenhuma data. Comecei a trabalhar com o presidente Lula, e ele começou a dar algumas dicas sobre mim vir para a presidência, mas ele não foi claro sobre isso no começo. Foi uma grande honra para mim, mas eu não estava esperando por isso.
A partir do momento que ficou claro para mim que eu seria indicada há dois anos, eu sabia que tínhamos criado as condições adequadas para tornar possível ganhar as eleições. O presidente Lula teve uma excelente administração, e o povo brasileiro reconheceu isso e agradeceu isso. Somos uma administração diferente - nós ouvimos o povo.

Você recentemente lutou contra um câncer.
Sim, mas eu acredito que eu consegui lidar bem com isso. As pessoas têm que saber que o câncer pode ser curado. Quanto mais cedo você descobrir isso, o melhor são suas possibilidades de cura. É por isso que a prevenção é importante. . . .
Acredito que o Brasil estava preparado para eleger uma mulher. Por quê? Porque as mulheres brasileiras atingiram isso. Eu não vim aqui por mim, pelos meus próprios méritos. Somos a maioria neste país.

Lally Weymouth é um editor associado sênior do The Washington Post.

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