Tenho grande admiração
pelos escritos do Antônio José Lopes Botelho. E desta vez ele inova, lança como e-book, disponível no iTunes para download, a segunda edição, revista e atualizada de seu Pequeno Ensaio em Prol da Construção de um Capitalismo Amazônico a partir de Manaus. (link no final do texto).
Leio tudo que ele escreve; discordo de alguns
posicionamentos – o que é plenamente natural - mas a minha admiração vem de sua
profunda e espontânea necessidade de colaborar com o pensamento caboclo –
talvez ele prefira endógeno - sobre economia política e industrialização da
Amazônia Ocidental.
Colaborador da Suframa há mais três
décadas, onde foi diretor de planejamento e de acompanhamento de projetos
industriais; graduado em engenharia civil e administração de empresas, professor
universitário, especialista em ciências políticas, mestre em engenharia de
produção; não se limita a limpar sua mesa no final do expediente e esvaziar sua
mente com os assuntos pertinentes à instituição que serve; mas vai para casa,
para sala de aula, pensando, estudando como sugerir melhoras ao Modelo (ele prefere
o conceito projeto) Zona Franca de Manaus. E isso faz continuamente. Sonha e
tem pesadelos com este Projeto - do qual possui enorme conhecimento – sofre, discorda e questiona; mas não nega a
existência de méritos. É o mais profícuo autor que conheço sobre o assunto, com
mais de cinco obras publicadas; a maioria em papel, e algumas em mídia digital.
As ideias de Antônio José Botelho estão anos-luz de ser uma unanimidade – tal coisa não
existe em economia normativa - mas se todos nós: professores universitários,
políticos, empresários e autoridades governamentais nos preocupássemos com o Projeto
Zona Franca de Manaus, com o seu Polo Industrial, apresentando críticas e
sugestões como ele o faz, como certeza, após 45 anos de existência, a ZFM
seria bem melhor. Aí reside a minha admiração por seu trabalho; um tanto quanto
ousado na medida em que tem a
consciência de questionar atitudes e ações da instituição poderosa que
trabalha. Isso parece não intimidá-lo, ao contrário, parecer ser um desafio.
Acredito que corre riscos para estar em paz com a sua consciência, e uma vontade
hercúlea de colaborar e de ser útil. E até me atreveria em dizer: ser um
militante ativo na causa que abraçou: a busca de (do seu) um capitalismo
amazônico.
Esse Pequeno Ensaio em prol da Construção de um Capitalismo
Amazônico centrado em Manaus, como
os outros textos que Botelho escreveu, presta um grande serviço a todos interessados
ou preocupados com desenvolvimento com
esta parte do Brasil. Se fossemos obrigados a resumir toda a sua obra em poucas palavras, com certeza seus leitores
escreveriam assim: É um eterno preocupado em arraigar o Projeto ZFM - constituído primordialmente de empresas
multinacionais, o motivo de suas preocupações - em criar condições para o
aparecimento de uma economia endógena sustentável. No que no texto denomina
de desenvolvimento
industrial e tecnológico minimamente autônomo e interdependente: a sua
amazonidade.
O texto presta serviço não somente pela apresentação
de críticas e sugestões ao Projeto ZFM, mas por abordar tópicos ainda pouco
escritos ou traduzidos para a língua portuguesa como: Sistema Nacional de
Inovação (SNI), Hélice Tríplice e Sistema Regional/Local de Inovação (SRI). Os
poucos textos que existem no vernáculo, como são assuntos relativamente novos, mesclam
conceitos não mescláveis, ou tratam desiguais
como se similares fossem: SRI e arranjos produtivos, para citar um exemplo. Creio,
profundamente, que estudiosos e estudantes poderão se beneficiar do mesmo, bem
como os atores envolvidos com a problemática abordada.
Ludvall[1] escreveu em 1994: “No
limiar de um novo século, estamos operando com modelos e políticas que se aplicam ao último.” O texto busca e deseja acabar com esse paradigma. Botelho tenta
introduzir, de forma detalhada o “seu” caminho teórico e empírico para o que
ele chama de ‘hélice
tríplice neosschumpeteriana-manauara’. Para tanto se utiliza das teorias de Joseph Schumpeter e Georg
Friedrich List. O primeiro é muito conhecido dos leitores. Botelho relembra
conceitos e preocupações do famoso economista austríaco. Entre eles, com certeza, ele espera que eu mencione a inovação. Todavia, chamo a atenção - para a
consecução dos objetivos tencionados pelo autor - sobre o crédito, como umas das
pedras angulares do “seu”capitalismo ou de qualquer capitalismo. Possivelmente,
a falta deste seja o grande gargalho. Posto que não temos uma cultura
de joint venture, nem o adequado suporte financeiro para startups, e nem incubadoras experientes, para a grandeza que o
modelo exige.
A
teoria de Schumpeter sobre o desenvolvimento econômico é muito bem explorada
por Botelho. Somando-se a este, a apresentação
de List pode ser realmente o backbone das
ideias defendidas. Botelho apresenta,como mesmo menciona, um economista pouco
“festejado” ou aprendido. Cuja teoria, aparentemente, se enquadra dentro de
seus interesses.
O texto tem o seu viés dentro do que se
denomina de economia
evolucionária. Esta estuda o desenvolvimento econômico a partir da perspectiva
de mudanças permanentes na intensidade, estrutura e qualidade do processo
econômico.Essa perspectiva é também típica da abordagem de sistemas de
inovação. As mudanças tecnológicas em ambas abordagens são tratadas como um processo endógeno,
significando que inovações são consideradas como vindo de dentro do sistema, ao
invés de serem introduzidas exogeneamente.
Ludvall acrescenta (o sublinhado e itálico é nosso): Não
há dúvida de que, no século seguinte, a capacidade de produzir e
usar o conhecimento será a chave
para o sucesso dos países, bem como
para empresas e indivíduos. A boa alocação de recursos tangíveis será apenas de
importância secundária; o que importará é o quanto se terá sucesso em desenvolver organizações
que promovam a aprendizagem e o uso inteligente do conhecimento. Países que são bem
sucedidos em melhorar as qualificações e na criação de empregos intensivos em
conhecimento - ou seja, os países
com fortes sistemas de inovação - serão mais bem sucedido em evitar o desemprego e o desenvolvimento de
trabalhos inúteis.
Ludvall tem
em mente os países centrais, mas se aplica a nós também. Botelho afirma que nós “precisamos de um novo paradigma que supere a
lógica simples da prorrogação do Projeto ZFM, ou até mesmo sua perenização, por
uma lógica complexa que sinalize para a formulação de políticas públicas
que não só consolidem o processo de industrialização em curso, mas, sobretudo,
crie uma trajetória tecnológica alternativa forjadora de um novo marco
civilizatório sob a égide da sustentabilidade, o que significa dizer,
investimentos conscientes, consumo inteligente e tecnologia limpa.
Com raríssimas exceções, o aparecimento dessas instituições/organizações
ocorrem de forma espontânea- bottom up.
Portanto, cabe, principalmente nos países em desenvolvimento, ao Estado propiciar as condições necessárias para o
aparecimento ou até mesmo a criação dessas instituições; é o chamado top down. E isso ocorre por
meio de formulação de políticas públicas direcionadas. A Zona Franca de
Manaus nasceu da necessidade da ocupação da Amazônia. Essa fase já está
superada, agora é hora de uma política industrial
de Estado direcionada a perenização do Polo Industrial de Manaus (PIM). Para
que no futuro possa existir mesmo sem os incentivos fiscais. A Zona Franca de Manaus pode acabar, o PIM não.
No terceiro milênio, na Era do Conhecimento, vantagens
comparativas, isenções fiscais entre elas, cederam lugar a vantagens
competitivas: concentrações industriais baseadas na tecnologia e no conhecimento,
alta produtividade, produzindo bens de maior valor agregado = inovação.
Constituído da interação de três principais atores: governo (instituições
governamentais nos três níveis), academia (universidade, institutos de
pesquisa) e indústrias. E a materialização/comercialização do conhecimento.
Dependendo de como essa
interação ocorre e os objetivos que se deseja alcançar, temos os chamados
Sistemas Nacionais ou Regionais ou Locais de Inovação, ou a Hélice Tríplice,
para mencionarmos apenas três conceitos. Conceitos abordados por Botelho. Desta forma
sugiro ao leitor não afeito a tais conceitos e outros mencionados, que leia o
glossário antes de começar a leitura do texto principal.
Botelho é um visionário.
Há algum tempo vem escrevendo ou palestrando sobre a Hélice Tríplice. Embora,
particularmente, acredite que este seja um longo caminho a ser percorrido. Contudo,
vislumbro um futuro promissor com a construção do novo campus da Universidade
do Estado do Amazonas, onde governador e reitor dizem que está se tornará uma
importante instituição. Não existe hélice sem uma academia produzindo
conhecimento e transferindo-o para indústria.
Em 26 de fevereiro de
2013, a Suframa lançou o “Pacto pela Educação e pelo Desenvolvimento da
Liderança Sustentável no Amazonas.” E a instituição publicou: “O modelo de
governança do pacto está estruturado no formato ‘hélice tríplice’, em que há
parceria indissociável entre governo, academia e indústria."
Botelho afirma que modelo catching
up gera uma capacitação tecnológica
tardia fruto de uma concentração industrial baseada em multinationais corporations
(MNC). O modelo ou projeto adotado, ou a politica industrial adotada, não gerou
avanços tecnológicos, dai a sua preocupação da criação de Capitalismo Amazônico
e de um Sistema Manaura de Inovação. Eu acrescentaria : nem o aparecimento de
laboratorios de P&D. Contudo, afirmo que essa foi mais uma falha no modelo (substituição
de importações- ocupação da Amazônia) ou mesmo a falta de um modelo. O não enraigamento
de firmas estrangeira na economia local é praxis corrente aqui e alhures.
É vero. Contudo, não é uma caracteristica incorrigível dos cluster ou aglomerados MNC. Há
existências de casos que as MNC trouxeram todo o seu conhecimento – porque o modelo as levou a isso - e ocorreu
transferência de tecnologia; como em Cingapura e Bangladesh, na Índia, para
mencionar apenas dois exemplos, provocando o aparecimento de firmas locais
competitivas, em um momento posterior.
As perguntas mais importantes
aqui são: O texto traz alguma contribuição a nossa sociedade? O leitor tirará
algum proveito do seu conteúdo? Acredito profundamente que a resposta seja sim. Por vários motivos. Da
necessidade urgente de reavaliarmos o Projeto Zona Franca de Manaus, frente a
uma necessidade de ser competitivo e os desafios que se apresenta. Quando foi
criado em 1967, a realidade do Brasil era completamente diferente. Os obstáculos sofridos pela ZFM começam dentro de seu próprio território: uma
infraestrutura comprometida em vários aspectos. Ameaça interna: com as
constantes guerras fiscais entre os estados, inexistência de tecnologia de
ponta em algumas áreas; ameaças externas: hoje existe uma nova China, que se parece com a antiga tão somente na supressão
dos direitos humanos, para ficar em apenas um exemplo.
Todo texto sério sobre a ZFM que possa trazer luzes, soluções ou simplesmente
provocar o debate deve ser bem vindo. E o livro do Botelho tem essa
característica.
Tenham todos uma abençoada Semana Santa e uma Feliz Páscoa.
Cláudio Nogueira
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