Que pai ou mãe não conta orgulhoso alguma pergunta “esperta” feita por seu filho pequeno? Ou conta alguma estória engraçada em que a criança entendeu certas palavras ao pé da letra ?
Eu me lembro quando criança, uma senhora dizendo a minha mãe, que havia perdido um filho. Eu ouvia indignado a mamãe falando palavras de consolo para ela. Quando a senhora saiu, eu perguntei: Como é que alguém perde um filho assim e não vai atrás.
Estórias de certas perguntas ou comentários feitos por crianças são muitas vezes hilariantes. Justamente pela ingenuidade contida nelas. Não é à toa que na revista Pais & Filhos tinha uma seção ou coluna, do médico e dramaturgo Pedro Bloch, autor de várias peças teatrais de sucesso como "Dona Xepa" e "Mãos de Eurídice", contando estórias engraçadas de pequinininhos.
Recentemente, li na Internet uma, bem interessante, contada por Mário Prata no Estado de São Paulo, em 1997, e que aqui transcrevo:
"Aninha já estava com dois anos. Loira, linda. Nunca tinha cortado o cabelo. Eram amarelo-ouro e cacheados. "Parecia um anjinho barroco", diz a mãe coruja. Lá um dia, a mãe pega uma enorme tesoura e resolve dar um trato na cabeça da criança, pois as melenas já estavam nos ombros. Chama a menina, que chega ressabiada, olhando a cintilante tesoura. - Mamãe vai cortar a cabelinho da Aninha. Aninha olha para a tesoura, se apavora. - Não quero, não quero, não quero!!! - Não dói nada... - Não quero!, já disse. E sai correndo. A mãe sai correndo atrás. Com a tesoura na mão. A muito custo, consegue tirar a filha que estava debaixo da cama, chorando, temendo o pior. Consola a filha. Sentam-se na cama. Dá um tempo. A menina pára de chorar. Mas não tira o olho da tesoura. - Olha, meu amor, a mamãe promete cortar só dois dedinhos. Aninha abre as duas mãos, já submissa, desata o choro, perguntando, olhando para a enorme tesoura e para a própria mãozinha: - Quais deles, mãe?"
Os meus filhos também fazer comentários como esse acima e também fazem perguntas que nem sempre eu tenho as respostas. O que eu gosto mesmo é quando perguntam alguma coisa que resultou em uma conclusão ou dedução. A mais velha fez seis anos em setembro, e coincidentemente, fará sete anos no próximo setembro. Engraçado, né ? Pois é. Ela, e os outros dois mais novos, todos os dias a caminho da escola, observando o mundo pelas janelas do carro, fazem perguntas que eu não sei como responder.
Primeiro, eles queriam saber por que tem gente andando a pé nas calçadas. Aí, eles mesmos dão as respostas. Talvez tivessem pensado que, se dá para ir de carro, por que andar a pé?
Depois, me perguntaram por que tem gente na parada de ônibus? Porque eles não têm carro, respondi. “E por que eles não têm carro?”, perguntou o João, quando tinha 3 anos. E completou: “ É só ir na loja e comprar um, né pai ?"
Bom! Aí começou um novo processo de aprendizado. Como explicar pra eles que existem pobres. E existem, também, os não ricos, como nós. Não que, necessariamente, todas as pessoas que andam de ônibus sejam pobres. Não. Ou dito de outra forma: tem muita gente que anda de ônibus, mas não é pobre. Mas eu queria introduzir na cabeça deles esse conceito. Eles já haviam percebidos certas coisas. Como, pessoas de idade e crianças, batendo na nossa porta pedido “uma ajuda ou um quilo de qualquer coisa”. Eles já estavam intrigados. Eles também não entendiam porque haviam pessoas pedindo esmolas nos semáforos.
“O que foi que ele disse, papai ? Ele pediu dinheiro? Por que?” Ele me perguntam sempre que um pedinte se aproxima.
Maria Fernanda tem seis anos. Já disse isso. João Paulo fez cinco esse mês. Pedro Henrique fez três em agosto, e em outubro, Maria Rafaela fez um aninho. É, eu sou um cara produtivo. Ou melhor, reprodutivo. Há muito no caminho da escola eles andam percebendo as diferenças em nossa sociedade. “ Por que esse menino está vendendo bombons, pai ?” Algum deles sempre me perguntava. Porque ele é pobre e precisa ajudar a família dele, respondi. “ Mas por que ele é pobre ? Por que a família dele não tem dinheiro ?” Eu não sei exatamente em que dia eles entenderam o que é ser pobre ou quem é pobre, mas entenderam. Entenderam, também, porque nem todo mundo tem carro – embora existam pessoas que não tenham carro porque não querem dirigir, por exemplo. O certo é que quando alguma pessoa se aproxima do carro para pedir esmola, eles dizem: “Ele é pobre né, papai? Eu sinto entendimento e respeito. Mas seria muito bom se eles não exigissem respostas difíceis e ininteligíveis para as idades deles. Essa semana a Maria Fernanda fez uma pergunta que ficou um pouco complicado de explicar. Mas, no mês de novembro, ela havia feito uma mais difícil ainda. Por isso escrevo este texto, para fazer o registro. Há exato dois anos, Miguel Ângelo, de quase quatro anos, primo deles, nos deixou. E eles aprenderam que ele foi pro Céu. É agora um anjo, como o seu homônimo. Até esse tipo de explicação tem algumas implicações. O Pedro, outro dia, ao ser advertido que poderia morrer com as piruetas que estava fazendo, ele replicou: "Se eu morrer, eu vou ser anjo como o Miguel."
Outra pergunta veio ao passarmos, ao lado do cemitério São João Batista, e ver pelas grades sobre o muro, os mausoléus de algumas famílias, a Maria perguntou: o que são essas casinhas? Um cemitério, respondeu a Fabiana. E após ouvir as devidas explicações sobre o local, ela perguntou:"Mãe, mas as pessoas quando morrem, num vão pro Céu?" E agora José? Mas essa não é tão difícil de responder como essa outra aqui. No final do ano escolar, no caminho para escola, na saída de São Jorge, no cruzamento com av. Constantino Nery, sempre há muitos carros para cruzar a avenida. E nessa parada obrigatória, sempre tem adultos e crianças vendendo, crianças pedindo, franelinhas, etc. Nesse dia se aproximaram, da janela do carro, umas três crianças. Foi quando a Maria sentenciou: "Mãe, por que os pobres são pretos!?" Aí tá complicado. O que pôde ser dito de imediato é que também tem pobre que não é preto. Quando ela entender que ninguém nasceu para ser pobre, e se ela entender que a pobreza não é coisa do destino de ninguém, nas condição imposta por uma série de fatores e atores, ela vai encontrar a resposta.
Cláudio Nogueira
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