Para Maria Fernanda, João Paulo, Pedro Henrique
e Maria Rafaela.
Num post anterior
entitulado “Georgia Institute of Technology: 23 de junho de 1986” (click nele que ele abre), narrei como
foi a minha aventura de ir para os Estados Unidos, pela primeira vez, para
aprender inglês.
Deixei o emprego na
Gradiente (fui obrigado, quem leu o texto sabe porque) e fui embora. Quando
voltei, fui trabalhar na VTA, uma pequena empresa que fazia os cabos elétricos
para os aparelhos da Gradiente e as fitas de VHS como a marca Gradiente.
Foi
admitido como chefe de controle de qualidade e engenharia industrial, por
indicação, do meu saudoso amigo e ex-chefe na Gradiente, Aldenir Alencar.
Agora aqui descrevo
como foi essa segunda experiência, nove meses depois de voltar da primeira. Na
realidade, só voltei porque o meu pai estava morrendo, e para juntar mais
dinheiro.
Desta vez não fui
mais para Georgia Institute of Technology, ou Georgia Tech, pois encontrei
uma escola com o mesmo preço, mas com sete horas de aulas de inglês por dia.
Isso significava que até um cara como eu teria condições de aprender inglês.
Fui para Baton
Rouge. Fui para Louisiana State University (LSU), lar dos Tigers.
ELOP
Diretor, Ricardo, Cláudios, Mila e Cristina |
Há trinta anos, em 5 de
setembro de 1987, após participar da festa de casamento de um irmão, embarquei
num voo do Lloyd Aero Boliviano (LAB) com destino a Miami. Lá chegando, repeti
o que tinha feito no ano anterior: me dirigi a estação da Greyhound para pegar
um ônibus para Baton Rouge; viagem que durou um dia.
O ônibus parava
mais do que jegue de verdureiro no interior do nordeste. O
bilhete de passagem não era uma única folha, mais várias. Em Tallahassee,
ainda na Flórida, tive de descer do ônibus. Ele seguiria viagem para o norte, e
o meu destino era na direção oeste. Isso aconteceu mais duas vezes.
Eu, Érica, Mila e Cláudio |
Aqui a história do
ano anterior se repete, mas com uma agradável diferença. Se em 1986 eu não
tinha reserva de hotel, e fui atrás de um para ficar, e somente depois fui à
administração do curso de inglês. Em Baton Rouge, do terminal da Greyhound, fui
direto para o prédio do ELOP, English Language and Orientation Program, o departamento da LSU
que administra o Intensive English Program.
Tem um pequeno
detalhe nessa minha chegada. Toda primeira segunda-feira do mês de setembro é o
Dia do Trabalho nos Estados Unidos. É o primeiro de maio deles. A universidade
estava fechada. Mas por muita sorte tinha uma alma viva, creio que de plantão.
Identifiquei-me como aluno do curso; descobri que era feriado. Disse que não
tinha para onde ir. A moça fez uma ligação, falou com o diretor, e me alojou
num apartamento da universidade. E poderia ficar lá por três dias free
of charge até me mudar para um
dormitório dentro do campus – para o
qual eu já tinha reserva - na quinta-feira dia 10. Essa hospedagem, de certa
forma, foi paga um mês depois. Estudavam no curso uns dez brasileiros (e uns
trezentos salvadorenhos - depois explico isso melhor). E houve no Rio de
Janeiro uma exposição de cursos de inglês nos Estados Unidos. O diretor (que
estou fazendo de tudo para me lembrar do nome dele) foi para essa
exposição, e nos pediu para gravarmos, cada um, uma mensagem sobre o curso. Ele
era uma pessoa muito simpática e, talvez porque sua secretária era brasileira,
tinha certa ligação conosco. Nos convidou para almoçamos juntos uma vez.
Brasileiros no ELOP - material publictário |
Ele foi ao Rio de
Janeiro divulgar o Intensive English Program da LSU. Quando voltou me disse que
foi ao Maracanã e sentiu medo quando
ouviu as torcidas gritando.
Amigos de El Salvador e Japão |
E sobre os salvadorenhos
que entraram nesse texto como Pilatos no credo?
Tinha um quantidade enorme de
estudantes de El Salvador. Marta uma classmate me disse que havia um acordo do
governo deles com a universidade. O fato de se ouvir muita gente falando
espanhol pelos corredores deixava o diretor muito preocupado. Eu aproveitei
para melhorar o meu. Como na Georgia Tech, ali também, pagava-se um idioma e se
aprendia dois.
LSU
Embora em grande parte
dos Estados Unidos LSU seja pronunciado “é lé si u”, na Louisiana eles dizem: “é lé
xi u”. Foi a primeira coisa que me chamou atenção.
LSU, com a sua famosa torre e um gramado espetacular na frente dela, está localizada
na cidade de Baton Rouge, nas margens do rio Mississipi, uma pequena cidade
universitária, capital do Estado da Louisiana. Um local muito tranquilo para se
viver, uma universidade muito bonita para se estudar. Com um adicional muito
importante: fica perto de Nova Orleans, que na época era uma das cidades mais
animadas/visitadas dos Estados Unidos. Famosa pelo ser o berço do jazz, das
suas ruas alegres, cheias de turistas, como a Boubon Street, no famoso French Quarter, com sua arquitetura francesa, e pelo seu
carnaval chamado de Mardi Gras. Que nada mais é de que “terça-feira gorda” em
francês.
Nova Orleans |
New Orleans com os seus bondes, que inspiraram Tennessee Williams a escrever "Um Bonde Chamado Desejo".
Então o local era
perfeito. Os dias de semanas em Baton Rouge para estudar, e New Orleans no fim
de semana para se divertir.
Em 1989, estive lá
com a Piedade, Thomaz e família; e anos depois com ele novamente e outros parentes. Nova
Orleans era uma festa a céu aberto. Infelizmente, quando estivemos lá, em 2014,
já não era mais assim. A cidade parece ter sofrido muito com o furacão Katrina,
que lhe inundou parte em 2005. Aquele glamour e magia nas ruas já não existiam
mais.
A vida em Baton
Rouge se resumia ao campus universitário. Para mim era mais do que suficiente.
Tinha tudo: lojas, igrejas de todas as denominações, ampla estrutura para se
praticar esportes, o estádio para o campeonato de futebol americano, com capacidade para 102.321 pessoas e o
ginásio para as partidas de basquete. O soccer, no final da tarde, com sol até
às 20 horas, era perfeito.
O campus tinha mais
de cinco mil alunos que moravam nele. Tinha vida própria. Havia os ônibus
circulando somente dentro do campus. O interessante mesmo era algumas paradas.
Havia aquelas que tinham a maior quantidade de loiras por metro quadrados do
mundo. Eu não tinha nenhuma pressa para pegar o ônibus. Um brasileiro uma vez me
disse: “Nunca vi tanta Xuxas juntas.”
Tigers cheerleaders |
A vida ano campus
era uma festa. Como a maioria das universidades americanas, LSU tinha o seu
time de futebol e de basquete. Ambos chamam-se Tigers. Tinha até um tigre de
verdade como mascote. Eu adorava
assistir os jogos de basquete. Eu sentia como se tivesse entrado em um filme.
Começar de Novo
Eis que chegou o
dia de se registrar no programa e entrar no dormitório. Mas na hora da matrícula
encontro uns cinco ou seis jovens do Ceará; uns dez anos mais jovens que eu;
mais uma senhora, Ana Teófilo, que era mãe de um deles, Cláudio Teófilo, e que
também seria aluna do programa. Todos estariam acomodados em um complexo de
apartamentos, administrado por uma cearense casada com um americano de
ascendência chinesa.
Nem fui me registrar no dormitório, fui morar onde eles
moravam; dividindo um apartamento com um dos jovens; o que tornava o aluguel
ainda mais barato. Mas nosso convívio durou pouco mais de um mês. A diferença
de idade e ideias pesaram, e um dia, por pura falta de comunicação - "quem
fechou a porta e deixou o outro de fora ?" - nos desentendemos, e ele foi morar
em outro apartamento. Mas isso não nos impediu de temos uma convivência saudável.
Ana, creio que era o nome da landlord, se esforçava para agradar. Se
satisfeitos, os cearenses ajudariam a trazer futuros hospedes. Lembro-me
dela e o marido fazendo um barbecue de frango na beira da piscina, que ficava no centro do
complexo de apartamentos; e de nos levar para um festival em Lafayette, cidade
distante pouco mais de uma hora de Baton Rouge.
Cajun
O Festival
Internacional da Louisane de Lafayette
é hoje o maior festival internacional de música dos Estados Unidos. Em 1987 era
a sua segunda edição. São cinco dias de festa no centro de Lafayette, no mês de
abril.
José Rubens e Ana Cristina a esquerda |
Esse festival é uma
conexão entre a Acadia ou Cajun e o mundo francofone nos Estados Unidos. Cajun é pronuncia americanizada para
(les) Cadiens ou (les) Acadiens, grupo étnico que vive principalmente no estado
da Louisiana, composto pelos descendentes de exilados acadiano, francofones que
vieram da L'Acadie, províncias da costa leste do Canadá. Hoje, os Cajuns
constituem uma parcela significativa da população do sul da Louisiana e exercem
um enorme impacto na cultura do estado. Nos estados da Louisiana e Texas vivem
mais de um milhão e meio dos descendentes acadianos ou cajuns. A comida cajun servida no Festival é muito boa.
Para Lafayette
fomos em dois carros. E devido a minha idade, coube-me a responsabilidade
de ir dirigindo um deles.
Em tempo: Louisiana
é uma homenagem a Louis XIV, rei da França. A região central dos Estados
Unidos, desde o Canadá até a Louisiana foi comprada da França.
Moving out
Com Mike e amigos. |
Fiquei cerca de um
mês juntos com os brasileiros, mas
querendo praticar mais o inglês, fui em busca de um roommate nativo da língua. Achei um que não era americano, mas sua língua mãe era o
inglês. Era de Gana, mas já morava há muito tempo nos Estados Unidos. Era
estudante de doutorado em fisioterapia. Morava numa casa muito interessante. A
fachada era uma casa normal, com uma porta larga ao centro, uma janela de cada
lado da porta; e acima das portas, no segundo andar, duas janelas. Mas quando
você passava pela porta, descobria que se tratava de quatro casas. Ao passar
ela porta, já dentro do imóvel, tinha uma porta a direita e outra a esquerda
dando acessos às duas casas. E a sua frente tinha uma escada, dando acesso a
mais duas casas. Mike morava sozinho. A casa era bem ampla, com sala, cozinha e
três quartos. Estava muito bem localizada. Bem perto tinha uma plaza, com lojas
e um supermercado.
Mike e uma amiga |
Ficamos muitos
amigos. Era muito religioso. Foi a primeira pessoa a me falar das aparições de
Nossa Senhora em Medjugorje. Jogamos futebol muitas vezes depois das aulas.
Jogava muito bem. Tinha bons amigos e amigas que frequentavam a casa. Fazia bico de garçom num dos restaurantes da universidade; e sempre
trazia uma torta doce de alguma coisa pra casa.
Havia uma coisa que me chamava
atenção nele, e me deixava preocupado. Toda segunda-feira a noite era dia de
futebol americano. Ele não pedia um jogo. Sentava-se na frente da TV com um
vidro grande de manteiga de amendoim (yummy !!!) e um pacote inteiro de pão de
forma, durante a partida devorava tudo; às vezes até um pouco mais. Fico
pensando como anda o fígado dele hoje.
Na sala de aula
Barbara, a monitora do lab. |
Para mim as aulas
eram o maior barato. Fui para o nível cinco no total de seis. Mrs.Cordes, uma
idosa senhora muito séria, era a professora de gramática, e autora do livro
adotado; Mr. Soucier era o professor de pronuncia ou inglês falado. Havia
também a professora de leitura e interpretação de texto, magérrima, cujo nome
não recordo mais. Havia também aulas de conversação com jovens universitários e
as aulas de laboratório com a Barbara, que deveria ter uns 20 anos no máximo.
Os homens barbaravam por ela. Mas foi com Khaled - um arábe, mais feio que
bater em mãe, cheio da grana – com quem ela ficou. Gosto é que nem umbigo; cada um tem o seu.
Também estudavam inglês intensivo
um casal de médicos brasileiros. Dois oftalmologistas, que nos tornamos
amigos; cuja a casa eu frequentava.
Barbara e eu |
Recordo-me
com saudades deles. Estavam melhorando o inglês para passar uma temporada no
Boston Children Hospital. Ana Cristina e José Rubens, que eu chamava de Zé das Medalhas, em referência a um personagem de Armando Bógus, na novela Roque
Santeiro da Globo. Lembro-me ela dizendo que de olho ela sabia tudo, e fazia
qualquer tipo de operação. Quando estavam em Boston recebi uma carta dela muito
irritada porque a colocaram para operar coelhos. Por meio deles conheci Amanda,
uma paraense casada com um americano e que já morava há muitos anos em Batom
Rouge. Tivemos vários encontros na casa dela; inclusive a festa de Halloween,
onde conheci outros brasileiros.
No jogo de basquete com José Rubens e Ana Cristina. |
Halloween na casa da Amanda |
Amanda, de vermelho. |
Voltando pra casa
Acabou o
curso. E o dinheiro também. Pedi da minha mãe que transformasse em dólares um
resto de poupança. O curso acabaria em 5 de dezembro e o dinheiro não chegava.
A remessa não era tão fácil como é hoje. Os tempos eram outros. A comunicação
mais cara. Finalmente, dia 3 de dezembro recebi uma carta postada nos Estados
Unidos, vindo de uma congregação de padres. Fiquei surpreso: o que eles querem
comigo? Como me acharam aqui? Ao abri-la, a surpresa e a alegria. Tinha um
cheque de 600 dólares e um bilhete: "Sua mãe mandou pra você."
Ainda sim, como diria meu cunhado Cristiano Soares: a
situação era tensa. Põe tensa nisso.
Os gastos seriam com
aluguel, comida, passagem de ônibus até Miami - mais um dia de viagem - e
bilhete de Miami para Manaus. Resumindo: quando embarquei no avião de volta pra
casa, eu tinha 12 dólares no bolso.
De Baton
Rouge eu liguei para o Lloyd Aero Boliviano para fazer a reserva. Não tinha
internet. Eu disse que iria comprar a passagem na hora do check in. O sujeito
me disse que a reserva poderia cair se comprasse depois do check in aberto.
Expliquei a minha situação e pedir ao gerente que pelo amor de Deus segurasse a
reserva. O dinheiro ficou tão curto que até para pegar um táxi do terminal de
ônibus para o aeroporto de Miami, estive de pensar duas vezes.
Mas Deus é
bom sempre. Deu(s) tudo certo. Voltei em paz.
Isso era dezembro de 1987. Em 5
de abril de 1988, eu embarcava para mais uma aventura, dessa vez por dois anos,
no Japão.
Tenham todos
um bom feriado !
Cláudio Nogueira
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