O Holodomor, assim como o holocausto nazista contra os judeus, consistiu em um genocídio contra a população da Ucrânia, quando morreram de fome mais de 7 milhões de ucranianos por terem seus alimentos confiscados até morrerem por ordem de Stalin.
Introdução
O principal argumento de Putin para invadir um país soberano, livre, vizinho, e causar a carnificina que está causando, é que se a Ucrânia entrasse na OTAN a segurança da Rússia estaria ameaçada. Uma hipótese, uma suposição, uma probabilidade, mas nada realmente concreto. A desgraça que ele está causando e as atrocidades que está cometendo, não são suposições; é uma tragédia real. É a destruição de uma nação inteira.
Ele não está só. Tem muita gente boa, entre eles vários amigos, dizendo que foi um erro dos Estados Unidos expandir a OTAN depois do fim da URSS. Por isso apoiam as ações de Putin. Por esse motivo escrevi esse texto. Para deixar para os meus netos o que penso de tudo isso. E responder os questionamentos dos meus filhos.
Quando Joe Biden (“velho gagá”, segundo alguns) disse várias vezes que Putin iria invadir a Ucrânia, ele e seu chanceler repetiam o mantra de que o Biden estava criando pânico. Biden estava certo. Muito provavelmente ele recebeu informações dos serviços de inteligência americano e europeu.
Eu escrevo baseado em vídeos que vi, no que li em várias fontes, em diversas línguas, até em russo. Hoje isso é muito fácil. Sou googleglota. Essas são as minhas fontes. E acredito que os meus amigos que apoiam o Putin também tenham essas fontes disponíveis. E, também, não disponham de informações privilegiadas de serviços de inteligência. Então estamos iguais.
Os onze ministros do STF leem a mesma Constituição brasileira, mas, muitas vezes, tem interpretações diferentes. Assim somos nós.
Há quem defenda os atos de Putin e use argumentos opostos aos meus, após ter lido e visto as mesmas coisas que li e vi. É similar a situação do copo com água pela metade. Duas pessoas olhando, uma diz que ele está quase cheio, outra que está quase vazio.
David Magalhães escreveu na Folha de São Paulo, “Invasão da Ucrânia Racha Grupos Bolsonaristas”.[1] Faltou acrescentar ao título: e a esquerda também; mas acrescentou: “Tem uma esquerda que entende que, independentemente da natureza do regime, qualquer tipo de resistência ao imperialismo e aos EUA é válida.”
Há pessoas que pensam assim há muito tempo: “Se o governo americano está envolvido, apoio a outra parte.” Outros são a favor do Putin “Porque os Estados Unidos boicotam Cuba; bateu de frente com Hugo Chaves e Putin está dando apoio ao Maduro”; e armas também. A afirmação de David Magalhães está difícil de ser contestada.
Poderia começar listando um monte de coisas erradas feitas pelos americanos. Vou lembrar só uma que ouvi: “George Bush Jr. invadiu o Iraque baseado na mentira espalhada por ele: que os iraquianos tinham armas químicas”. Mentira comprovada. Mas uma canalhice não justifica outra. Além do que Saddam Hussein era ditador que já havia matado muita gente; inclusive um genro. Ainda que o pretexto fosse falso, os americanos não bombardearam o povo do Iraque, mas deram fim a uma ditadura.
Para dar uma equilibrada na geopolítica, na parte que nos cabe nesse latifúndio, eu gosto bastante da união e participação do Brasil no BRICS (união econômica informal movida por interesses comuns composta pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). E dizia (pretérito): por que não “alugar”, com transferência de tecnologia, a Base de Alcântara[2] ou a Barreira do Inferno[3] para a China e não para os Estados Unidos? Por que temos de nos alinharmos sempre com os americanos? Assim teríamos como barganhar com eles. Devemos aprender com o presidente turco.
Os americanos não são santos. Eles têm culpas no cartório. Mas cada caso será julgado separadamente. No momento que escrevo isto, os russos atacam hospitais, maternidades, famílias, escolas, prédios residenciais, civis e uma usina nuclear na Ucrânia; correndo-se o risco de se ter uma tragédia muito maior que Chenobyl. Toda essa agressão a uma nação soberana. Quase dois milhões de pessoas desabrigadas. Milhares de famílias desfeitas, crianças foram para a Polônia sem os pais; homens de 18 a 60 anos não podem deixar o país. Milhares de mortos dos dois lados. Toda essa guerra baseada em suposições (ou desculpas esfarrapadas) de Putin; não dá para concordar. Antes da minha preferência política, vem minha opção cristã.
A culpada é a OTAN que está se espalhando na Europa para invadir a Rússia? Vamos ver que se quisesse fazer isso já teria feito há muito tempo.
Por que depois de trinta anos do fim da Guerra Fria a OTAN continuou a se expandir? Abordaremos isso também.
Motivos Putinianos para a Guerra.
O argumento principal de Vladimir Putin era de que a entrada da Ucrânia na OTAN ameaçava a segurança da Rússia. Isso precisa ser comprovado. Essa afirmação é apenas para camuflar o real motivo? Algum outro motivo?
O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, na quarta-feira, 3 de março, acusou o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, um judeu, de presidir “uma sociedade onde o nazismo está florescendo”. Nazismo praticado por um judeu? Ele apenas repetia o que o seu chefe disse na TV para justificar a guerra contra Ucrânia:
"Tomei a decisão de realizar uma operação militar especial. Seu objetivo será defender as pessoas que há oito anos sofrem perseguição e genocídio [???] pelo regime de Kiev. Para isso, visaremos a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia."[4]
“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Sem moral. Dê uma olhada no Google sobre a posição de Putin quando Kosovo queria se separar da Sérvia em 2008. Ele disse que “somente deveriam meter-se nesse assunto as duas partes envolvidas: Belgrado e Pristina”. Anotaram isso? Anotem isso aqui também [5]:
"O reconhecimento da independência do Kosovo seria ilegal e imoral", disse Putin, que advertiu que o reconhecimento do novo Estado trará o retorno da instabilidade aos Balcãs. [Ops! Putin falou em “reconhecimento” e “instabilidade.”?]
Após recuperada a autoestima pelo renascimento econômico, Moscou aparece agora como o porta-bandeira do direito internacional, da inviolabilidade das fronteiras dos Estados e da luta contra os separatismos.
“É a primeira vez que se aborda a saída de uma região de dentro de um Estado soberano. O Kosovo será um precedente para quase 200 regiões e Estados do mundo", advertiu o ministro de Exteriores russo, Serguei Lavrov.
Agora junte tudo o que foi dito acima com que o Putin falou no dia 21 de fevereiro. É igual juntar água e óleo; não combinam. Putin anunciou o reconhecimento das autoproclamadas “repúblicas populares" de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia. E não esqueça que ele também apoiou a regiões separatistas Abecásia e Ossétia do Sul na Geórgia, contra quem esteve em guerra em 2008.
Interessante é que de 1994 a 1996 a Rússia lutou para evitar a independência da Chechênia. Nenhuma nação decente ou indecente reconhece uma região que deseja se desmembrar sem que o governo separatista tenha assumido total controle sobre o novo país. Até hoje nenhum governo reconheceu a República da Chechênia que se separou da Rússia.
Vou abrir um parêntese aqui. A pergunta que não quer calar é a seguinte: a China vai reconhecer as “repúblicas” do Donbass? E se a Europa e os Estados Unidos reconhecerem a independência de Taiwan, que é um país de fato e de direito há mais de 70 anos? Fecha parêntese.
Putin, que segundo assessores, não usa creme de barbear, mas óleo de peroba, disse que estava entrando nessas “repúblicas” como “força de paz”. Por que estou admirado? Falar a verdade não é seu forte. Ele trouxe 150 mil soldados para a fronteira com a Ucrânia para darem um passeio? Pegar um ar fresco em outro lugar? Joe Biden dizia: “Ele vai invadir.” Putin contestava: “Os americanos estão causando pânico.” Joe Biden dizia. “Depois da Olimpíadas [de inverno em Pequim] ele vai invadir.” Putin dizia: “Os americanos estão espalhando pânico.”
Os russos para mostrarem que não iriam invadir, divulgaram um vídeo onde vários tanques eram postos em um trem e indo, supostamente, embora. Na realidade, hoje se sabe que aqueles tanques estavam com problemas.
Desde a invasão da Ucrânia Putin vem prendendo manifestantes russos que se opõem a guerra. Mandou fechar jornais e canais de TV. E determinou que as notícias fossem retiradas apenas das informações oficiais fornecidas. Proibiu o uso da palavra “guerra”. Tem de ser chamada de “operação especial.” Um dos últimos jornais independente, Novaya Gazeta (novayagazeta.ru), não foi fechado ainda, talvez, porque o seu editor chefe, Dmitry Muratov, é um dos ganhadores do Prêmio Nobel da Paz de 2021.
O Verdadeiro Motivo
Mas voltemos ao discurso do Putin em 21 de fevereiro, três dias antes da invasão, onde sem meias palavras - não foi ato falho - ele foi direto ao assunto. Segundo Putin a Ucrânia não tem direito de existir como nação independente, livre e soberana. A Ucrânia pertence a Rússia: "A Ucrânia moderna foi criada inteiramente pela Rússia, mais precisamente pelos bolcheviques, a Rússia comunista.” Disse com uma convicção de quem demonstra parecer ter o mesmo sangue que corria nas veias de Stalin.
"A Ucrânia virou uma colônia de marionetes [não é marionete o ditador da Bielorrússia, que com ajuda de Moscou está no cargo desde 1994] Os ucranianos desperdiçaram não só tudo o que nós demos a eles durante o tempo da União Soviética, mas tudo o que eles herdaram do Império Russo. Mesmo o trabalho de Catarina, a Grande", disse Putin.[6]
Não escondeu que para ele a Ucrânia tem de ser tutelada pelos russos. Eles é quem sabem o que é melhor para os ucranianos:
"Portanto, em 1991 [após o colapso da União Soviética], ela optou por uma imitação imprudente de modelos estrangeiros que nada têm a ver com a história ou com as realidades ucranianas."[7]
Será que Putin já ouviu falar em autodeterminação dos povos? "Isso é bobagem."
O site Mundo Ao Minuto[8] comentou as palavras de Putin sobre a Ucrânia:
Perante este cenário, confrontados com diversos movimentos nacionais, os primeiros dirigentes bolcheviques tentam e conseguem integrá-los na União Soviética, fundada em 1922, mas permitindo que mantivessem a sua identidade, e uma estrutura interna de tipo estatal.
Mas houve comunistas ucranianos que pretendiam mais poder, não queriam o estatuto de república autónoma, antes um Estado soberano. Foi uma interessante abordagem; em resultado disso a propaganda soviética aceitava praticamente a entidade separada ucraniana. Mas depois tentaram castrá-la, aproximar a língua ucraniana da língua russa. Mas a língua mais próxima do ucraniano é o bielorrusso, seguido do polaco, e o russo apenas surge em seguida.
Exato. Esta semana vi na CNN americana um professor polonês comentando sobre isso: “É dito que russo e ucraniano são tão parecidos quanto o português e o espanhol. Mas não são. Lembra mais o português e o francês.”
Portanto, a Ucrânia moderna não é uma criação de Lenin e dos bolcheviques. Depois da afirmação de Putin, duas dezenas de historiadores provaram por a+b que ele estava errado e viram qual era o seu real interesse em negar o direito da existência de uma Ucrânia livre.
E ainda que fosse verdade. Toda essa argumentação é ridícula. Em 24 de agosto de 1991, a Ucrânia declara ser novamente uma nação independente retirando-se da URSS. Foram mais de 30 anos como nação soberana. Putin sempre sonhou em tomá-la de volta, por isso é que, mesmo sem pertencer a OTAN, ele contestava a aproximação da Ucrânia com o resto da Europa.
Se essa moda pegar, a Colômbia vai querer o Panamá de volta, que se desmembrou dela em 1903; o México a Califórnia, território que era seu e onde o espanhol é amplamente falado; o Brasil vai invadir o Uruguai, que se separou de nós em 1828. Singapura teria de voltar para Malásia. A Europa, então, seria o caos total. O mapa da Europa mudou muito, e não é preciso ir muito longe, basta vermos os séculos XIX e XX, quando alguns países tiveram os seus territórios aumentados e outros diminuídos: Alemanha, Áustria, Polônia, Hungria e até mesmo a Ucrânia, para citar apenas alguns. Vamos ressuscitar a Prússia? Sem falar no Império Otomano que o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, ditador-em-treinamento, frequentemente relembra com nostalgia. Esse de tolo não tem nada. Apesar de ser membro da OTAN, analistas internacionais dizem que ele faz, devido a posição geopolítica da Turquia, com que Estados Unidos e Rússia não discordem dele. Está introduzindo gradualmente a ditadura na Turquia e ninguém diz nada.
A Volta da URSS?
Seriam atos individuais de alguns soldados o fato de que alguns tanques que invadiram a Ucrânia tivessem bandeiras da antiga URSS?
Em 2005, no Parlamento russo, Putin disse que “o colapso da URSS foi a maior catástrofe geopolítica do século 20". Como não ter medo desse saudosismo? Finalmente depois de vários séculos os ucranianos estavam passando pela experiência de terem um país livre.
Os discursos do Putin provam que os ucranianos estavam certos em procurar proteção na OTAN. Percebiam as verdadeiras intenções do líder russo. Não queriam ser dominados novamente. Eles não esquecem Holodomor, o holocausto de Stalin contra o povo ucraniano. Veja o vídeo no final do texto. Está em inglês com legenda em português.
O genocídio praticado por Stalin, conhecido como A Fome Ucraniana, ou Holodomor, aconteceu no inverno de 1932-1933. Ao contrário de outras fomes na história causadas por pragas ou secas, esta foi causada deliberadamente por Stalin que queria substituir as pequenas fazendas da Ucrânia por coletivos estatais e punir os ucranianos de mentalidade independente que representavam uma ameaça à sua autoridade totalitária.
Stalin confiscou todos os alimentos domésticos e grãos da população até que morressem de fome; e proibiu o deslocamento para que não fossem buscar ajuda em outros lugares. Milhões de ucranianos morreram de fome; uma catástrofe em tempos de paz sem precedentes na história.
Em 10 de novembro de 2003 a ONU registrou através de uma Declaração Conjunta, assinada por muitos países, o septuagésimo aniversário deste genocídio ocorrido na Ucrânia no inverno de 1932-1933[9].
Na antiga União Soviética, milhões de homens, mulheres e crianças foram vítimas das ações e políticas cruéis do regime totalitário. A Grande Fome de 1932-1933 na Ucrânia (Holodomor), que tirou de 7 milhões a 10 milhões de vidas inocentes e se tornou uma tragédia nacional para o povo ucraniano. A este respeito, notamos as atividades em observância do septuagésimo aniversário desta Fome, em particular organizadas pelo Governo da Ucrânia.
Em homenagem ao septuagésimo aniversário da tragédia ucraniana, também comemoramos a memória de milhões de russos, cazaques e representantes de outras nacionalidades que morreram de fome na região do rio Volga, norte do Cáucaso, Cazaquistão e em outras partes da antiga União Soviética, como resultado da guerra civil e da coletivização forçada, deixando cicatrizes profundas na consciência das gerações futuras.
Expressando solidariedade às vítimas da Grande Fome, conclamamos todos os Estados Membros, as Nações Unidas e suas agências especiais, organizações internacionais e regionais, bem como organizações não governamentais, fundações e associações a prestar homenagem à memória daqueles que pereceram durante aquele trágico período da história.
Reconhecendo a importância de conscientizar o público sobre os trágicos eventos da história da humanidade para sua prevenção no futuro, deploramos os atos e políticas que provocaram a fome em massa e a morte de milhões de pessoas. Não queremos acertar as contas com o passado, ele não pode ser mudado, mas estamos convencidos de que expor as violações dos direitos humanos, preservar os registros históricos e restaurar a dignidade das vítimas através do reconhecimento de seu sofrimento, orientará as sociedades futuras e ajudará a evitar catástrofes semelhantes no futuro. Precisamos que o maior número possível de pessoas conheça esta tragédia e considere que esse conhecimento fortalecerá a eficácia do Estado de direito e aumentará o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais.
Some a este holocausto as declarações recentes de Putin; e alguém ainda tem dúvidas que a Ucrânia precisa ser membro da OTAN para se proteger da Rússia? Possa parar por aqui ou ainda preciso continuar?
A Ucrânia Perdeu a Oportunidade
Paradoxalmente os ucranianos estão pagando hoje por não terem entrado na Organização. Desde o discurso de Putin, em 2005, lamentando o fim da URSS, eles já deveriam ter entrado.
Quando as pequenas repúblicas bálticas se associaram a OTAN, em 2004, a Rússia ainda ensaiou uma reação, mas estava sem condições e logo desistiu. Duas dessas repúblicas fazem fronteiras com a Rússia. Elas serão invadidas pelo Putin? Serão não companheiro. Ele é genocida, mas não é idiota. Se tocar nelas vai ter de se entender com os 30 países que compõem a OTAN. Assim determina o seu Artigo 5o: “Um ataque contra um Aliado é considerado um ataque contra todos os Aliados”. Por isso invadiu a Ucrânia enquanto ela ainda não entrou na aliança militar. Ele invadiu a Ucrânia ciente que a OTAN não se meteria diretamente com armas e soldados. Como os governantes dos Estados Unidos, França, Inglaterra e todos os demais membros iriam justificar para a sua população mortes e destruição no seu território por uma guerra que não lhes pertence? Joe Biden terá em novembro a chamada eleição na metade do mandato e Emmanuel Macron, em abril próximo, vai concorrer a reeleição na França. Se até eu sei disso, imaginem o Putin.
O que a OTAN está precisando é de uma desculpa do tipo Pearl Harbor. O presidente Franklin Roosevelt, em 1941, prometeu ao povo americano que não se meteria diretamente no conflito europeu, os japoneses lhe deram a oportunidade que desejava. Será que Putin vai fazer o mesmo? Estônia e Letônia fazer fronteira com a Rússia e são membros desde 2004 da OTAN. Ele vai invadí-las usando o mesmo argumento de que isso põe em risco a segurança da Rússia? Já respondi essa pergunta um pouco acima. A resposta é não.
O medo da Ucrânia era compartilhado por outros países da Cortina de Ferro. Mas esses não esperaram como a Ucrânia esperou. Foi por isso que a República Tcheca (1999), Polônia (1999), Hungria (1999), Romênia (2004), Eslováquia (2004), Bulgária (2004) todos invadidos, dominados e controlados por Moscou, antes ou após a Segunda Guerra Mundial, e mais a Estônia (2004), Letônia (2004) e Lituânia (2004) ex-países da URSS e as repúblicas da Croácia (2009), Macedônia do Norte (2020) e Montenegro (2017), que faziam parte da Iugoslávia, entraram de bom grado na OTAN. Todos esses países faziam parte do Pacto de Varsóvia, aliança militar dos países comunistas, que se desfez junto com a desintegração da URSS. Eles viam na OTAN uma garantia de que jamais seriam subjugadas e dominadas pelos russos novamente.
A Hungria em 1956, a Tchecoslováquia em 1968 (Primavera de Praga) e a República da Geórgia em 2008 foram duramente reprimidas quando tentaram sair do domínio russo.
Semana passada, antes da invasão, Putin advertiu (proibiu?) a Suécia e a Finlândia sobre a entrada delas na OTAN.
Esta semana a primeira-ministra da Finlândia, Sanna Mirella Marin, disse que a Rússia está forçando seu país a entrar na OTAN. E a da Suécia, Magdalena Andersson, afirmou que a Suécia é soberana para decidir sozinha.
A Ucrânia Pagou pela Indecisão.
A Ucrânia é um país parceiro da OTAN desde 1999; e a partir de 2004 ela procurou estreitar laços com a União Europeia. Em 2008, iniciou um processo para se tornar membro efetivo. Contava com os benefícios econômicos que viriam de uma possível adesão. Observava o que tinha acontecido com ex-países comunistas que tinham aderido. Em 2014, quando estava tudo preparado para firmarem acordos, o então presidente ucraniano Viktor Yanukovych (2010-2014) a pedido de Putin não assinou. Mas obteve de Moscou um empréstimo de bilhões de dólares. Esse posicionamento causou protestos nas ruas com repressão policial. E toda aquela confusão foi amplamente divulgada. A chamada Revolução da Dignidade, também conhecida como a Revolução Maidan, ocorreu em fevereiro de 2014, no final dos protestos do Euromaidan, quando confrontos mortais entre manifestantes e as forças de segurança na capital ucraniana, Kiev, culminaram na deposição do presidente.
O resultado das manifestações pró-ocidente resultaram na anexação da Crimeia pelos russos. De lá para cá a Ucrânia se aproximou mais do Ocidente. Putin se fingia de morto de vez em quando; reclamava aqui e ali, e com isso ia ganhando tempo enquanto se armava cada vez mais; até achar que o momento chegou.
Isso é um resumo extremamente simplificado. O site Ukraine-NATO relations[10] mostra com riqueza de detalhes e com todas as fontes das citações mencionadas, como a OTAN tem lidado com as (in)decisões da Ucrânia em aderir ou não a Organização. Desde junho de 2002 há pesquisas mensais de opiniões públicas investigando se Ucrânia deveria ou não entrar na OTAN. A adesão teve uma maioria de 53% de apoiadores, contra 34% de opositores, em outubro de 2014. Em dezembro de 2016 subiu para 71% a favor e 23% contra. Em junho de 2019 era 53% a favor e 29% contra. E em dezembro de 2021 era 59% pela adesão e 23% contra. A partir daí Putin começou a falar mais grosso. Em janeiro deste ano foi 64% a favor e 17% contra. Aí Putin pirou e decidiu invadir.
A Expansão da OTAN/NATO
Se houvesse interesse da OTAN de invadir a Rússia isso teria sido feito quando esta estava bastante debilitada. Quando as pequenas Estônia, Letônia e Lituânia informaram que estavam saindo da URSS (antes também pertenceram ao Império Russo), a falida Rússia não teve força para impedi-las. Portanto, não procede a desculpa para invadir e destruir uma nação baseado em suposições. Viu-se que a adesão a OTAN era apenas desculpa. O motivo real acabou sendo revelado pelo próprio Putin. Deve ter tomado doses extras de vodca. A verdade escapou-lhe pelos lábios.
A expansão veio de encontro, entre outros motivos, para abrigar ex-países comunistas que queriam uma proteção contra uma Rússia que perdeu a Guerra Fria e um dia tentaria se recuperar
A aliança militar ocidental não deixou correr riscos depois do fim da URSS. O saudosista-imperialista Putin, que não para de expandir o seu arsenal bélico desde 2010, disse em um discurso há uns dois anos que a Rússia tinha uma arma destruidora como nunca se viu antes. Pode estar blefando. Então que aguente as consequências. A invasão da Ucrânia não vai trazer nenhuma tranquilidade para a Rússia; muito pelo contrário. Além das sanções econômicas que já fizeram o rublo depreciar em quase 100% desde o início da guerra; a Alemanha anunciou que irá dobrar os seus gastos militares. Ano passado ela gastou 53,2 bilhões de euros, ou 1,5% do PIB. O primeiro-ministro alemão, Olof Scholz, logo após a invasão russa anunciou que os gastos com defesa subiram para 100 bilhões de euros, ou 2,8% do PIB.
Em 2020 só os Estados Unidos gastaram US$ 778 bilhões e a Rússia US$ 62 bilhões com as suas Forças Armadas. O total de gastos dos países da OTAN, em 2021, foi 1,2 trilhões de dólares. Dá para Rússia competir? Uma das causas da falência da URSS foi justamente o alto valor da corrida armamentista. Esse é o principal motivo pelo qual Putin reclama da expansão da OTAN. Ele não terá fôlego para acompanhar. Mas para a OTAN o inimigo não era ele; embora, o mantenham sobre observação constante.
Pode-se demonstrar facilmente como a Rússia se recuperou economicamente com ajuda dos investidores externos, principalmente, americanos e europeus. Quase todas as grandes multinacionais americanas e europeias estão na Rússia. São os principais membros da OTAN que compram e vendem para eles. E estariam planejando atacá-los?
Eu acredito que no futuro a OTAN vá mudar de nome para que outros países, como Japão, Austrália, asiáticos, africanos e sul-americanos façam parte. Ela precisa de combatentes. A Europa tem um crescimento vegetativo, na média, negativo ou próximo de zero. Vai faltar jovens. Vão ter de importar soldados, também conhecido como mercenários. Por isso vão precisar de novos membros.
Pela autodeterminação dos povos; por tudo que a ela sofreu nas mãos dos russos; pelo direito de ser uma nação livre e soberana, a Ucrânia tem todo o direito de buscar proteção sobre o guarda-chuva da OTAN. Hoje ela paga um preço por ter sido lenta, com idas e vindas, nessa decisão.
Espero que as sanções impostas a Rússia surtam efeito e o Putin, o genocida, saia do poder mais breve, seja preso e condenado pela destruição de uma nação inteira.
Rezemos pela paz na Ucrânia.
Cláudio Nogueira
[1] Folha de São Paulo. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/invasao-da-ucrania-racha-grupos-bolsonaristas-afirma-especialista.shtml
[2] Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), anteriormente conhecido como Centro de Lançamento de Alcântara, é um espaço porto da Agência Espacial Brasileira no município de Alcântara, localizada na costa atlântica norte do Brasil, no estado do Maranhão.
Boicote estadunidense ao foguete brasileiro em 2009
Em 2011, o WikiLeaks revelou que o governo dos Estados Unidos quer impedir a criação de um programa de produção de foguetes espaciais brasileiros. Por isso as autoridades estadunidenses pressionam parceiros dos brasileiros nessa área (como a Ucrânia) para não transferir tecnologia do setor ao país. A restrição dos Estados Unidos está registrada em telegramaque o Departtamento de Estado enviou à embaixada em Brasília, em janeiro de 2009, onde escreve: "Não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil. ... Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil" Os Estados Unidos também não permitem o lançamento de satélites norte-americanos (ou fabricados por outros países mas que contenham componentes estadunidenses) a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, "devido à nossa política, de longa data, de não encorajar o programa de foguetes espaciais do Brasil", conforme outro documento confidencial divulgado.
Acordo com os Estados Unidos em 2019
Em outubro de 2019, a Câmara dos deputados aprovou o acordo no qual os Estados Unidos utilizam a área para pesquisa cientíca e lançamento de foguetes, espaçonaves e satélites que utilizam tecnologias norte-americanas a partir da base brasileira. Em novembro de 2019 o Senado Federal publicou o decreto aprovando o texto sobre salvaguardas tecnológicas relacionadas a participação dos Estados Unidos da América em lançamentos a partir da Base de Alcântara.
[3] Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI) ou simplesmente Barreira do Inferno é uma base da Força Aérea Brasileira para lançamentos de foguetes. Fundada em 1965, se tornou a primeira base de foguetes da América do Sul.
[4] Putin announces a ‘military operation’ in Ukraine as the U.N. Security Council pleads with him to pull back. Disponível em https://www.nytimes.com/2022/02/23/world/europe/putin-announces-a-military-operation-in-ukraine-as-the-un-security-council-pleads-with-him-to-pull-back.html
[5] Rússia não reconhecerá independência do Kosovo e prevê onda separatista. Disponível em: https://g1.globo.com/noticias/mundo/0,,mul302263,00-russia+nao+reconhecera+independencia+do+kosovo+e+ preve + onda +separatista.html
[6] Putin ataca a Otan e diz que Ucrânia nunca foi um Estado verdadeiro. Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/02/putin-ataca-a-otan-e-diz-que-ucrania-nunca-foi-um-estado-verdadeiro.shtml
[7] As falsas declarações de Putin sobre a história da Ucrânia. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/as-falsas-declara%C3%A7%C3%B5es-de-putin-sobre-a-hist%C3%B3ria-da-ucr%C3%A2nia/a-60907021
[8] Putin considera que não existe uma identidade específica ucraniana. Disponível em: https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1937480/putin-considera-que-no-existe-uma-identidade-especifica-ucraniana
[9] United Nations Digital Library. Disponível em: https://undocs.org/pdf?symbol=en/A/62/235
[10] Ukraine - NATO relations. Disponível em:
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