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domingo, 2 de maio de 2010

Lei da Anistia e o Discurso de Pedro Simon

STF nega pedido da OAB para rever Lei da Anistia

Por sete votos a dois, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram quinta-feira, 29, pela manutenção da Lei da Anistia, julgando improcedente a ação apresentada pela OAB sobre a aplicação da lei aos torturadores do regime militar. Acompanharam o voto do relator Eros Grau pela manutenção da lei os ministros Cármen Lúcia, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, presidente do STF.
Os ministros Ricardo Lewandowski e Ayres Britto interpretaram a ação da Ordem dos Advogados do Brasil parcialmente procedente, defendendo que a Lei da Anistia não se estende a agentes da repressão que cometeram crimes de tortura e homicídios.
No dia anterior ao ler seu posicionamento, o ministro Eros Grau declarou que a ação proposta da OAB feria “acordo histórico que permeou a luta por uma anistia ampla, geral e irrestrita”. E que o Judiciário não teria “autorização para reescrever a história da Lei da Anistia”.

Na segunda feira, dia 26, portanto, antes da decisão do Supremo, o senador Pedro Simon fez um discurso defendendo a opinião da OAB de que os crimes cometidos por militares não foram políticos, mas comuns, o que torna os agentes culpáveis perante a Justiça.
Um amigo militar me mandou o discurso, retirado do site do Senado e no do senador:
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/pronunciamento/detTexto.asp?t=384080

"Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores: Em janeiro de 1975, a polícia política do Chile prendeu uma jovem médica pediatra de 24 anos. Eram tempos difíceis. As tropas do general Pinochet tinham derrubado o governo constitucional de Salvador Allende dois anos antes. No ano seguinte, o pai da jovem médica, um brigadeiro leal ao presidente deposto, tinha sido preso e, ainda detido, morreu do coração, ao não resistir ao sofrimento de tantos camaradas. A jovem médica sobreviveu ao pai, à prisão e às torturas que lá sofreu, durante um ano, até se exilar na Austrália. Essa mesma jovem médica estudou mais, aperfeiçoou seus conhecimentos, e retornou ao Chile de Pinochet, o homem que levou seu pai à morte, e engajou-se na política, na luta pela democracia. Ela venceu. E tanto convenceu que, 31 anos após sua prisão e as torturas que sofreu, Michelle Bachelet, a jovem médica, tornou-se presidente do Chile por vontade soberana do povo chileno. Apesar de tanto sofrimento, tanta dor, Bachelet nos legou uma frase de profunda sabedoria, de elevado teor humanista: "Só as feridas lavadas cicatrizam". Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores: Na próxima quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal terá uma oportunidade de reconciliar o país com sua história, de ajustar a memória à verdade, de reafirmar a autoestima de uma Nação que respeita seu passado sem medo de seu futuro. A Suprema Corte brasileira terá, enfim, a chance de lavar nossas feridas e permitir a cicatrização de uma chaga que ainda sangra, dói e machuca. Após dois anos, o STF julgará, enfim, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 153, proposta em outubro de 2008 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O que pede a OAB é simples: que o STF interprete o Artigo 1° da Lei da Anistia, declarando, de forma clara e definitiva, que a Anistia não se aplica aos crimes comuns praticados por agentes da repressão durante o regime militar que manteve o país sob ditadura entre 1964 e 1985. Tortura, assassinato e desaparecimento forçado são crimes de lesa-humanidade, imprescritíveis, conforme tratados internacionais assinados pelo Brasil e nunca colocados em prática aqui dentro. São crimes que não podem, portanto, ser objeto de anistia ou autoanistia. Não são crimes políticos e nem conexos, e assim não podem se nivelar às punições dadas a tantos brasileiros que, condenados às prisões ou ao exílio, acabaram beneficiados em 1979 pela Lei de Anistia que os abrigava. Lei nenhuma, porém, no Brasil ou no mundo, acolhe a tortura, ou a reconhece. O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou criminalmente os homens que se excederam na ditadura, torturando e matando. Ao longo de 21 anos de regime autoritário, vicejou aqui um sistema repressivo estimado em 24 mil agentes que, por razões políticas, prendeu cerca de 50 mil brasileiros e torturou algo em torno de 20 mil pessoas — uma média de três torturas a cada dia de ditadura. Que não foi branda, nem curta, nem clemente. "Anistia não é amnésia", disse o presidente da OAB, Cezar Britto, que apresentou a ação ao Supremo. Líderes de várias correntes políticas reconhece que tortura não é crime político. É muito pior do que isso: é um grave atentado à dignidade da pessoa humana, ontem, hoje e sempre. Torturadores e criminosos que atentaram contra a vida e a dignidade não são esquecidos em todos os lugares, em todos os tempos. É por isso que, até hoje, um ou outro criminoso de guerra nazista ainda é caçado e preso, embora tenha 80 ou 90 anos de vida. Não é pelo prazer da caça, mas pelo dever moral que a civilização tem de lembrar a todos que os seus crimes não se apagam, não se perdoam. O Tribunal de Nuremberg, no julgamento de criminosos da Segunda Guerra, ouviu 240 testemunhas em 285 dias de julgamento, gerando um sumário de 4 bilhões de palavras para uma acusação final de 25 mil páginas contra os 18 principais chefes do Reich nazista. Os juízes negaram o argumento da defesa que eles apenas "cumpriam ordens". O juiz americano Francis Biddle fulminou esta tese com uma frase imortal: "Os indivíduos têm deveres internacionais a cumprir, acima dos deveres nacionais que um Estado particular possa impor". Ficou assim encravado na consciência moral do mundo que todos nós somos responsáveis pelos atos que praticamos. Ninguém é inocente para "cumprir ordens" contra a lei, a moral, a ética e a verdade. Ninguém, neste país, tinha ordens para torturar. Nem mesmo o AI-5, a lei mais dura do período mais sangrento do regime de 64, mencionava ou liberava o uso da tortura. Os torturadores têm algo em comum: eles têm vergonha do que fizeram. É um crime, portanto, sem pai nem mãe. Anistia não é esquecimento, é perdão, ensinam os juristas que não escamoteiam as palavras. Não se pode esquecer o que não se conhece. Também não se pode perdoar o que não foi punido — privilégio imaculado de todos os torturadores que ainda existem no país. O nazismo não merecia a amnésia, muito menos a anistia. A tortura, também. Nossos vizinhos de Cone Sul, que padeceram ditaduras tão violentas como a nossa, acertam suas contas com o passado. A Justiça argentina neste momento processa 263 militares e policiais por crimes contra direitos humanos. Na Argentina, os generais Jorge Rafael Videla* e Reynaldo Bignone** cumprem longas penas de prisão pelo regime de tortura que comandaram. No Uruguai, está preso o civil que deu o golpe em 1973, Juan Maria Bordaberry, e o presidente da ditadura, o general Gregório Alvarez, condenado, em 2009, a 25 anos de prisão pela morte de 37 opositores. São três mortes a menos do que os 40 presos políticos mortos durante os 40 meses que o DOI-CODI da rua Tutóia foi comandado pelo major Carlos Alberto Brilhante Ustra, no Governo Médici. Hoje coronel, na reserva, Brilhante Ustra não teve os percalços de vida de seus colegas argentinos e uruguaios. Vive bem, tranquilo, aposentado, aqui mesmo em Brasília. O historiador americano Edward Peters, professor da Universidade da Pensilvânia, advertiu: "O futuro da tortura está indissoluvelmente ligado ao futuro dos torturadores". No berço da tortura não punida nasceu a impunidade da violência não resolvido do Brasil, antes na ditadura, agora na democracia. Ou seja, a impunidade do torturador acaba garantindo a perenidade da tortura e de sua filha dileta, a violência. O Brasil que evita punir ou sequer apontar seus torturadores acaba banalizando a violência que transborda a ditadura e vitimiza o cidadão comum em plena democracia, principalmente nas duas maiores capitais, São Paulo e Rio. O esquecimento da história é o berço da impunidade. E a impunidade é ancestral da violência. Pais cuidadosos dos delinquentes que puxam gatilhos, ou que arrastam inocentes pelas ruas, esfolados até a morte. O João Hélio, menino inocente, preso por um cinto que se diz de segurança, é, igualmente, vítima da impunidade de quem prendeu outros tantos nomes nos paus-de-araras, também em nome da segurança. Um, torturador, outro, torturado. Ambos, porém, inesquecíveis. A política silenciosa é cúmplice, portanto, da impunidade e de seus filhos diletos: a violência, a corrupção e a barbárie. É a construção de uma cultura, que vem de longe, desde quando se torturavam escravos e se dizimavam índios, e que chega aos nossos dias, contra quem ainda não conseguiu desbravar o “novo-oeste” da globalização e do mercado. Quem esquece a história é cúmplice nos mais de cinquenta mil assassinatos, por ano, no Brasil. Quinhentos mil numa única década! É como se uma Niterói sumisse do nosso mapa, a cada dez anos. Vítimas dos descendentes da impunidade. E dos cúmplices, que se escondem sob o manto do silêncio. Nos 24 anos seguintes à anistia (1979-2003), armas de fogo mataram no Brasil 550 mil pessoas — 44% delas jovens entre 15 e 24 anos. Este Brasil varonil, pacífico e cordial, viu morrer quase tanta gente quanto os Estados Unidos durante os cinco anos que lutou na Segunda Guerra Mundial (625 mil soldados). Num único ano, 2003, segundo dados do Ministério da Saúde, assassinaram no Brasil uma população civil (51 mil pessoas) quase tão grande quanto as perdas dos Estados Unidos (58 mil) ao longo dos 16 anos da Guerra do Vietnã. Esta mesma impunidade, que nasce nos quartéis, sobrevive hoje, portanto, nas ruas. A tortura é verdade. A verdade sob tortura é mentira. Esconder da história a verdade é a maior de todas as mentiras. Ou cumplicidade, se repetida a mesma história. A história é, normalmente, contada pelos vencedores. Neste caso, pelos torturadores. Quem teima em esquecer essa história, é cúmplice dela. É protagonista, do mesmo lado. O esquecimento é uma forma de perdão. Mas, existem fatos que são imperdoáveis. Portanto inesquecíveis. Como perdoar, por exemplo, os autores do holocausto? Esquecendo o próprio holocausto? Negando-o, como querem alguns? Como negar as fileiras e os amontoados de corpos esquálidos nos campos de concentração nazista? Ou do genocídio de Sabra e Chatila? Como haver misericórdia em tiros? Ou em gás? É o esquecimento, artéria principal da impunidade, a razão principal da repetição. Punir os torturadores, de hoje e de ontem, não é revanchismo. É uma obrigação moral e ética de um país que deve olhar sem medo, para trás, para encarar sem receios o caminho que tem pela frente. Vamos lavar nossas feridas. Que isso comece nesta quarta-feira, pela histórica decisão que será dada pelo STF, acatando o pedido da OAB e os clamores de um país consciente de seu passado e confiante em seu futuro."
* Jorge Rafaela Videla foi presidente da Argentina de 1976 a 1981, chegou ao poder por meio de um golpe que derrubou a presidente Estela Perón.
** Reynaldo Bignone, sucedeu o presidente general Leopoldo Galtieri, depois que esse perdeu a guerra das Malvinas, governou de julho de 1982 a dezembro de 1983.

Um comentário:

  1. Sou admirador do Senador Pedro Simon. Nesse contexto, porém, discordo dele.
    A ditadura militar nos anos 60/70 foi um reflexo direto da guerra fria. Tanto isso é verdade que não aconteceu somente no Brasil. Argentina, Chile, e Uruguai também sofreram debaixo das botas dos militares.
    Houve, no entanto, uma diferença muito grande de postura entre o Brasil e os seus vizinhos do Cone Sul. Enquanto lá vem sendo realizada uma verdadeira caça às bruxas, aqui houve uma lei de anistia bilateral. A anistia atingiu seu objetivo, que é o da pacificação nacional, beneficiando os integrantes dos dois lados em conflito.
    O senador cita os crimes de guerra dos nazistas, procurando justificar a atitude vergonhosa dos chamados "caçadores de nazistas", que pretendem vingar crimes ocorridos antes de haverem nascido. Isso me fez lembrar o que aprendi na História sobre os "caçadores de judeus" da época da inquisição, que perseguiam e matavam os "assassinos de Jesus Cristo".
    Neste momento, devemos recorrer às lições do passado e lembrar a figura do grande jurista Rui Barbosa, primeiro ministro da Fazenda do Brasil Republicano e mentor da primeira constituição da República. Um de seus primeiros atos após a proclamação da República foi mandar queimar todos os documentos ligados à escravidão. Dessa forma, ele impediu que os antigos proprietários de escravos pleiteassem indenização por pretensas perdas pecuniárias.
    Não foi essa, no entanto, a única consequência da queima desses documentos. Rui Barbosa não pediu aos antigos escravos (e a seus descendentes) que perdoassem os desmandos cometidos por aqueles que, legalmente, eram seus proprietários. Entretanto, ao destruir os documentos relativos à escravidão, dificultou-lhes realizar uma campanha pela punição de antigos proprietários de escravos. Tal medida permitiu que, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, brancos e negros passassem a conviver de forma amigável no país.
    Tenho a certeza de que o sofrimento causado durante séculos de escravidão foi, quantitativamente, muito superior ao que foi causado de 1964 até 1979, quando foi promulgada a Lei da Anistia. Como conseguimos superar aquela fase triste da nossa história, certamente conseguiremos superar a lembrança das dores causadas no passado recente sem necessidade de rever a Lei da Anistia, pela qual tantos lutaram.

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